O Estado de S. Paulo
Os problemas de elitismo e ameaças à autonomia se referem a dilemas fundamentais das universidades em qualquer parte do mundo
As universidades dos Estados Unidos estão entre as melhores do mundo, segundo as diversas avaliações internacionais, graças à qualidade da pesquisa, à formação que dão a seus estudantes e seu impacto na economia e na sociedade. Só as universidades Harvard, Chicago e Berkeley têm cada uma mais de cem ganhadores de Prêmio Nobel, entre professores e ex-alunos. Graças às parcerias que estabelecem com empresas e governos, são corresponsáveis pelas principais inovações científicas nas áreas de saúde, engenharia e computação, e seus departamentos de economia, ciências sociais e literatura são fontes permanentes de novas ideias e interpretações sobre a sociedade e a cultura. Não é à toa que tantos países tratam de copiar seu modelo, com suas escolas de pós-graduação, parcerias com o setor produtivo e formas modernas de gestão, e que estudantes de todo o mundo compitam para estudar lá. E, no entanto, elas estão sendo violentamente atacadas pelo governo de Donald Trump, que as acusa de discriminar os que não concordam com as doutrinas que propagam; discriminar contra americanos brancos, em detrimento de estrangeiros e membros de supostas minorias; e de antissemitismo, por permitirem que professores e alunos mobilizem-se contra as políticas do governo de Israel em Gaza. Além disso, são acusadas de gastar mal o dinheiro que recebem e de não pagar os impostos que deveriam.
O ataque de Trump às universidades é
claramente parte de uma ideologia populista, anti-intelectual e anticientífica,
que não é muito diferente das acusações que o governo Bolsonaro fazia às
universidades brasileiras. O sociólogo Jonathan F. Cole, professor e ex-reitor
da Universidade Columbia, escreveu um artigo recente no New York Times
denunciando as ações de Trump como um ataque fundamental aos valores e
funcionamento do sistema universitário e criticando Columbia por ter cedido às
exigências do governo. Em contraste, a recusa de Harvard em se submeter tem
sido amplamente elogiada como a única atitude possível contra essa
interferência desmedida.
Não basta, no entanto, criticar a extrema
direita. É necessário também olhar para dentro e se perguntar em que medida as
universidades também não têm alguma responsabilidade pelos ataques que estão
sofrendo. O próprio Cole, num livro de 2019, The Great American University,
falava sobre a necessidade de lidar com as dificuldades das universidades que
ele tanto admirava. Uma delas era a enorme concentração de recursos, prestígio
e poder nas instituições de elite, criando uma grande frustração entre os milhões
de estudantes que disputavam todos os anos suas poucas vagas e milhares de
professores e pesquisadores talentosos que se candidatavam inutilmente para
seus postos acadêmicos. Outro problema era a grande dependência das
universidades em relação aos financiamentos que recebiam dos governos e das
indústrias, fazendo com que se tornassem suscetíveis a interferências em sua
autonomia. E criticava ainda o halo de invencibilidade em que viviam as
universidades, fazendo com que não respondessem de forma adequada às críticas
que recebiam.
Os problemas de elitismo e ameaças à
autonomia não têm solução simples, porque se referem a dilemas fundamentais das
universidades em qualquer parte do mundo. Universidades são, por natureza,
instituições meritocráticas, voltadas para valorizar o desempenho de seus
alunos e professores e ciosas da superioridade do conhecimento técnico e
científico que produzem e transmitem. O mérito, no entanto, nunca depende
somente da inteligência e empenho das pessoas, mas vem também associado às
origens e condições de vida de cada um, e o conhecimento acadêmico não é
absoluto e tem sido contestado de diferentes maneiras. Para grande parte da
população em qualquer país, há a sensação de que as grandes universidades não
são para elas, e que as pessoas que elas formam, e as ideias que elas difundem,
incluindo a ciência que produzem, não merecem o crédito e o reconhecimento que
clamam ter.
O dilema da autonomia tem a ver com o fato de
que, por um lado, as universidades são instituições que atuam na fronteira do
conhecimento, e por isso mesmo não podem ser cerceadas, naquilo que fazem, por
interesses ou motivações externas de outra natureza. Mas ao mesmo tempo, quanto
melhores são, mais dependem de financiamentos externos para se manter, e mais
suscetíveis se tornam a que esses interesses tentem determinar como elas devem
funcionar.
Com razão, o que mais incomoda as
universidades não são as críticas que recebem, que podem até ser cabíveis em
alguns casos, mas a forma como o governo vem buscando intervir e retirar delas
a responsabilidade por resolver seus próprios problemas. O grande desafio das
universidades é aprender a lidar com esses dilemas. Se renunciarem a seus
valores centrais do mérito e autonomia, elas perdem a razão de ser. Se não
aprenderem a lidar com seus problemas, dilemas e limitações, correm o risco de
ser atropeladas.
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