O Globo
Atraso no pacote de alívio a exportadores
permite a governadores tentar emplacar narrativa falsa de que medidas são culpa
do governo, e não de Trump e da família Bolsonaro
Uma situação inédita e desprovida de
racionalidade, como o tarifaço enfiado goela abaixo do Brasil por Donald Trump,
testa a acurácia, a capacidade de reação e o timing político do governo
federal. Estes quase três anos de Lula 3 não têm sido pródigos em bons exemplos
de todos esses atributos, que ameaçam falhar de novo numa hora crucial.
Depois de prometer uma resposta imediata e à altura da agressão, o governo patina e demora em anunciar o pacote em sua totalidade, algo essencial aos setores perdidos diante da falta de canais claros com que negociar situações que, em muitos casos, significam manter ou fechar negócios que geram empregos e sustentam famílias em todo o país.
A indefinição não se justifica: a ameaça
estava posta desde julho, as datas foram também anunciadas, e há
“jurisprudência” de momentos de gravidade nacional que exigiram planos de
contingência, muitas vezes sem aviso prévio, como a pandemia e a catástrofe do
Rio Grande do Sul.
Com a mobilização de todas as pastas e o
comando de um administrador testado como o vice-presidente Geraldo Alckmin, todas
as instruções de Lula deveriam ser no sentido de não titubear nem abrir espaço
para as conhecidas disputas de rumos que existem em qualquer equipe, bastante
conhecidas na sua.
Há sinais trocados dados pelo próprio Lula,
cujo “instinto de animal político”, expressão usada por um auxiliar atuante na
gestão da crise do tarifaço, seria responder a Trump no campo da política e, se
possível, usar os mecanismos de retaliação presentes na Lei da Reciprocidade,
aprovada neste ano.
Seria o equivalente a se dispor a jogar
xadrez com um pombo o Brasil revidar as arbitrariedades americanas achando que
pode fazê-lo na mesma moeda, com consequências similares. Os ministros
envolvidos na resposta ao tarifaço têm feito de tudo para deixar a palavra
retaliação fora do cardápio de medidas, mesmo depois do anúncio do já demorado
plano de contingência.
Fernando Haddad demonstra maturidade e
responsabilidade ao procurar circunscrever as medidas ao campo dos empréstimos
subsidiados aos setores afetados com o tarifaço. Mas é preciso que essas linhas
sejam anunciadas o mais rapidamente possível, para que os produtores e empresários
que navegam em águas turbulentas sem bússola saibam que o governo está
empenhado em guiá-los.
A delonga abre brecha para manifestações do
mais puro cinismo político, como a vista nesta quinta-feira por parte dos
governadores de oposição reunidos em Brasília. Falseando os fatos sem sequer
ruborizar, esses políticos cobraram Lula por “imprudência” ao, segundo eles,
adotar uma postura de agressão aos Estados Unidos que levou Trump, pobrezinho,
a praticamente ser obrigado a impor a tarifa de 50% sobre produtos brasileiros.
Ao esconder o óbvio — o trabalho diligente da
família Bolsonaro para obter as sanções ao Brasil no plano comercial e também
na perseguição ao Judiciário — ,esses governadores faltam com respeito aos
empresários e trabalhadores dos estados que governam, fortemente afetados por
uma decisão que nada teve a ver com qualquer infração do Brasil às boas
práticas comerciais ou com alguma burla a acordos previamente estabelecidos com
os Estados Unidos.
Evocar falas de Lula de que deveria haver
alternativa ao dólar no comércio global como razão para o tarifaço é achar que
o público é idiota. Mas a dificuldade de pronta resposta que existe desde
sempre no governo abre o flanco para esse jogo diversionista da oposição. Ela
inverte o ônus da responsabilidade pelo tarifaço ao mesmo tempo que paralisa o
Congresso num momento de tamanha gravidade para sair em defesa de uma única
pessoa — a mesma que tramou contra o Brasil.
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