quinta-feira, 14 de agosto de 2025

Soberania e eleição, por Julia Duailibi

O Globo

Não ficar parado é uma coisa. Adotar retórica eleitoral, que não ajuda na negociação com os EUA, é outra

Os americanos fecharam a porta para negociação, mas o Brasil não fez muita questão de tocar a campainha para entrar. Ontem, no lançamento do programa que mitiga os efeitos do tarifaço, Lula criticou Trump, anunciou viagem com 500 empresários para a Índia e o Sudeste Asiático, relatou conversas com líderes da China e da Rússia e disse que procurará França, Alemanha e África do Sul.

— É assim que a gente vai tentar procurar as nossas alternativas para que os Estados Unidos aprendam que democracia, respeito comercial e multilateralismo valem pra nós e devem valer pra eles.

A resposta econômica à agressão americana, por Míriam Leitão

O Globo

O pacote de apoio aos atingidos pelo tarifaço fez o governo reformar o sistema de financiamento à exportação, para chegar à pequena empresa

O difícil equilíbrio que o governo buscou na resposta à crise provocada pelo tarifaço foi adotar medidas que efetivamente ajudassem o exportador afetado, mas que tivessem baixo impacto fiscal. Havia outro desafio que o governo se impôs, o de deixar alguma herança em mudanças estruturais. Para isso, reformou o sistema de financiamento à exportação, tornando-o mais ágil e capaz de chegar às empresas pequenas. Estabeleceu prazos para que o subsídio não se eternize, como sempre acontece.

O fôlego finito da soberania mexe no tabuleiro, por Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Empurrado para uma reação efetiva, governo alinhava apoio de Motta e Alcolumbre com pauta no Congresso e Tarcísio, ante dissenso entre Centrão e bolsonarismo, avança sobre 2026

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda não tinha começado a falar na cerimônia das medidas para conter o impacto do tarifaço sobre exportadores quando uma instituição financeira recebeu o monitoramento do dia sobre sua popularidade que, neste mercado, é batizado, em inglês, de “tracking”.

O resultado confirmava a tendência que começou a ser registrada há uma semana: depois de registrar a melhor taxa do ano com a reação ao tarifaço, seguindo a curva ascendente iniciada pela taxação BBB (bancos, bets e bilionários) e empatando com reprovação, a aprovação de Lula voltou a puxar a boca do jacaré para baixo.

Riscos de mais sanções que podem vir de Trump, por Assis Moreira

Valor Econômico

A parte mais difícil de conversas com o governo americano parece sempre ainda estar por vir

Donald Trump já mostrou que, com ele, tudo é muito incerto e pode mudar para pior. No caso do Brasil, o tarifaço de 50% no acesso de produtos brasileiros nos EUA pode estar longe de representar o fim de sanções vindas de Washington.

Uma das ameaças em andamento é a investigação aberta pelo USTR (agência de representação comercial americana) com base na seção 301, uma arma poderosa que dá a Trump autoridade unilateral para retaliar outros países que considerar que impõem barreiras injustas contra produtos americanos.

Por que o Brasil incomoda?, por Jorge Arbache

Valor Econômico

No novo contexto global, o Brasil deixou de ser um ator discreto. Suas posições passaram a ser não apenas notadas, mas questionadas e, por vezes, combatidas

Num jogo de Fla-Flu, há pouco espaço para a neutralidade, e essa foi, durante muitos anos, a política internacional bem-sucedida perseguida pelo Brasil. Ao longo de décadas, a diplomacia brasileira cultivou uma imagem de mediador confiável, defensor de valores e princípios como o multilateralismo, a defesa dos direitos humanos, a segurança internacional, a não intervenção em assuntos internos de outros países e a proteção do meio ambiente. Essa postura buscava equilibrar relações, mantendo portas abertas com diferentes polos de poder.

O vencendor, por William Waack

O Estado de S. Paulo

Para todos os efeitos, Lula abandonou negociações políticas com os Estados Unidos

Não está claro se Donald Trump quer apenas ajudar Bolsonaro a escapar da cadeia ou derrubar o governo de Lula. Ou se ele acredita que um levaria ao outro. Mas está claro – e as informações de bastidores confirmam – que ele está disposto a escalar as ações contra o Brasil.

Diante dessa inédita crise nas relações centenárias entre os dois países, para todos os efeitos, o presidente brasileiro desistiu de negociar o lado político. Não há caminho possível neste momento para entendimentos “técnicos” (leia-se comércio e tarifas) por conta da questão política, mas Lula acha que nem vale a pena tentar.

