sexta-feira, 11 de julho de 2025

Ordem mundial - Laura Karpuska

O Estado de S. Paulo

Cordell Hull repetia que livre-comércio era aliado da estabilidade e tarifas altas alimentavam conflitos

A ordem mundial em que vivemos hoje nasceu, em grande parte, do horror da Segunda Guerra Mundial. Construiu-se, então, um novo arranjo geopolítico que buscava também um novo pacto civilizatório. A criação da ONU, do FMI, do Banco Mundial e do GATT – que mais tarde se tornaria a OMC – veio acompanhada da fundação do Estado de Israel e de uma nova configuração de alianças militares, comerciais e diplomáticas.

Havia, especialmente entre formuladores de política americana, a crença de que o comércio internacional, combinado a instituições multilaterais robustas, poderia conter o autoritarismo, promover a paz e ancorar a democracia liberal. Cordell Hull, então secretário de Estado do presidente Franklin Roosevelt, repetia que o livre-comércio era aliado da estabilidade, enquanto tarifas altas alimentavam conflitos. Harry Dexter White, um dos fundadores intelectuais do FMI e do Banco Mundial, via nas instituições multilaterais um antídoto à “guerra econômica” – o fechamento de fronteiras, a desvalorização competitiva, o colapso da cooperação. O próprio Roosevelt, ao defender as Nações Unidas e um novo sistema monetário, dizia que a reconstrução econômica do pós-guerra deveria ser também uma reconstrução moral: a paz exigia um mundo mais conectado e menos desigual.

O mundo é mais rico porque ele é integrado. Mas não parece ser o bastante. Aos poucos, a arquitetura de confiança que sustentava essa ordem – confiança nas regras, nas instituições, na boa-fé dos pactos – foi se esgarçando. Estamos migrando para um novo equilíbrio. Essa nova ordem não é exatamente um choque exógeno. Não se trata apenas de líderes poderosos impondo vontades a milhões de pessoas por interesses escusos. A emergência desses líderes é, em alguma medida, endógena ao ambiente que os criou. E, enquanto somos de fato um mundo mais rico do que há cem anos, isso não tem sido suficiente para conter o mal-estar e o desejo difuso por mudança, como eleições pelo mundo revelam.

Nós, economistas, continuamos defendendo os ganhos do livre-comércio. Como técnicos, é possível nos mantermos fiéis ao que acreditamos e sabemos ser melhor. O mundo prático não se organiza por eficiência. Ele se organiza por afetos, por símbolos de pertencimento. Quem – e com que vocabulário – vai propor uma nova plataforma política que dialogue com esse mal-estar sem ignorar o que já sabemos e sem ceder à tentação autoritária?

 

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