Eleição boliviana é alerta sobre risco do populismo
O Globo
Depois de engendrar crise fiscal, partido
fundado por Evo Morales está fora do 2º turno e não fez um deputado sequer
O desfecho do primeiro turno da eleição
presidencial na Bolívia marca
o encerramento de um ciclo de 20 anos, em que o poder foi ocupado quase todo
tempo pelo Movimento ao Socialismo (MAS), fundado por Evo Morales.
O candidato do MAS, Eduardo del Castillo, ficou entre os menos votados. O
segundo turno será disputado em outubro pelo senador centrista Rodrigo Paz, do
Partido Democrata Cristão, e pelo ex-presidente Jorge Quiroga, da oposicionista
Aliança Livre. O resultado traduz o esgotamento do discurso nacionalista de
esquerda que sustentava Morales — ele deixou o partido no início do ano e hoje
está foragido por enfrentar processo por estupro de menor e tráfico humano. O
MAS não elegeu um representante sequer ao Congresso.
A missão prioritária do futuro governo será
debelar a grave crise econômica, resultado da deterioração fiscal. A inflação
anual era de 0,77% em março de 2022. Três anos depois, chegou a 23,96%, maior
nível em 34 anos. O descontrole dos preços é acompanhado pela escassez de bens
de primeira necessidade. A dívida pública, que caíra de 82% para 35% do PIB no
primeiro mandato de Morales, voltou a subir e está em 95%, segundo o Fundo Monetário
Internacional (FMI).
A crise foi fermentada durante os governos sucessivos de Morales. Eleito pela primeira vez em 2005, ele tirou proveito das grandes reservas de gás bolivianas para ampliar o gasto público e promover políticas sociais de impacto. Depois de obter a aprovação de uma nova Constituição em 2008, foi reeleito e obteve nova vitória em 2014. Conseguiu então na Justiça o direito a uma quarta candidatura em 2019, desafiando referendo de 2016 que vedava mais de duas reeleições consecutivas. No pleito de 2019, observadores da Organização dos Estados Americanos (OEA) constataram irregularidades flagrantes. Instalou-se grave crise política que culminou com sua renúncia por pressão militar e uma sucessão conturbada. A crise institucional só foi debelada quando o atual presidente, Luis Arce, do MAS, foi eleito em 2020.