Dino assusta mais o Congresso, por Carolina Brígido

O Estado de S. Paulo

Os deputados bolsonaristas que organizaram um motim na Câmara na semana passada protestavam contra Alexandre de Moraes, mas estão preocupados mesmo é com Flávio Dino.

Diante da plateia, os parlamentares se dizem indignados com Moraes na condução dos processos sobre a trama golpista no Supremo Tribunal Federal (STF). Chamam de absurda a prisão de Jair Bolsonaro e lutam pela anistia a quem arquitetou um golpe de Estado.

Além da anistia e do impeachment de Moraes, o grupo abraçou uma terceira causa: o fim do foro privilegiado. A pauta não guarda qualquer relação com os julgamentos sobre o golpe ou com a conduta de Moraes. Eventual alteração na regra do foro não mudaria a vida de quem já foi sentenciado nem de quem está prestes a ser julgado.

Uma bomba fiscal no Supremo, por Felipe Salto

O Estado de S. Paulo

A prioridade do País é reequilibrar as contas públicas, inclusive as previdenciárias, e não turbinar os gastos

O Supremo Tribunal Federal (STF) precisará desarmar uma bomba fiscal até a próxima segunda-feira. Trata-se de garantir a constitucionalidade da aplicação do chamado fator previdenciário nas aposentadorias calculadas sob as regras de transição da Emenda Constitucional n.º 20, de 1998 – a reforma da Previdência do segundo governo do presidente Fernando Henrique Cardoso.

Está em jogo a preservação dos efeitos de uma reforma que deu sobrevida (de longos anos) ao INSS, muito embora o déficit siga sem solução definitiva. Sem aquela reforma, honrar os pagamentos a tantos aposentados e pensionistas teria significado quebrar o País, dados os impactos inevitáveis sobre a dívida pública e a inflação.

O socorro às vítimas do tarifaço, por Celso Ming

O Estado de S. Paulo

Embora inevitável, o pacote de compensação às empresas prejudicadas pelo tarifaço, da ordem de R$ 30 bilhões em crédito e outros benefícios, envolve grande complexidade e sua operação pode produzir distorções.

Iniciativa como esta precisa ser entendida como paliativo. É analgésico contra a dor; não cura braço quebrado. A melhor política contra este tarifaço consiste em negociar tarifas mais baixas, diversificar exportações e tratar de conseguir novos acordos comerciais.

A paulada desferida pelo presidente Donald Trump não atingiu por igual exportadores e fornecedores de exportadores. Mesmo dentro de cada setor, como o de calçados ou de móveis de madeira, o impacto foi assimétrico, de acordo com a dependência de cada qual das exportações para os Estados Unidos. Distribuir compensações exigirá a adoção de critérios também desiguais ou influenciados pelo poder de lobby de cada uma delas.

Steven Levitsky, professor de Harvard: "STF agiu absolutamente certo"

Por Israel Medeiros /Correio Braziliense

Autor consagrado e um dos mais respeitados acadêmicos norte-americanos, ele considera que a atuação da Corte tem sido fundamental para garantir a democracia brasileira

Os Estados Unidos poderiam ter evitado o declínio de sua democracia se tivessem feito com o hoje presidente Donald Trump o que o Brasil fez, ao investigar, processar e indiciar o ex-presidente Jair Bolsonaro por participação em uma trama golpista. Esta é a análise do cientista político Steven Levitsky, autor dos best-sellers Como as Democracias Morrem e Como Salvar a Democracia, que elogiou a firme atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) contra movimentos antidemocráticos no Brasil. Para o professor da Universidade Harvard, as instituições precisam se levantar contra o autoritarismo, pois as democracias "não conseguem se defender sozinhas".

"Acho que o (Supremo) tribunal agiu absolutamente certo ao defender a democracia de forma agressiva. As democracias não conseguem se defender sozinhas. Elas não podem ser defendidas passivamente, a distância", pontuou, em um evento, ontem, do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), em Brasília, ao lado do decano do STF, Gilmar Mendes. Levitsky ressaltou, no entanto, que a Corte também concentra um poder inédito, que a coloca entre as mais poderosas do mundo e abre a possibilidade de críticas sobre os limites de sua atuação.

Inimigos internos da democracia, por Maria Hermínia Tavares

Folha de S. Paulo

Ninguém pode prever se a democracia sobreviverá ao assédio de Trump

Às vésperas de completar nove meses na Casa Branca, impressiona o quanto Donald Trump foi capaz de destruir ou mutilar em tão pouco tempo e com tanta facilidade. A lista completa dos seus malfeitos tomaria todo o espaço desta coluna. Ele promoveu cortes profundos no Orçamento —mais de 22% nos gastos não militares—, passando a tesoura nos dispêndios com educação, saúde, habitação, assistência alimentar e programas sociais, dando prioridade à defesa e à segurança.

