O Globo
Quando Eduardo
Bolsonaro (PL-SP) começou a bradar por sanções financeiras dos Estados Unidos contra Alexandre
de Moraes e os integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF),
os ministros reagiram com ironia. “Qualquer coisa, é só ir para Nova York. Só
que a do Maranhão”,
disse Flávio
Dino.
Naquele momento, as falas do filho Zero Três
de Jair
Bolsonaro pareciam bravatas megalômanas. Vieram o tarifaço de Donald Trump,
a colocação da tornozeleira no ex-presidente e a revogação dos vistos de
Moraes, de outros sete ministros do Supremo e do procurador-geral da
República, Paulo
Gonet, e a atitude dos magistrados continuou a mesma.
“Sempre teremos Paris”, disse um
deles. “O Mickey precisará superar a minha ausência”, caçoou outro.
O tom de “não estou nem aí” só começou a mudar nos últimos dias, depois que Moraes proibiu Bolsonaro de dar entrevistas e esteve perto de mandar prender o ex-presidente por suas falas de protesto ao exibir a tornozeleira eletrônica no Congresso Nacional.
Diante da possibilidade de novas retaliações
do governo Trump, os ministros começaram a recomendar “prudência” e a dizer
reservadamente que, embora apoiassem a restrição ao uso de redes sociais, não
endossavam nenhuma censura.
O ministro ainda não se manifestou sobre o
assunto, mas está claro que seus colegas perceberam o óbvio: ao responder com o
fígado a provocações que deveriam ser tratadas de forma técnica, ele caiu na
cilada montada por Trump e Bolsonaro. Deu argumento a quem o acusa de agir
politicamente e ainda ajudou o bolsonarismo a se vender como vítima de
perseguição — e não como vetor de uma guerra comercial que pode resultar em
prejuízos bilionários à nossa economia.
Ainda que com atraso, a ala mais pragmática
da Corte entendeu que não era desprezível o risco de a crise se agravar por
causa de uma prisão intempestiva de Bolsonaro e a culpa cair na conta do
Supremo.
A questão é que Moraes não entrou nessa
armadilha sozinho. Desde bem antes do início do processo da trama golpista,
quase todo o tribunal, tão vocal em algumas situações, ou se cala ou o apoia
incondicionalmente, mesmo que cometa erros ou exageros — como quando, a
pretexto de impedir o funcionamento do X no Brasil, ordenou que as lojas
virtuais da Apple e
do Google bloqueassem
o acesso a aplicativos do tipo VPN, que poderiam ser usados para driblar a
proibição.
Como esses sistemas são essenciais para o
funcionamento de muitos negócios, bloqueá-los no Brasil é simplesmente
inviável. Assim, a ordem não foi cumprida, e Moraes acabou por revogá-la sem
maiores explicações.
Nenhum ministro disse nada, tampouco, quando
Moraes determinou busca, apreensão e quebra de sigilo bancário e digital de
oito empresários que trocaram mensagens privadas num grupo de WhatsApp defendendo
um golpe de Estado caso Lula ganhasse
a eleição. Apesar do tom golpista, as mensagens, tornadas públicas numa
reportagem, não tinham nenhuma consequência prática. Moraes, porém, escreveu:
“Essas condutas, de elevado grau de
periculosidade, se revelam não apenas como meros ‘crimes de opinião’, eis que
os investigados, no contexto da organização criminosa sob análise, funcionam
como líderes, incitando a prática de diversos crimes e influenciando diversas
outras pessoas, ainda que não integrantes da organização, a praticarem
delitos”.
Um ano depois, o próprio ministro arquivou o
processo, anotando que “a suspeita carece de elementos indiciários mínimos”. E
ficou por isso mesmo.
Nem esse nem outros deslizes apagam o fato de
que o Brasil esteve à beira de um golpe de Estado por obra de Jair Bolsonaro e
um grupo de militares toscos e felizmente incompetentes, nem a importância do
processo contra os participantes da trama golpista.
Toda a sequência de fatos que redundou no 8
de Janeiro é por si tão absurda e criminosa que não há necessidade de nenhum
duplo twist carpado judicial para que se chegue à condenação dos golpistas. A
conclusão do processo, aliás, é prevista para setembro ou outubro, o que deve
levar Bolsonaro a ser preso antes do fim do ano. Antecipar esse momento com
decisões irrefletidas não é atitude de uma Corte que se pretende empenhada na
defesa da democracia e da Constituição.
Compreende-se que o trauma do 8 de Janeiro
tenha feito os ministros reforçarem ainda mais a blindagem mútua, típica de
qualquer instituição. Mas o desafio que se coloca agora, a Moraes e a todo o
Supremo, é provar que são capazes de preservar a democracia e o Estado de
Direito sem se deixar levar pela onipotência ou por vendetas pessoais.
A beleza da democracia está justamente no
fato de que, nela, ninguém está acima da lei. Quem toma decisões ilógicas
apenas “porque pode” são autoritários como Donald Trump.
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