Câmara deve dar prioridade ao PL das Fake News
O Globo
Eventuais mudanças não podem servir de
empecilho à aprovação da legislação para proteger democracia
O 8 de Janeiro criou no Congresso Nacional
um ambiente favorável à aprovação de leis para combater a desinformação. A
corrida eleitoral contaminada pela manipulação digital e os atentados contra a
democracia revelaram o tamanho do erro cometido pela Câmara no ano passado ao
deixar em segundo plano o Projeto de Lei 2.630, conhecido como PL das Fake
News.
Aprovado no Senado em 2020, ele sofreu modificações na Câmara e chegou a um formato satisfatório. Obriga as plataformas digitais a manter regras transparentes de moderação, com critérios objetivos e direito de defesa para a retirada de conteúdos do ar, além da publicação de relatórios periódicos. Prevê medidas contra robôs e comportamento tido como “inautêntico”. Determina regras razoáveis para contas de funcionários públicos e autoridades, além de estabelecer que as plataformas remunerem as empresas jornalísticas pelo uso de conteúdo. Se já tivessem sido implementadas, essas mudanças teriam contribuído para criar um ambiente de circulação mais saudável para a informação.
Além de deter a tramitação do projeto, as
plataformas digitais contribuíram para desfigurá-lo. A versão aprovada no
Senado previa rastreabilidade de conteúdos virais em aplicativos de mensagens
para chegar aos responsáveis pela desinformação. O dispositivo sumiu da última
versão do texto discutido na Câmara e, no lugar dele, entrou um outro artigo
eximindo as redes sociais de moderar conteúdo de políticos eleitos (os maiores
propagadores de desinformação). Nem essas concessões bastaram para levar o
projeto adiante — e ele estacionou.
No mês passado, o lançamento de um recurso
que permite enviar mensagens a até 5 mil usuários do WhatsApp deu novos
contornos à discussão sobre o PL das Fake News. Como disse o relator, deputado
Orlando Silva (PCdoB-SP), quando o aplicativo deixa de ser ferramenta de troca
de mensagens pessoais para tornar-se um meio de comunicação em massa, é preciso
haver regras para punir a disseminação de conteúdos ilegais. O ministro da
Justiça, Flávio Dino, está empenhado em obrigar as plataformas a impedir a
circulação de conteúdos que pregam a violação do Estado Democrático de Direito.
Não deve haver obstáculo aos
aperfeiçoamentos no texto do PL das Fake News, a começar pela necessidade de
restabelecer a possibilidade de rastreamento dos conteúdos virais. Também não
há motivo para manter o trecho que protege os parlamentares. Eles já desfrutam
imunidade definida em lei para suas ideias e discursos e não podem transformar
seus gabinetes em fábricas de teorias conspiratórias. Por fim, parece evidente
que mensagens estimulando e fomentando o golpismo não devem ser toleradas. A
União Europeia dispõe da legislação mais moderna e arrojada sobre o assunto,
que deveria servir de inspiração ao Brasil.
Mas as eventuais mudanças não podem, mais
uma vez, servir de empecilho à aprovação do PL. Os parlamentares precisam ter
senso de urgência e tomar as medidas necessárias para proteger a democracia
brasileira. As plataformas digitais deram repetidas provas de ser incapazes de
se autorregular. O resultado até agora tem sido apenas a autocomplacência, de
consequências trágicas como o 8 de Janeiro.
Guerra completa um ano na Ucrânia sem
perspectiva de desfecho à vista
O Globo
Belicismo é palpável nos atos e palavras
não apenas de Putin, mas também de Biden e Zelensky
Às vésperas do aniversário da guerra na
Ucrânia, o conflito está distante do fim. A visita surpresa de Joe Biden a Kiev
e seus pronunciamentos nesta semana em Varsóvia transmitiram um sinal eloquente
de que os Estados Unidos não recuarão em seu apoio aos ucranianos. Ao mesmo
tempo, Vladimir Putin suspendeu o último acordo nuclear que a Rússia ainda
mantinha com os americanos, espécie de ameaça velada de que nada descarta para
alcançar seus objetivos.