Atacou as melhores universidades, exigindo o fim de iniciativas de diversidade e inclusão, aumentando a supervisão federal e as restrições a estudantes estrangeiros; condicionou a ajuda a alinhamento ideológico; esvaziou o apoio federal à pesquisa. Espalhou o pânico entre os imigrantes legais ou sem documentação em ordem; endureceu as regras e criou restrições ao asilo; promoveu deportações a esmo e alongou o muro na fronteira com o México. Deu marcha-à-ré nas políticas ambientais da gestão Biden; tirou os EUA do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas; enfraqueceu o auxílio à produção de carros elétricos e às fazendas eólicas, enquanto dava força à indústria de combustíveis fósseis.

Pacote contra tarifaço fica sob medida, por Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Despesa fiscal extra é pequena; ameaça é parlamentares inventarem favores amplos

Como era previsível, Luiz Inácio Lula da Silva mandou tirar das contas fiscais o gasto com o pacote de ajuda às empresas afetadas pelo tarifaço Trump-Bolsonaro. Sim, melhor seria ter contas arrumadas e arcabouço fiscal melhor. Mas, francamente, o dinheiro mal vale a discussão, que é outra.

O desembolso direto do governo vai ser limitado, em tese, a R$ 9,5 bilhões até o final de 2026. Em uma conta no guardanapo, o equivalente a 0,05% do PIB em 2025 e de 0,02% do PIB em 2026. É meio nada, ainda menos se o socorro puder conter problemas socioeconômicos sérios, ainda que setoriais.

Custo da imprevidência, por Adriana Fernandes

Folha de S. Paulo

Pacote confirma que Lula prefere usar folga para pagar despesas ordinárias do que fazer frente às surpresas

O governo acerta ao lançar um pacote para socorrer as empresas que acumulam prejuízos com o tarifaço de 50%. Não havia saída para o presidente Lula nessa emergência de pressão total de Donald Trump contra o Brasil.

No curto prazo, as empresas pediam crédito subsidiado e também adiamento de impostos. Conseguiram essa ajuda e, de quebra, a ampliação do Reintegra, benefício que prevê o ressarcimento de parte dos tributos para empresas que exportam manufaturados. A oposição bolsonarista, que critica as medidas, não teria feito muito diferente neste primeiro momento diante do tamanho do problema e da diversidade das empresas.

Pela liberdade de expressão pedófila, por Conrado Hübner Mendes

Folha de S. Paulo

Big techs têm lado no combate ao abuso sexual de crianças

Dias atrás, uma dessas viralizações extraordinárias dominou a internet brasileira. Dessa vez o vídeo não serviu para desinformar e disseminar ódio e medo. Fez denúncia inteligente e objetiva do mais alto interesse público —a proteção da infância.

Felca, o produtor do vídeo, dissecou mecanismos formadores de comunidades pedófilas nas redes. Veicular a adultização, sexualização e exploração de crianças é prática rentável para empresas como Instagram, TikTokYouTubeFacebook ou Telegram. E facilitada por seus algoritmos.

Assim como supremacistas brancos usam "apitos de cachorro", códigos cifrados para comunicação de grupo, pedófilos usam apitos da mamadeira de piroca. A palavra "trade" na seção de comentários é um deles. Quando escrevem "trade", pedófilos comunicam intenção de comerciar imagem íntima de criança, relaxar e gozar. Big techs têm capacidade de coibir, mas deixam rolar.

PL 2.628/2022 protege crianças nas redes, por Thiago Amparo

Folha de S. Paulo

Precisamos de um arcabouço de regras para que o crime nas redes não compense

Adultização, esse é o termo utilizado pelo influenciador Felca no vídeo viral em que faz um alerta didático contra a exploração de crianças e adolescentes nas redes.

O vídeo é eficaz não só por seu formato —o que ensina muito o poder público e o terceiro setor sobre estratégias capazes de alcançar dezenas de milhões de visualizações. Ele é igualmente eficaz porque tem alvo certo: produtores de conteúdo que exploram crianças e adolescentes nas redes sociais e plataformas que lucram com esse tipo de vídeo.

