O exame da formação da
Europa ajuda a entender a força de um fenômeno como o da síntese cultural. Pois
a História ensina que o que fez a grandeza do Velho Continente foi a sua
extraordinária capacidade de assimilar uma religião oriental – no caso, o Cristianismo
– e todo o legado da Grécia – uma área-entroncamento, uma vez que cruza Europa,
Ásia, Oriente Médio e mesmo África. Nem é preciso dizer o quanto a
Democracia, a Filosofia e as Artes em geral devem a essa formidável
assimilação. Isso, sem contar toda a gama de encontros com a Índia e a China,
que também viveram o seu Renascimento, tal qual a Europa.
No fundo, a Civilização
nasce das trocas: como imaginar a geometria de Pitágoras, que visitou o Egito
das fabulosas pirâmides, obras inigualáveis pela precisão arquitetônica, sem o
conhecimento dos cálculos que possibilitaram essas construções? Ou pensar a
edificação do Estado no mundo de hoje sem o contributo do Direito romano? A
História, muitas vezes, é o cruzamento das mais diversas geografias. Se a
História vez por outra estabelece fronteiras, a Geografia teima em
desdenhá-las.
Houve um tempo, aquele do
nomadismo, em que "as nossas pernas eram o único passaporte
requisitado", conforme indicou Eduardo Galeano.
No Brasil, não tem sido
muito diferente, a nossa geografia assimilando as contribuições
histórico-culturais de povos das mais diferentes regiões. Por aqui, os
mitos indígenas têm milhares de anos, assim como os orixás africanos. E a
língua portuguesa, na qual escrevemos todos, possui cerca de oitocentos
anos.
Os documentos coloniais
portugueses não atestaram que os lundus - tão "lascivos", música de
origem acentuadamente africana - tinham invadido os lares das sinhazinhas em
Minas Gerais? E a documentação relativa à história do samba carioca não
informa que o então estudante de Medicina Noel Rosa deixava o asfalto de Vila
Isabel e subia as ladeiras do Morro dos Macacos, situado no mesmo bairro, para
aprender piano com Sinhô? Ainda no terreno da música e dos encontros que ela
possibilita, revelando aquele que talvez seja o rosto mais verdadeiro do
Brasil: Heitor Villa-Lobos era autodidata e Pixinguinha teve formação erudita.
Foram unidos pelo chorinho e pelo amor às canções. Orestes Barbosa morou um
período no Morro da Mangueira e chegou a se candidatar a uma vaga na Academia
Brasileira de Letras. E os exemplos se multiplicam ad aeternum.
As raízes são antigas, mas
os galhos são novos. No Brasil, o que é de fato autóctone é a síntese, a
mestiçagem. Essa é a originalidade nacional - e é também a minha
convicção.
Historiador