sexta-feira, 8 de agosto de 2025

Lula pode perder o discurso e timing - Vera Magalhães

O Globo

Atraso no pacote de alívio a exportadores permite a governadores tentar emplacar narrativa falsa de que medidas são culpa do governo, e não de Trump e da família Bolsonaro

Uma situação inédita e desprovida de racionalidade, como o tarifaço enfiado goela abaixo do Brasil por Donald Trump, testa a acurácia, a capacidade de reação e o timing político do governo federal. Estes quase três anos de Lula 3 não têm sido pródigos em bons exemplos de todos esses atributos, que ameaçam falhar de novo numa hora crucial.

Depois de prometer uma resposta imediata e à altura da agressão, o governo patina e demora em anunciar o pacote em sua totalidade, algo essencial aos setores perdidos diante da falta de canais claros com que negociar situações que, em muitos casos, significam manter ou fechar negócios que geram empregos e sustentam famílias em todo o país.

A indefinição não se justifica: a ameaça estava posta desde julho, as datas foram também anunciadas, e há “jurisprudência” de momentos de gravidade nacional que exigiram planos de contingência, muitas vezes sem aviso prévio, como a pandemia e a catástrofe do Rio Grande do Sul.

Com a mobilização de todas as pastas e o comando de um administrador testado como o vice-presidente Geraldo Alckmin, todas as instruções de Lula deveriam ser no sentido de não titubear nem abrir espaço para as conhecidas disputas de rumos que existem em qualquer equipe, bastante conhecidas na sua.

Há sinais trocados dados pelo próprio Lula, cujo “instinto de animal político”, expressão usada por um auxiliar atuante na gestão da crise do tarifaço, seria responder a Trump no campo da política e, se possível, usar os mecanismos de retaliação presentes na Lei da Reciprocidade, aprovada neste ano.

Seria o equivalente a se dispor a jogar xadrez com um pombo o Brasil revidar as arbitrariedades americanas achando que pode fazê-lo na mesma moeda, com consequências similares. Os ministros envolvidos na resposta ao tarifaço têm feito de tudo para deixar a palavra retaliação fora do cardápio de medidas, mesmo depois do anúncio do já demorado plano de contingência.

Fernando Haddad demonstra maturidade e responsabilidade ao procurar circunscrever as medidas ao campo dos empréstimos subsidiados aos setores afetados com o tarifaço. Mas é preciso que essas linhas sejam anunciadas o mais rapidamente possível, para que os produtores e empresários que navegam em águas turbulentas sem bússola saibam que o governo está empenhado em guiá-los.

A delonga abre brecha para manifestações do mais puro cinismo político, como a vista nesta quinta-feira por parte dos governadores de oposição reunidos em Brasília. Falseando os fatos sem sequer ruborizar, esses políticos cobraram Lula por “imprudência” ao, segundo eles, adotar uma postura de agressão aos Estados Unidos que levou Trump, pobrezinho, a praticamente ser obrigado a impor a tarifa de 50% sobre produtos brasileiros.

Ao esconder o óbvio — o trabalho diligente da família Bolsonaro para obter as sanções ao Brasil no plano comercial e também na perseguição ao Judiciário — ,esses governadores faltam com respeito aos empresários e trabalhadores dos estados que governam, fortemente afetados por uma decisão que nada teve a ver com qualquer infração do Brasil às boas práticas comerciais ou com alguma burla a acordos previamente estabelecidos com os Estados Unidos.

Evocar falas de Lula de que deveria haver alternativa ao dólar no comércio global como razão para o tarifaço é achar que o público é idiota. Mas a dificuldade de pronta resposta que existe desde sempre no governo abre o flanco para esse jogo diversionista da oposição. Ela inverte o ônus da responsabilidade pelo tarifaço ao mesmo tempo que paralisa o Congresso num momento de tamanha gravidade para sair em defesa de uma única pessoa — a mesma que tramou contra o Brasil.

 

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