Valor Econômico
Regras do BPC estimulam a informalidade e desestimulam a contribuição previdenciária
O Brasil é, e provavelmente continuará sendo,
um país em que se poupa pouco. A taxa de poupança de uma nação depende de
fatores como crescimento, estrutura etária, produtividade, propensão a
investir, escolaridade, juros reais, estabilidade da inflação, previsibilidade,
qualidade do sistema financeiro, profundidade do mercado de crédito, solvência
da dívida pública, magnitude das políticas previdenciárias e de proteção
social, incentivos à poupança e aspectos culturais. No Brasil, esses
condicionantes ajudam a explicar por que a taxa de poupança está há anos em
torno de 15% do PIB, abaixo da média dos países da OCDE e insuficiente para
sustentar crescimento superior a 2,0% ao ano por período prolongado.
A enorme concentração de renda tem limitado a poupança no Brasil, pois os mais pobres têm alta propensão a consumir, agravada por baixa educação financeira e pouco acesso a instrumentos que estimulem a poupança. A isso se soma um ambiente volátil, com períodos de elevada inflação, crises cambiais e instabilidade fiscal, que reforça a preferência por ativos de curto prazo e baixo risco.
Outro fator é a crença dominante de que cabe
ao Estado assegurar condições de vida satisfatórias para todos. Não surpreende,
assim, que a Constituição de 1988 tenha consolidado o modelo de Estado
provedor, com um regime previdenciário generoso e um vasto sistema de proteção
social. Benefícios amplos, baixa exigência contributiva e expectativa de
ampliação dos programas sociais reduzem o incentivo à poupança. Ao entender que
cuidar de todos é atribuição do Estado, parte da população não vê razão de
poupar para a velhice ou imprevistos.
A discussão sobre a revisão dos gastos
públicos, em particular com a Previdência Social e os programas sociais, é
muito sensível, pois costuma ser associada à insensibilidade social, sobretudo
num país de baixa escolaridade, expressiva pobreza, péssima distribuição de
renda e tributação regressiva. Assim, propostas de reforma previdenciária,
diminuição de gastos sociais e contenção da folha de pagamentos dos servidores
raramente têm apoio, pois a maioria da população não percebe as limitações das
contas públicas e acredita que basta reduzir a corrupção, cortar privilégios da
elite e aumentar um pouco os impostos sobre os ricos para manter os atuais
benefícios.
Ao entender que cuidar de todos é atribuição
do Estado, parte da população não vê razão de poupar para a velhice
Essa visão é, porém, ilusória. As despesas
previdenciárias - R$ 1 trilhão com 32 milhões de beneficiários em 2025 -
continuam crescendo de forma insustentável. No futuro próximo, será inevitável
elevar o tempo de contribuição e rever a regra de reajuste do benefício mínimo.
Não é viável garantir que todo trabalhador urbano que contribui para a
Previdência receba ao menos um salário mínimo (SM) na aposentadoria, nem
conceder ganhos reais aos aposentados em linha com os ganhos de produtividade
dos trabalhadores na ativa. Tampouco há condições de manter aposentadorias
mínimas de 1 SM para trabalhadores rurais - 7,7 milhões de beneficiários em
2025 - que contribuem menos e por pouco tempo, ainda que enfrentem condições de
trabalho mais severas.
A crença de que cabe ao Estado prover
aposentadorias satisfatórias não se restringe aos mais pobres. A maioria dos
servidores civis e militares que se aposentarão nos próximos muitos anos
acredita que têm direito adquirido de receber aposentadorias ou soldos
integrais, muitas vezes superiores aos de quando na ativa.
Dessa forma, o atual regime previdenciário de
repartição não estimula a poupança. Trabalhadores formais com salários próximos
a 1 SM - maioria dos empregos - não têm incentivo para poupar além da sua
contribuição obrigatória para o RGPS, pois sabem que terão direito a, no
mínimo, 1 SM durante toda a aposentadoria. Seguro-desemprego e abono salarial,
que totalizam quase R$ 90 bilhões em 2025, enfraquecem ainda mais a poupança
precaucional. O serviço público, aposentadorias e pensões integrais, com
benefícios retroativos e gratificações para a elite do funcionalismo, também
desestimulam a poupança.
Os extensivos programas sociais têm efeito
similar na poupança. O Bolsa Família, que atende mais de 20 milhões de famílias
ao custo de R$ 170 bilhões em 2025, o atendimento universal de saúde e a
educação básica gratuita são essenciais para a redução da miséria e da
desigualdade, mas diminuem o incentivo para poupar para a velhice ou para
despesas de saúde e educação.
Outro programa que gera distorções é o
Benefício de Prestação Continuada (BPC), que garante 1 SM para 2,7 milhões de
idosos e 3,7 milhões de pessoas com deficiência, mesmo com insuficiente ou nula
contribuição previdenciária. Com gastos de R$ 125 bilhões em 2025, o BPC também
tem crescido de forma insustentável. Suas regras estimulam a informalidade e
desestimulam a contribuição previdenciária, pois os trabalhadores informais com
renda próxima a 1 SM sabem que terão direito ao BPC aos 65 anos, mesmo sem
contribuir.
Não se trata de negar a importância da
previdência pública ou dos programas sociais. Em um país desigual, essas
iniciativas são essenciais para a redução da pobreza. Todavia, a Previdência
deveria exigir contribuições regulares e pagar benefícios proporcionais às
contribuições. Não faz sentido pagar o mesmo 1 SM para um trabalhador na ativa,
um aposentado após décadas de contribuição previdenciária e um idoso sem
nenhuma contribuição. Programas sociais também deveriam exigir contrapartidas,
como participação em mutirões e cursos de capacitação, bem como frequência
escolar obrigatória.
A reversão do quadro de baixa poupança
exigiria profundo ajuste fiscal, com nova reforma previdenciária, contenção dos
programas sociais e adoção de incentivos à poupança voluntária. Esse, porém, é
um cenário improvável. É difícil imaginar que o governo promova mudanças
expressivas, ainda mais com o presidente defendendo maior intervenção do Estado
na economia e afirmando estar cada vez mais esquerdista e socialista. Como a
maioria da população não precisa poupar para manter o padrão de vida na
velhice, o Brasil seguirá sendo um país de baixa poupança, com todas as
limitações que isso impõe ao crescimento de longo prazo.
P.S.: Este texto é dedicado à Luiza Leite
Teixeira, que inicia seu MBA na University of California, Berkeley. Muito
orgulho!
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