- Valor Econômico
Sem uma testagem em massa, a política mais sensata parece ser entrar em lockdown a partir de junho
A pandemia está tendo impactos muito grandes, não somente no número de mortos, mas também econômicos e sociais. Para evitar a disseminação descontrolada da pandemia o governo do Estado de São Paulo tomou medidas de distanciamento social, que têm efeitos colaterais econômicos significativos. A pressão pelo fim do distanciamento é forte. Mas, qual seria o efeito do fim do distanciamento sobre o número de mortes no Estado de São Paulo? Será que, na verdade, deveríamos ir na direção contrária e adotar um lockdown?
Para responder a essas questões nós simulamos uma versão ampliada de um modelo bastante utilizado por epidemiologistas em todo o mundo, calibrando os parâmetros para a população do Estado de São Paulo1. Esse modelo é chamado de “SEIR” (suscetible, exposed, infectious and recovered) e a versão que simulamos permite taxas de infecção diferentes entre jovens e adultos e utiliza matrizes de contato entre as pessoas para simular os efeitos de políticas de distanciamento social2.
Antes de passarmos aos resultados, é importante atentar para as limitações do modelo que estamos utilizando. Em primeiro lugar, os modelos SEIR dependem de parâmetros que ainda não conhecemos com certeza. Um dos parâmetros mais importantes é o R0, a taxa de reprodução básica, que depende do número de pessoas para as quais uma pessoa infectada transmite o vírus no início da epidemia e de quantos dias ela permanece infectada. Nas simulações estamos usando um R0 igual a 3, mas as projeções variam bastante se mudarmos esse parâmetro.
Além disso, o modelo somente prevê o número de pessoas infectadas por dia. Para calcularmos o número de mortos, utilizamos as taxas de mortalidade devido ao Covid por faixa etária de uma pesquisa recente, que vão de 0% para as crianças até 18% para aqueles com mais de 80 anos. Para simular a necessidade de leitos de UTI, também usamos os números desse artigo. O modelo também não leva em conta o uso de máscaras, que pode diminuir o contágio mesmo sem o distanciamento.
Para simular os efeitos das medidas de distanciamento social nós alteramos os números da matriz de contatos entre as pessoas. Por exemplo, antes da pandemia, um brasileiro na faixa de 15 a 19 anos encontrava-se em média com 6 pessoas em casa por dia, com 10 pessoas na escola, 3 no trabalho e com 10 em outros lugares da cidade. Para simular os efeitos da quarentena, vamos supor que esses contatos diminuem para 50% desse total durante o período distanciamento social e para 30% durante o lockdown (mantendo-se apenas os serviços essenciais). Supomos também que os contatos dentro de casa aumentam 10% durante o distanciamento. Com esse modelo podemos simular também os efeitos de liberar apenas as escolas, mantendo o distanciamento no trabalho e vice-versa.
A tabela ao lado mostra os resultados das simulações em termos do número de mortes que ocorreriam em cada mês nos diferentes cenários. Sem as medidas de distanciamento, atingiríamos 52.000 mortes em São Paulo até o final de maio. A imunidade de rebanho, necessária para começar a diminuir a taxa de infectados naturalmente mesmo sem a vacina, seria atingida em junho com 136.000 mortos no cenário mais provável, sem levar em conta os que morreriam por não terem sido atendidos em UTIs.
As simulações indicam que o número real de infectados deverá atingir 1 milhão de pessoas ao final de maio, mesmo com a atual política de distanciamento. Se o distanciamento persistir até o final de junho somente, teríamos 5.500 mortes adicionais em junho e 22.000 em julho. Além disso, precisaríamos de mais 1.000 leitos em UTI em junho e 7.000 em julho para evitar mais mortes. Vale notar que há cerca de 5.000 leitos UTI no Estado de São Paulo e que já estamos operando com mais de 80% da capacidade atual, ou seja, temos apenas cerca de 1.000 leitos disponíveis. Se o distanciamento persistir até o final de agosto, teremos cerca de 10.700 mortes em julho e necessitaremos de 2.000 leitos adicionais. Mas, se fizéssemos um lockdown em junho e julho, teríamos cerca de 4.000 mortes em junho e outras tantas em julho e precisaríamos de 700 vagas adicionais de UTI em cada um desses meses.
Vale notar que nesses modelos grande parte da população será infectada em qualquer um dos cenários até que se atinja a imunidade de rebanho, de forma que o principal efeito do distanciamento é adiar o mês em que isso ocorrerá. Mas o número total de infectados será sempre menor no cenário com distanciamento prolongado, pois ele evita que o número de infectados continue a aumentar depois de atingida a imunidade de rebanho. Assim, as vantagens de mantermos o distanciamento são: permitir que haja vagas em hospitais para atender aqueles que precisam (“achatamento”), diminuir o total de mortos e ganhar tempo até o surgimento de uma vacina. Mas os custos econômicos também são muito elevados.
O que fazer diante desses cenários? Por maiores que sejam os custos econômicos e sociais do distanciamento, uma saída precoce do distanciamento implicaria condenar à morte uma parcela substancial de paulistas, especialmente os idosos. Uma alternativa menos custosa seria testar grande parte da população e manter somente os infectados em isolamento. Enquanto isso não ocorre, a política mais sensata parece ser entrar em lockdown a partir de junho. Os custos sociais poderão ser atenuados através da manutenção do programa de renda básica emergencial até o fim do lockdown, para evitarmos uma tragédia social.
Entretanto, o modelo sugere que toda vez que o lockdown for relaxado o número de infectados voltará a aumentar rapidamente. Será necessário então fazer lockdowns temporários, para que possamos ir atendendo os doentes graves nas UTIs existentes, até descobrirmos uma vacina ou conseguirmos testar a população paulista em massa.
1 “Simulando os Efeitos de Políticas de Distanciamento Social em São Paulo usando um modelo SEIR” por Bruno Komatsu e Naercio Menezes Filho
2 “The effect of control strategies to reduce social mixing on outcomes of the COVID-19 epidemic in Wuhan, China: a modelling study” por Prem et al (2020).
*Naercio Menezes Filho, professor titular da Cátedra Ruth Cardoso no Insper, professor associado da FEA-USP e membro da Academia Brasileira de Ciências
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