Depois de viajar escondido para encontrar o
ucraniano Volodymyr Zelensky, Biden repetiu acusações de que a Rússia cometeu
crimes contra a humanidade e se comprometeu a enviar mais US$ 460 milhões para
defesa da Ucrânia. Os Estados Unidos e seus aliados da Organização do Tratado
do Atlântico Norte (Otan) começaram a despachar para Kiev tanques sofisticados,
na expectativa de um confronto decisivo na primavera no Hemisfério Norte.
Zelensky tem esperança de recuperar o território tomado pelos russos, enquanto
Putin quer consolidar o domínio na Crimeia e no leste ucraniano. Tudo isso
prolongará o conflito.
Nenhum dos dois lados está disposto a
ceder, nem a reconhecer os erros cometidos até agora. Do lado russo, o
principal foi a agressão gratuita e desastrada. Putin acreditava poder dominar
o território ucraniano em pouco tempo e se viu enredado num atoleiro que
consome recursos políticos e econômicos, além de ter contribuído para unir
contra si os aliados da Otan e de ter afastado a neutralidade estratégica de
Suécia e Finlândia. Mesmo que a aproximação da China lhe traga alguma vantagem
no curto prazo, a esta altura não há dúvida de que a Rússia sairá menos
poderosa da guerra do que entrou.
Isso não significa que Biden ou o Ocidente
possam cantar vitória. A aposta na estratégia de não sujar as mãos e a crença
no poder de dissuasão das sanções se revelaram uma quimera. A Europa até
aprendeu a viver sem o gás russo. Mas a Rússia sobreviveu com poucos danos
econômicos, graças ao apoio chinês e à divergência entre os interesses da Otan
e os de outros países que continuam a comerciar com ela (caso do Brasil). Nas
palavras de Stephen Walt, catedrático de Relações Internacionais da
Universidade Harvard, Putin entendeu que “o destino da Ucrânia era mais
importante para a Rússia que para o Ocidente”. É dessa assimetria que ele tenta
tirar proveito, acreditando que o adversário desistirá primeiro.
Com sua estratégia competente de propaganda, Zelensky virou um rosto popular no Ocidente, numa tentativa de reforçar uma aliança hoje mais fundamental para seu país que para os ocidentais. O apoio militar e logístico que os americanos lhe têm dado é necessário. Mas mantém viva entre os ucranianos a esperança de recuperar todo o território perdido em vez de levar a algum tipo de negociação ou cessar-fogo. É certo que o Ocidente não pode ceder espaço na Ucrânia às ambições imperiais russas. Mas, quanto mais cedo a guerra acabar, melhor. Não é, porém, um cenário tangível diante dos atos e palavras não apenas de Putin, mas também de Biden e Zelensky.
Desafio para o MEC
Folha de S. Paulo
Reforma do ensino médio enfrenta
dificuldades que exigem diálogo e coordenação
Ninguém deveria imaginar que a
implementação do novo modelo de ensino médio seria fácil. A reforma, sancionada
em 2017, é ambiciosa e exige mudanças e adaptações em vários níveis. Ademais, o
país se viu atropelado por dois cataclismos, a pandemia e o desgoverno do
Ministério da Educação sob Jair Bolsonaro (PL).
No papel, o projeto é bom. Ele
fundamentalmente amplia a carga horária dessa etapa de ensino, que passa de
2.400 horas-aula para 3.000 nas três séries, e dá mais liberdade para o aluno
elaborar seu próprio currículo, de acordo com suas preferências e aptidões.
A ampliação da jornada constitui antiga
recomendação de especialistas. Já a oportunidade de personalizar a grade
curricular é vista como um possível remédio contra um dos
maiores males que assolam essa fase do ensino: o abandono por falta de
interesse.
O principal obstáculo à reforma, desde
sempre antevisto, estava na carência de recursos, físicos e humanos, em
especial na rede pública. Maior carga horária e mais opções para os alunos
requerem mais salas de aula e mais professores especializados, o que não está
ao alcance de todas as escolas.
Por isso a legislação previu um cronograma
gradual para a implementação das mudanças, que iria estender-se até 2024.
