Para entender melhor o dilema do Banco Central sobre os juros é preciso olhar para a inadimplência e o endividamento. O BC está numa encruzilhada: vê a inflação subir, por um lado, mas, por outro, sabe que desaquecer a economia já fraca pode aumentar o desemprego e, por consequência, os calotes. A terceira opção - a melhor - não depende do Banco Central, mas do Ministério da Fazenda: cortar gastos.
O raio-x do orçamento das famílias mostra endividamento elevado, alto comprometimento da renda com as prestações e nível de calotes em patamar desconfortável. O que tem mantido a economia é o desemprego baixo e o salário mais alto, justamente o que alguns economistas têm sustentado que alimentam a inflação. Os juros baixos são uma forma de o BC proteger o próprio sistema financeiro porque uma freada no PIB elevaria os calotes. Permitir, no entanto, a inflação alta é corroer a capacidade de compra.
Não é trivial o dilema da economia em 2013. Os últimos números disponíveis do BC são de janeiro e mostram que as dívidas correspondem a 44,5% da renda anual das famílias. Essa é uma conta meio controversa porque pressupõe o pagamento de toda a dívida num mesmo ano , mas o débito, na vida real, é em parte dilatado no tempo. Só que é importante atentar para o ritmo de crescimento: em janeiro de 2005, esse mesmo percentual era de 18%. Com uma conta simples, é fácil perceber como cresceu o endividamento. Se uma pessoa ganhava R$ 1 mil por mês em 2005, ela tinha renda no ano de R$ 12 mil e dívida de R$ 2,16 mil. Hoje, com o mesmo salário, a dívida seria de R$ 5,3 mil, quase a metade da renda do ano todo.
Como as dívidas não vencem em 12 meses, é preciso olhar outro indicador, com a fatia do orçamento mensal comprometida com prestações. Esse dado é mais preciso e também mostra aumento. Se em janeiro de 2005 - o primeiro número da série - a renda comprometida era de 15,5%, ou R$ 155 de R$ 1 mil, hoje, é 21,6%, ou R$ 216.
O economista da Serasa Experian Luiz Rabi explica que o aumento dos juros afetaria os calotes de duas formas. Primeiro, as dívidas ficariam mais caras, com efeito imediato para quem está tomando empréstimo via cheque especial e crédito rotativo. Segundo, haveria aumento de desemprego e queda na renda, o que dificultaria o pagamento das prestações. Ele diz que houve uma mudança forte no equilíbrio orçamentário das famílias nos últimos anos, com os estímulos às dívidas:
- É muito difícil fazer a convergência da inflação para 4,5% num curto espaço de tempo porque o BC teria que fazer um sacrifício muito grande de crescimento, que indiretamente afetaria desemprego e inadimplência. Por isso, o BC acha que qualquer índice abaixo do teto é meta cumprida.
Nicola Tingas, economista-chefe da Acrefi, diz que o cenário é mesmo complexo e que a melhor saída seria uma combinação entre alta de juros e corte de gastos. Acha que o crescimento do segundo trimestre é fundamental para destravar os investimentos e que uma alta forte dos juros afetaria a confiança dos empresários:
- Os juros teriam que subir muito para levar a inflação para 4,5%. O melhor seria uma combinação de juros com corte de gastos, com uma escala maior da política fiscal. Há custo para qualquer atitude de se combater a inflação. Mas, por outro lado, se o Banco Central não faz nada, ela sobe, o que não é bom para ninguém.
Ontem, a Serasa divulgou que seu indicador de inadimplência subiu 10,2% em março, sobre o mesmo mês de 2012. Hoje sai o IPCA e as projeções são de estouro do teto da meta de inflação, de 6,5%, na taxa em 12 meses. Será a segunda vez no governo Dilma. O risco de não pagar o preço de levar a inflação para o centro é a inflação se acomodar nesse patamar. Nesse caso, qualquer choque eleva a inflação para níveis perigosos. Ficar com a taxa no centro da meta é ter o conforto de saber que os choques serão cobertos pela faixa de flutuação permitida pelo sistema de metas.
Fonte: O Globo
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