Correio Braziliense
A verdade é que, no momento, estamos vivendo
um excesso de crises. E, nesses momentos, as instituições têm de ser muito
fortes para não serem atingidas
Quando do término da elaboração da
Constituição de 1988, tive a oportunidade de dizer que, embora não fosse
perfeita, tínhamos de concluí-la para que a nossa Carta Maior coroasse a
transição democrática e assegurasse que o país fizesse da melhor maneira a
travessia de um regime autoritário para um regime de liberdade absoluta. Nesse
sentido, era crucial promulgar a Constituição possível.
Assim, ressaltei que a nossa Constituição era híbrida, parlamentarista e presidencialista, o que sem dúvida provocaria no tempo conflitos de competência entre um Poder e outro. E agora estamos assistindo a essas disputas entre o Legislativo e o Executivo, além da recorrente acusação de ativismo judicial contra o Supremo Tribunal Federal (STF), que estaria invadindo a competência do Congresso.
Nessas disputas, a mais séria é o caso das
medidas provisórias. Quando eu fui por oito anos presidente do Senado, tentamos
várias vezes uma solução para que essa legislação não se tornasse rotina, aí,
sim, legislando com amparo na Constituição, mas invadindo costumeiramente o que
seria atribuição de outro Poder.
A verdade é que, no momento, estamos vivendo
um excesso de crises, como dizem os franceses nesses instantes. É crise nos
preços, nos juros, no IOF (esta, um cabo de guerra) e, para não ficar somente
entre nós, vem Trump e impõe uma tarifa para o Brasil de 50% — um problemaço
porque afeta todos os setores produtivos brasileiros complementares da economia
americana. E ainda se enfrenta o grande embaraço de um presidente dos Estados
Unidos que não tem a visão do que o seu país representa para o mundo e não respeita
seus aliados e seus vizinhos. Como se não bastassem as nossas crises, temos que
solucionar mais esta, certamente a maior, que tem conotações políticas e
envolve empresas pessoais americanas, objeto de punição pela alta Corte da
Justiça brasileira, uma vez que essas empresas são impedidas de veicular, no
Brasil, materiais com propaganda de ódio e conteúdo antidemocrático, ambos
proibidos pela legislação brasileira.
É triste sentir e constatar que os
negociadores da crise do IOF não têm alcançado os resultados que eram de se
esperar, pois eles têm autoridade e legitimidade para cuidar dos interesses
nacionais, e não dos de grupos de pressão que atuam nessas ocasiões defendendo
seus interesses — e não os do país.
Invoco mais uma vez meu testemunho sobre a
origem desse inevitável imbróglio. A parte sobre o sistema tributário na
Constituição de 1988 foi um dos textos que me levaram a dizer que o país se
tornaria ingovernável e que a parte relativa ao consumo inovava perigosamente.
A taxa do ICMS nas relações entre os estados era feita pelo Senado Federal. Vem
a Constituição e determina que seja da competência de cada estado da Federação.
O resultado é que temos hoje 27 taxas, cada uma refletindo os interesses de cada
uma das unidades da Federação, que aumentaram significativamente à proporção
que necessitavam de recursos. Isso aumentou muito a carga fiscal. Por outro
lado, também o governo federal ao longo desses 40 anos tem aumentado seus
impostos, enquanto a Câmara aumenta as despesas.
Por que,então, o país não ficou ingovernável?
Porque aumentamos a carga tributária, o equilíbrio orçamentário desapareceu, e
os impostos que recaem sobre o povo ficaram extorsivos. Se não encontrarmos uma
solução para isso, dentro de três anos, aí, sim, vamos enfrentar uma crise
insolúvel. Nesses momentos as instituições têm de ser muito fortes para não
serem atingidas. Lembremos Otávio Mangabeira quando dizia que "a
democracia é uma planta tenra que precisava ser cuidada constantemente".
Não é possível que nossos líderes na Câmara e
no Senado, com nosso competente, experiente e preparadíssimo ministro Fernando
Haddad não encontrem o caminho certo para o entendimento. Lembro-me do discurso
inaugural de Tancredo Neves, que li perante o ministério em 17 de março de
1988. Ele dizia: "É proibido gastar!" (A exclamação é minha). E hoje
podemos acrescentar: "E aumentar impostos!"
Assim, encerro esta exortação pedindo que
abandonemos os discursos de ódio, passemos a considerar a opinião alheia,
evitemos negociar pedindo ao outro lado o que jamais se pode aceitar e passemos
a olhar mais para as responsabilidades que repousam nos ombros de quem exerce
qualquer poder.
O Brasil precisa de paz para continuar a ser
o que sempre foi: um país confiável!
*Ex-presidente da República, escritor e imortal da Academia Brasileira de Letras
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