Vale lembrar, ainda, que a reforma veio num
contexto em que as redes já enfrentavam dificuldades para contratar docentes.
Os salários não são atrativos e o cargo já não traz o prestígio social de
outrora. Assim, na prática, muitas escolas oferecem ao corpo discente
itinerários limitados, que é o contrário do objetivo do novo modelo.
Sob Bolsonaro, o Ministério da Educação
praticamente saiu de cena, quando deveria desenvolver soluções para os
problemas e repassá-las às redes de ensino. Com a pandemia, prioridades foram
readequadas, com a adaptação ao ensino remoto no topo da lista —ainda que o
desempenho nesse quesito não tenha sido dos melhores.
Outros desafios ficaram patentes. Um
particularmente grave é o dos alunos que precisam trabalhar. O
aumento da carga horária desconsiderou esse público, e não é aceitável que a
necessidade de complementar a renda da família se torne um empecilho à
educação.
Entretanto não é o caso de revogar a
reforma, como apressadamente já defendem algumas organizações estudantis.
O que se espera agora, com o MEC de volta à
ação, é que o órgão exerça sua função de coordenação, ao elaborar estratégias
que facilitem a implementação do novo ensino médio em todo o país e oferecer
respostas satisfatórias para os problemas que já surgiram e aqueles que ainda
estão por vir.
Fantasmas no Congresso
Folha de S. Paulo
Parlamentares se dão de presente verbas
imorais diante da realidade do país
Deputados e senadores deveriam ser os
maiores interessados em ver a imagem dos políticos melhorar no país, mas, em
vez de se aplicarem para receber aplausos da população, eles parecem se
esforçar para piorar sua situação diante dos olhos da sociedade.
Não se trata somente de seus salários,
generosos no contexto da realidade orçamentária nacional: são R$ 39,3 mil
mensais, que em abril
passarão a R$ 41,7 mil e chegarão a R$ 46,4 mil em 2025.
Tampouco se trata apenas das inúmeras
outras verbas a que têm direito. Deputados, por exemplo, recebem R$ 8.400 de
auxílio-moradia, além de R$ 45 mil, em média, para reembolsar despesas com
passagens aéreas, combustível, hospedagem e alimentação, entre outras.
Insatisfeitos com tantos mimos e mordomias,
os parlamentares ainda se consideram em posição de angariar um salário extra no
começo e no final de seus mandatos.
Neste ano, as duas Casas do Legislativo
transferiram 1.080 dessas cotas, relativas a 513 deputados e 27 senadores
eleitos, além de 513 deputados e 27 senadores em fim de mandato. Somados,
esses regalos montam a mais de R$ 42 milhões.
Tamanha gastança transcorre sem nenhuma
explicação digna desse nome. Como se não precisassem justificar de forma
adequada o destino dado aos impostos do contribuinte, os parlamentares se
agarram a um óbvio ilusionismo.
Dizem que a verba que cai nas suas contas
representa uma ajuda de custo para que se mudem de seus estados para Brasília,
quando são eleitos, e da capital federal de volta para casa, quando encerram
seu trabalho representativo.
Supondo que fosse verdade, seria o caso de
perguntar por que o valor equivale a um salário extra, visto que nem todas as
mudanças têm o mesmo orçamento. E seria o caso de questionar que mudança é
essa, dado que muitos parlamentares não residem em Brasília e todos recebem reembolso
de passagem aérea e hospedagem.
A fantasmagoria, que já era evidente,
revela-se por inteiro quando se dá conta de que até parlamentares reeleitos têm
o privilégio da verba extra, embora não estejam se mudando para lugar nenhum.
Pior: a mamata cai nos seus bolsos duas vezes, uma pelo mandato que termina,
outra pelo que começa.
Diante dessa desfaçatez, parlamentares devem saber que só há uma atitude a tomar: recusar o dinheiro e derrubar a lei que legitima esse absurdo.
Nova tragédia, novas soluções
O Estado de S. Paulo.
Extremos climáticos são novo normal. Mortes
evitáveis causam indignação.