'Sim, ele é um f.d.p., mas é o nosso f.d.p.', por Ruy Castro

Folha de S. Paulo

Trump e Bolsonaro devem se lembrar dessa famosa frase quando pensam um no outro

Uma frase atribuída ao presidente americano Franklin Roosevelt nos anos 1940 sobre o ditador nicaraguense Anastasio Somoza tornou-se um clássico da realpolitik: "Claro, ele é um f.d.p. Mas é o nosso f.d.p.". Ela resume o apoio dos EUA a ditadores estrangeiros, no poder à custa de fraudar eleições, calar a Justiça, prender, torturar e matar opositores e violar direitos humanos em nome da "liberdade". Sim, a ex-URSS e seus satélites também praticavam esses crimes, de que eram com justiça acusados pelo bloco democrático. Mas este fazia vista grossa à legião de iguais fs.d.p. acobertados pelos presidentes americanos. Exemplos.

Sobre o conhecimento, por Ivan Alves Filho

LeRoi Gourhan, o maior arqueólogo europeu de todos os tempos, e até aqui insubstituível, não era arqueólogo de formação – começou a vida como simples marinheiro. Foi um homem da Resistência contra o ocupante nazista da sua terra, vivendo como poucos os dramas do seu tempo. Publicou ao menos três obras que marcariam a cultura internacional, a saber: O homem e a matériaMeio e técnicas e o Gesto e a palavra. Os títulos dos livros, por si só, já indicam sua importância fundamental. Estudou em particular o papel desempenhado pelas mãos no desenvolvimento do cérebro humano, comprovando o valor do trabalho no processo de humanização.

Por seu turno, o maior antropólogo europeu de sua época, o sempre reverenciado Claude Lévi-Strauss, estudou Filosofia na juventude e militou durante anos a fio em uma organização política que se inspirava no ideário marxista, chegando a ser secretário-geral da Juventude Socialista. E começou a vida escrevendo para jornais e revistas. Sua obra Tristes Trópicos, publicada em meados do século passado, se alinha entre as reflexões mais importantes do século XX. Foi o grande responsável, na Europa, pelo reconhecimento das culturas indígenas das Américas.

Historicidade da filosofia da práxis, por Antonio Gramsci*

Que a filosofia da práxis conceba a si mesma de um modo historicista, isto é, como uma fase transitória do pensamento filosófico, esta concepção, além de estar implícita em todo o seu sistema, resulta explicitamente da conhecida tese segundo a qual o desenvolvimento histórico se caracterizara, em determinado ponto, pela passagem do reino da necessidade ao reino da liberdade. Todas as filosofias (os sistemas filosóficos) que existiram até hoje foram a manifestação das intimas contradições que dilaceraram a sociedade. Mas cada sistema filosófico, tomado em si mesmo, não foi a expressão consciente destas contradições, já que tal expressão só poderia ser dada pelo conjunto dos sistemas em luta entre si. Todo filosofo está e não pode deixar de estar convencido de que expressa a unidade do espirito humano, isto é, a unidade da história e da natureza; de fato, se tal convicção não existisse, os homens não atuariam, não criariam uma nova história, isto é, as filosofias não poderiam transformar-se em “ideologias”, não poderiam assumir na prática a granítica e fanática solidez daquelas “crenças populares” que tem a mesma energia das “forças materiais”.

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

É urgente combater exposição infantil nas redes sociais

O Globo

Vídeo revelando perversidade dos algoritmos é prova eloquente da necessidade de regular plataformas

O vídeo viral sobre a exposição de crianças em redes sociais publicado pelo humorista Felipe Bressanim Pereira, o Felca, tem o mérito de pautar uma discussão oportuna sobre crimes como exploração de menores e pedofilia. É um debate que foi assumido pelo Congresso Nacional — e que o país não pode mais adiar, sob pena de comprometer seu futuro. Felca obteve raro consenso entre representantes de direita, centro e esquerda na busca de respostas a essa ignomínia.

No vídeo, cuja repercussão extrapolou as plataformas digitais, Felca relata casos de exploração de crianças e adolescentes por meio de sexualização precoce, situações constrangedoras, vexatórias, como pornografia, danças erotizadas e uso de trajes sumários, muitas vezes promovidos por influenciadores digitais com objetivos meramente pecuniários. Ele mostra como os algoritmos das plataformas digitais, num mecanismo perverso, disseminam rapidamente as imagens, não raramente capturadas por redes de pedofilia. Concretamente, cita o caso de um influenciador investigado pelo Ministério Público por exploração de menores em postagens. Para se referir à absurda exposição infantil em comportamentos típicos de adultos, Felca cunhou o neologismo “adultização”.

Poesia | Oropa, França e Bahia, de Ascenso Ferreira

Música | Chico Buarque e Mônica Salmaso | Sem fantasia | Show que tal um samba?