quarta-feira, 13 de agosto de 2025

Votar a anistia é o melhor remédio – Elio Gaspari

O Globo

Depois da muvuca bolsonarista da semana passada, parlamentares ligados ao presidente da Câmara, deputado Hugo Motta, bem como alguns petistas, passaram a defender a votação de um projeto de anistia para os golpistas de 2022/23. Ele já recebeu o número suficiente de assinaturas para tramitar com rapidez. Engavetá-lo equivale a igualá-lo à tática (carnavalesca) da obstrução dos demais trabalhos da Câmara. Seriam formas distintas de interdição dos debates. Uma é legal e a outra, além de ridícula, é ilegal.

Desde a Independência, quase todas as gerações de brasileiros viveram revoltas e 48 anistias. Algumas, como a de 1979, foram pacificadoras. Outras, como a que Juscelino Kubitschek mandou ao Congresso em 1959, perdoando os militares revoltosos de Aragarças, foram simples gambiarras. Cinco anos depois, os anistiados entraram no bloco da deposição de João Goulart, humilharam, cassaram e exilaram JK. Ele morreu em 1976 sem recuperar a plenitude de seus direitos políticos. O major Haroldo Veloso, líder da revolta, voltou à Força Aérea, chegou à patente de brigadeiro e, em 1966, elegeu-se deputado federal pelo partido do governo.

Muito antes, em 1843, o mineiro Bernardo Pereira de Vasconcelos havia combatido o perdão aos revoltosos com um argumento fulminante:

— A anistia ressuscitou os rebeldes.

Fica a pergunta: a anistia aos golpistas de 2022/23 pacifica, como a de 1979, ou ressuscita rebeldes, como a de 1959? Como a História ainda está quente, cada um tem sua opinião, mas conceder ou negar anistia é atribuição do Congresso. Votá-la é o melhor remédio.

Negociações partidárias deverão definir o alcance dessa anistia. Numa ponta, estão os 762 condenados por ter participado da mazorca do 8 de Janeiro. Alguns depredaram bens públicos, outros não. Na outra ponta, estão servidores que articularam um golpe com o objetivo expresso de anular o resultado de uma eleição vencida por Lula. Esses dois grupos confundem-se na reivindicação da anistia, mas têm pouco em comum.

O cidadão que esteve na Praça dos Três Poderes no 8 de Janeiro, sentou-se na cadeira do ministro Alexandre de Moraes e gravou-se dizendo bobagens tomou uma pena de 17 anos de prisão. Ainda não saiu a sentença do general Mário Fernandes, ex-secretário executivo da Secretaria-Geral da Presidência que imprimiu o Plano Punhal Verde e Amarelo para facilitar a leitura, “sem forçar a vista”. Fica combinado assim.

Levar o projeto a voto não significa aprová-lo. A mobilização dos defensores da anistia de hoje nada tem a ver com a campanha de 1979. Aquela foi um movimento popular e ordeiro. Esta inclui saltimbancos renitentes, que buscam a ressurreição da rebeldia condenada por Bernardo.

A postura de alguns defensores da anistia dos golpistas é desafiadora. Perderam a eleição, viram o fracasso do golpe e jogaram-se na desordem do 8 de Janeiro. Perderam em todos os níveis e comportam-se como se tivessem prevalecido. Defendem a anistia com a desenvoltura dos vitoriosos.

Essa postura poderá resultar na aprovação de uma anistia que atenda à infantaria do 8 de Janeiro e exclua, ou estabeleça condições para beneficiar, a turma daquilo que se pode classificar como “estado-maior” do golpismo.

 

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