Na catástrofe do litoral norte paulista que
deixou dezenas de mortos e desaparecidos e mais de mil desalojados, a única
coisa mais assustadora que a intensidade dos temporais é a previsibilidade da
tragédia.
O volume das chuvas foi sem precedentes. Em
São Sebastião, por exemplo, o acumulado chegou a 682 mm, um recorde nacional.
Os ambientalistas alertam que esse será o novo normal: extremos climáticos cada
vez mais frequentes.
Essa intensidade pode ter ampliado o
tamanho do desastre. Mas hoje, como há décadas, a esmagadora maioria das
mortes, se não sua totalidade, seria evitável, não fosse a tempestade perfeita
formada pela confluência de uma vulnerabilidade social crônica com a
negligência do poder público.
Todos sabem a época e o local desses
desastres. Um estudo da Fundação João Pinheiro sobre áreas de risco, por
exemplo, identificou 821 municípios prioritários, que representam 94% das
mortes e 88% das pessoas afetadas. Desses, 286 concentram 89% das mortes e 58%
das pessoas afetadas. É esse “velho normal” o que mais choca e revolta. Choca
porque as soluções podem ser custosas, complexas e demoradas, mas são
conhecidas; revolta porque são persistentemente negligenciadas.
Os sistemas meteorológicos são cada vez
mais apurados. Mas a comunicação pública não foi capaz de reduzir o fluxo
massivo de turistas que desceram para o litoral. Mais importante: em São Paulo,
como em outras localidades impactadas pelas chuvas sazonais, não há um sistema
minimamente eficaz de evacuação das áreas de risco.
A causa decisiva dessas tragédias não é a
chuva, são a moradia inadequada e a ocupação irregular. O desmate das encostas
para ocupá-las com construções amplia exponencialmente os riscos de deslizamentos.
O asfaltamento desordenado das planícies impermeabiliza o solo e amplia os
riscos de inundações. Desde 1985, a área urbanizada em São Sebastião, por
exemplo, cresceu 345%; em Caraguatatuba, 348%; em Ubatuba, 419%; e em Ilhabela,
6.400%. Casas de alto padrão podem até resistir às enxurradas, mas as moradias
pobres estão expostas à mais completa devastação.
Não há soluções mágicas. De imediato, é
preciso obliterar a ampliação de ocupações irregulares. Para isso, basta
aplicar a lei. Para os assentamentos já estabelecidos, é preciso investir em
regularização imobiliária e infraestrutura. No caso das áreas de alto risco,
além das evacuações emergenciais, só resta o remédio amargo, mas incontornável,
do deslocamento dos moradores para localidades seguras.
Não haverá solução definitiva sem uma
reforma urbana nacional que garanta condições de uma ocupação responsável e
moradia digna para os mais vulneráveis. Ela não será consumada do dia para a
noite, mas iniciá-la é urgente.
Enquanto isso, não se pode tolerar o
descaso com o sistema de defesa civil. Enquanto os extremos climáticos se
intensificavam, o Orçamento federal para prevenção e recuperação de desastres
encolhia. A dotação, que em 2013 chegou a R$ 11,5 bilhões, se contraiu neste
ano para R$ 1,17 bilhão, a menor em 14 anos. Some-se a isso a crônica
incapacidade técnica dos municípios para estruturar projetos de defesa civil.
Não se trata de culpar esse ou aquele
governo. Todos, em todas as esferas federativas, têm sido, em maior ou menor
grau, coniventes. Na cadeia de responsabilidades, ninguém é inocente: a
imprensa, a sociedade civil, a população em geral, todos nós somos, em algum
grau, acometidos pelo que o bispo d. Gregório Paixão diagnosticou como a
“síndrome do céu azul”: “Depois que a chuva, a catástrofe passa, depois de
alguns meses (...) a vida volta mais ou menos à normalidade, e as coisas muitas
vezes são esquecidas”.
Tragédias, por definição, são
surpreendentes. É assim com terremotos, tsunamis, erupções vulcânicas.
