O Estado de S. Paulo
Cordell Hull repetia que livre-comércio era aliado da estabilidade e tarifas altas alimentavam conflitos
A ordem mundial em que vivemos hoje nasceu, em grande parte, do horror da Segunda Guerra Mundial. Construiu-se, então, um novo arranjo geopolítico que buscava também um novo pacto civilizatório. A criação da ONU, do FMI, do Banco Mundial e do GATT – que mais tarde se tornaria a OMC – veio acompanhada da fundação do Estado de Israel e de uma nova configuração de alianças militares, comerciais e diplomáticas.
Havia, especialmente entre formuladores de
política americana, a crença de que o comércio internacional, combinado a
instituições multilaterais robustas, poderia conter o autoritarismo, promover a
paz e ancorar a democracia liberal. Cordell Hull, então secretário de Estado do
presidente Franklin Roosevelt, repetia que o livre-comércio era aliado da
estabilidade, enquanto tarifas altas alimentavam conflitos. Harry Dexter White,
um dos fundadores intelectuais do FMI e do Banco Mundial, via nas instituições
multilaterais um antídoto à “guerra econômica” – o fechamento de fronteiras, a
desvalorização competitiva, o colapso da cooperação. O próprio Roosevelt, ao
defender as Nações Unidas e um novo sistema monetário, dizia que a reconstrução
econômica do pós-guerra deveria ser também uma reconstrução moral: a paz exigia
um mundo mais conectado e menos desigual.
O mundo é mais rico porque ele é integrado.
Mas não parece ser o bastante. Aos poucos, a arquitetura de confiança que
sustentava essa ordem – confiança nas regras, nas instituições, na boa-fé dos
pactos – foi se esgarçando. Estamos migrando para um novo equilíbrio. Essa nova
ordem não é exatamente um choque exógeno. Não se trata apenas de líderes
poderosos impondo vontades a milhões de pessoas por interesses escusos. A
emergência desses líderes é, em alguma medida, endógena ao ambiente que os
criou. E, enquanto somos de fato um mundo mais rico do que há cem anos, isso
não tem sido suficiente para conter o mal-estar e o desejo difuso por mudança,
como eleições pelo mundo revelam.
Nós, economistas, continuamos defendendo os
ganhos do livre-comércio. Como técnicos, é possível nos mantermos fiéis ao que
acreditamos e sabemos ser melhor. O mundo prático não se organiza por
eficiência. Ele se organiza por afetos, por símbolos de pertencimento. Quem – e
com que vocabulário – vai propor uma nova plataforma política que dialogue com
esse mal-estar sem ignorar o que já sabemos e sem ceder à tentação autoritária?
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