quinta-feira, 24 de julho de 2025

O Supremo e a armadilha de Trump - Malu Gaspar

O Globo

Quando Eduardo Bolsonaro (PL-SP) começou a bradar por sanções financeiras dos Estados Unidos contra Alexandre de Moraes e os integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF), os ministros reagiram com ironia. “Qualquer coisa, é só ir para Nova York. Só que a do Maranhão”, disse Flávio Dino.

Naquele momento, as falas do filho Zero Três de Jair Bolsonaro pareciam bravatas megalômanas. Vieram o tarifaço de Donald Trump, a colocação da tornozeleira no ex-presidente e a revogação dos vistos de Moraes, de outros sete ministros do Supremo e do procurador-geral da República, Paulo Gonet, e a atitude dos magistrados continuou a mesma.

“Sempre teremos Paris”, disse um deles. “O Mickey precisará superar a minha ausência”, caçoou outro.

O tom de “não estou nem aí” só começou a mudar nos últimos dias, depois que Moraes proibiu Bolsonaro de dar entrevistas e esteve perto de mandar prender o ex-presidente por suas falas de protesto ao exibir a tornozeleira eletrônica no Congresso Nacional.

Diante da possibilidade de novas retaliações do governo Trump, os ministros começaram a recomendar “prudência” e a dizer reservadamente que, embora apoiassem a restrição ao uso de redes sociais, não endossavam nenhuma censura.

O ministro ainda não se manifestou sobre o assunto, mas está claro que seus colegas perceberam o óbvio: ao responder com o fígado a provocações que deveriam ser tratadas de forma técnica, ele caiu na cilada montada por Trump e Bolsonaro. Deu argumento a quem o acusa de agir politicamente e ainda ajudou o bolsonarismo a se vender como vítima de perseguição — e não como vetor de uma guerra comercial que pode resultar em prejuízos bilionários à nossa economia.

Ainda que com atraso, a ala mais pragmática da Corte entendeu que não era desprezível o risco de a crise se agravar por causa de uma prisão intempestiva de Bolsonaro e a culpa cair na conta do Supremo.

A questão é que Moraes não entrou nessa armadilha sozinho. Desde bem antes do início do processo da trama golpista, quase todo o tribunal, tão vocal em algumas situações, ou se cala ou o apoia incondicionalmente, mesmo que cometa erros ou exageros — como quando, a pretexto de impedir o funcionamento do X no Brasil, ordenou que as lojas virtuais da Apple e do Google bloqueassem o acesso a aplicativos do tipo VPN, que poderiam ser usados para driblar a proibição.

Como esses sistemas são essenciais para o funcionamento de muitos negócios, bloqueá-los no Brasil é simplesmente inviável. Assim, a ordem não foi cumprida, e Moraes acabou por revogá-la sem maiores explicações.

Nenhum ministro disse nada, tampouco, quando Moraes determinou busca, apreensão e quebra de sigilo bancário e digital de oito empresários que trocaram mensagens privadas num grupo de WhatsApp defendendo um golpe de Estado caso Lula ganhasse a eleição. Apesar do tom golpista, as mensagens, tornadas públicas numa reportagem, não tinham nenhuma consequência prática. Moraes, porém, escreveu:

“Essas condutas, de elevado grau de periculosidade, se revelam não apenas como meros ‘crimes de opinião’, eis que os investigados, no contexto da organização criminosa sob análise, funcionam como líderes, incitando a prática de diversos crimes e influenciando diversas outras pessoas, ainda que não integrantes da organização, a praticarem delitos”.

Um ano depois, o próprio ministro arquivou o processo, anotando que “a suspeita carece de elementos indiciários mínimos”. E ficou por isso mesmo.

Nem esse nem outros deslizes apagam o fato de que o Brasil esteve à beira de um golpe de Estado por obra de Jair Bolsonaro e um grupo de militares toscos e felizmente incompetentes, nem a importância do processo contra os participantes da trama golpista.

Toda a sequência de fatos que redundou no 8 de Janeiro é por si tão absurda e criminosa que não há necessidade de nenhum duplo twist carpado judicial para que se chegue à condenação dos golpistas. A conclusão do processo, aliás, é prevista para setembro ou outubro, o que deve levar Bolsonaro a ser preso antes do fim do ano. Antecipar esse momento com decisões irrefletidas não é atitude de uma Corte que se pretende empenhada na defesa da democracia e da Constituição.

Compreende-se que o trauma do 8 de Janeiro tenha feito os ministros reforçarem ainda mais a blindagem mútua, típica de qualquer instituição. Mas o desafio que se coloca agora, a Moraes e a todo o Supremo, é provar que são capazes de preservar a democracia e o Estado de Direito sem se deixar levar pela onipotência ou por vendetas pessoais.

A beleza da democracia está justamente no fato de que, nela, ninguém está acima da lei. Quem toma decisões ilógicas apenas “porque pode” são autoritários como Donald Trump.

 

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