Tragédias “anunciadas” são, a rigor, um oximoro, mas o Brasil convive há
décadas com elas, como se as mortes por deslizamentos, enchentes e inundações
estivessem inscritas num calendário anual de desastres. O morticínio no litoral
norte não resultou de uma fatalidade, mas de uma calamidade social, política e
cultural.
Cenário adverso também para empresas
O Estado de S. Paulo.
Número de recuperações judiciais e
falências é consequência de inflação elevada, juros altos e inadimplência
recorde na economia real. Momento exige mais responsabilidade do governo
A conta da covid-19 começou a chegar para
as empresas. Passados três anos desde o início do surto que vitimou quase 700
mil pessoas no País, as restrições econômicas impostas pela pandemia atingiram
em cheio companhias de todos os portes e dos mais diversos setores. Dados
reunidos pela Serasa Experian e publicados pelo Estadão revelam um cenário
preocupante. No mês passado, 92 empresas entraram com pedido de recuperação
judicial – mais que as 67 de janeiro de 2022 e as 49 de janeiro de 2021. As
falências tiveram 72 requerimentos no mês passado, ante 46 em janeiro de 2022 e
40 em janeiro de 2021.
O caso mais significativo é o das
Americanas, palco de uma das maiores fraudes contábeis da história, mas não se
resume a ele. Consultorias que atuam na área preveem uma explosão de pedidos de
recuperação judicial e falências no primeiro quadrimestre. Ricardo
Knoepfelmacher, sócio da RK Partners, disse ao Estadão que seu escritório –
responsável pelas principais reestruturações de empresas no País – recebeu um
volume de consultas 300% maior nos últimos meses. Para ele, não há dúvida: é o
início de uma onda de empresas médias e grandes “pedindo água”.
Pode parecer paradoxal que os negócios
tenham conseguido sobreviver ao período mais intenso da pandemia, em 2020,
quando medidas de isolamento social eram a única forma de impedir que o vírus
circulasse. Mas, para muitos deles, isso só foi possível em razão de
circunstâncias muito específicas de uma época em que havia boa liquidez e baixas
taxas de juros, o que permitiu o lançamento de linhas de crédito especiais pelo
governo e até mesmo iniciativas próprias para rolar as dívidas de clientes por
parte dos bancos.
Se à época esses empréstimos tiveram
relevância fundamental para impedir demissões em massa, recompor capital de
giro e limitar falências e recuperações judiciais, hoje as dívidas têm sido
renegociadas em um cenário muito mais adverso e desafiador. Com a taxa básica
de juros no maior nível desde 2017, em 13,75% ao ano, o crédito ficou mais caro
e escasso, e os bancos estão mais exigentes no processo de aprovação de
financiamentos. Como esperado, essas dificuldades têm atingido micro e pequenas
empresas, mas não apenas elas. Das 92 empresas que entraram em recuperação
judicial no mês passado, 15 eram de grande porte.
Trata-se do resultado de uma conjuntura bem
mais ampla, fruto de uma inflação muito elevada por causas externas e internas
– a desorganização das cadeias produtivas após o período crítico da pandemia,
as consequências da guerra na Ucrânia no preço do petróleo e a gastança que o
governo promoveu na tentativa de reeleger Jair Bolsonaro. A alta dos preços
exigiu um aumento dos juros, o que levou o endividamento e inadimplência das
pessoas físicas a níveis recordes ao longo do ano passado.
Com um orçamento mais apertado, as famílias
passaram a adotar um comportamento mais cauteloso e a conter o consumo, o que
atingiu em cheio os negócios das pessoas jurídicas. No fim do ano passado, o
número de empresas inadimplentes atingiu o recorde histórico de 6,4 milhões.
Como explicou Luiz Rabi, economista da Serasa Experian, a inadimplência da
pessoa física puxa a das empresas, e quando os problemas atingem até mesmo as
grandes companhias é porque “está feia a coisa”.
É hora de o governo agir com lucidez e de
parar de boicotar a si mesmo. É sabido que o nível da taxa básica de juros
inibe o crescimento da economia. Reduzi-la é um desejo de todos, e não apenas
do presidente Lula da Silva. Porém, para baixá-la de forma consistente e
sustentável, o Executivo precisa fazer sua parte e apresentar de uma vez um
arcabouço fiscal crível o suficiente para ancorar as expectativas de inflação.
É o primeiro passo para reduzir os juros reais e criar condições para que o
Banco Central diminua a Selic. Em paralelo, medidas para dar algum fôlego à
recuperação da economia, como o programa de renegociação de dívidas, precisam
sair do papel, mas como apoio, e não como solução. O momento exige mais responsabilidade
fiscal do governo.
O tardio reajuste das bolsas
O Estado de S. Paulo.
Finalmente o auxílio para pesquisadores
terá aumento, após 10 anos de congelamento
O governo anunciou um reajuste de 40% nas
bolsas de pós-graduação a partir de março. O valor estava congelado havia uma
década, o que é, por si só, uma vergonha e dá a dimensão do descaso do País com
a ciência e a pesquisa. O aumento não é suficiente para cobrir toda a inflação
do período – a Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), por exemplo, pedia
correção na faixa de 75%, quase o dobro do índice concedido. Mas já é alguma
coisa.
Como era esperado, o presidente Lula da
Silva procurou capitalizar o anúncio, espetando a conta do atraso no governo
anterior, de Jair Bolsonaro. De fato, poucas vezes na história brasileira se
viu um governo tão empenhado em destruir a ciência como o de Jair Bolsonaro,
seja sufocando-a com cortes orçamentários draconianos, seja desmoralizando-a
como inimiga da “pátria” bolsonarista.
O problema é que essa conta é também do
lulopetismo. As bolsas de pós-graduação estavam congeladas desde 2013, ano em
que o Brasil começou a tomar conhecimento do desastre econômico meticulosamente
provocado pela então presidente Dilma Rousseff. O congelamento foi necessário
porque o dinheiro simplesmente desapareceu, sugado pela incompetência gerencial
da criatura de Lula. Ou seja, a devastação no setor de pesquisa e inovação é
uma obra coletiva, com participação significativa do lulopetismo.
Não há milagre: a formação de cérebros
capazes de inovar e solucionar os problemas do País demanda recursos, tempo e
condições adequadas de estudo e pesquisa. Sem isso, nossas melhores cabeças
preferem estudar e trabalhar no exterior, onde são remuneradas à altura. Fez
bem o governo, então, em conceder reajuste de 40% às bolsas pagas pela
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e pelo
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). No caso
dos mestrandos, como antecipou o Estadão, o valor mensal subirá de R$ 1,5 mil
para R$ 2,1 mil; no dos doutorandos, de R$ 2,2 mil para R$ 3,1 mil.
O pacote anunciado inclui aumentos em
outras modalidades de auxílio estudantil, inclusive para professores da
educação básica em cursos de aperfeiçoamento − uma iniciativa essencial para
qualificar o ensino no País. Será elevado também o valor da bolsa de iniciação
científica para estudantes do ensino médio, incentivo que deverá beneficiar 53
mil adolescentes com repasses de R$ 300 mensais (o valor atual é de modestos R$
100, que está mais para insulto que para estímulo). Da mesma forma, será
reajustada a bolsa permanência para universitários de baixa renda, um apoio
importante para que mais jovens consigam concluir a faculdade.
Assim, espera-se que a nova injeção de recursos, ainda que modesta e claramente insuficiente, seja um sinal de que a ciência começou finalmente a ser vista não como um luxo, mas como uma necessidade estratégica do País. Ou seja, mesmo em tempos bicudos, o investimento em pesquisa deve ser prioritário, justamente porque é daí que o País construirá soluções para seu subdesenvolvimento.
Caso Americanas piora o aperto no crédito
Valor Econômico
Novas rodadas de renegociação de dívidas
devem se tornar inevitáveis
O tombo dado pelas Americanas nos credores
criou um ambiente nefasto para a evolução do crédito, cujos efeitos podem ser
piores que seu impacto imediato - que não foi pequeno. Ao serem ludibriados, os
bancos, que são muito mais exigentes nas concessões de crédito a empresas
menores, estão muito mais exigentes para conceder empréstimos, piorando uma
situação que já não era boa - desaceleração da economia, juros altos e inflação
fora da meta. A mudança de chave da economia, de crescimento e juros muito
baixos para retração e juros muito altos, ampliou potencialmente o número de
empresas grandes que podem ter sido atingidas nessa virada. Algumas delas estão
aparecendo agora com pedidos de recuperação judicial.
O Relatório de Estabilidade Financeira, de
novembro, com dados básicos do primeiro semestre de 2022, já apontava
intempéries no caminho do crédito, embora o cenário para os bancos continue o
mesmo traçado então: estão solventes, lucrativos, com boa rentabilidade e com
uma margem generosa de provisões para credores duvidosos. A dívida da Americanas
não afeta sua estabilidade, tampouco uma piora no cenário de inadimplência, já
contemplado no teste de estresse examinado pelo BC.
Era esperado desde então uma eventual
“redução da capacidade de pagamento de parte das empresas”, mais nas micro e
pequenas companhias do que nas grandes. O episódio Americanas foi imprevisível
e, com suspeitas maiores recaindo sobre fraudes, obviamente não pode ser
atribuído à conjuntura econômica. Ainda assim, uma nota do Relatório ganha um
tom retrospectivo curioso sobre o “risco sacado”, operação não contabilizada
pela empresa. “Tais operações são uma opção de baixo custo para as empresas e
pouco risco para as instituições financeiras”, registra o relatório. Não são
mais.
A pandemia interrompeu abruptamente fluxo
de pagamentos e de empréstimos e jogou-os para o futuro, com diversos programas
de renegociação executados para evitar quebradeira generalizada na economia.
Com o fim da pandemia e a recuperação rápida da economia, empresas e pessoas
físicas voltaram a se endividar a juros então convidativos (em janeiro de 2021,
a Selic era de 2%) e com relativa receptividade para captação de dívida das
empresas no mercado doméstico e externo.
Os bancos, segundo o relatório, mostraram
um forte apetite pelo risco, como revela a ampliação do crédito para pessoas
físicas nos segmentos com taxas maiores e mais propensas à inadimplência
(cartão de crédito, não consignado) e, entre as empresas, para as micro
(capital de giro) e médias (investimento). “O financiamento a esses segmentos de
empresas continua subindo a taxas anuais superiores ao do período
pré-pandêmico”. Quando o aperto monetário se intensificou, a carteira de
microempresas, com percentual de ativos problemáticos menor do que antes da
pandemia, já passava “por um movimento de deterioração semelhante àquele
observado para a carteira de crédito às famílias”.
A performance excelente do crédito em 2022
não se repetirá tão cedo. As concessões avançaram 20,4% para as pessoas
jurídicas e 20,2% para as físicas. Como um todo, o volume de empréstimos
cresceu 14% - 9,3% para as empresas, 17% para as famílias. No Relatório de
Inflação de dezembro, o BC estimou que o crédito evoluiria 8,3% em 2023. Esta
estimativa, depois do caso Americanas, parece otimista agora. Com a economia
crescendo 1%, nas expectativas mais róseas, com os bancos amargando um calote
de R$ 17 bilhões e com mais empresas grandes na fila da recuperação judicial, a
performance dos empréstimos será pior.
Apenas no quarto trimestre de 2022, os três
maiores bancos - Itaú, Bradesco e Santander - provisionaram R$ 32 bilhões para
credores duvidosos. No ano inteiro, foram R$ 88,5 bilhões. Os juros dos
financiamentos subiram mais, para 42% (alta de 8,2 pontos percentuais) nas
concessões às famílias, e para 23,1% (3,4 pontos percentuais maior) para as
empresas, em relação a 2021. Já no relatório do BC de novembro, as empresas
mostravam um índice de cobertura de juros abaixo do pré-pandemia e a situação
não melhorou desde então. Para os bancos, os ativos problemáticos são 12% da carteira
das microempresas, e praticamente 5,5% para as médias e grandes. Diante do
desconforto crescente, novas rodadas de renegociação de dívidas devem se tornar
inevitáveis.
Nenhum comentário:
Postar um comentário