Folha de S. Paulo
Ex-presidente tem projeto de se martirizar
colocado em xeque; porto seguro da reeleição se torna tentador para governador
de SP
Os diálogos de Jair
Bolsonaro com o filho Eduardo e o pastor Silas Malafaia revelados
pela Polícia
Federal dificilmente terão grande impacto no julgamento do
ex-presidente pela trama golpista no Supremo Tribunal Federal, uma vez que ali
há muito tempo a sensação é de jogo jogado, com uma pesada condenação.
Nesse sentido, uma eventual
prisão preventiva do ex-presidente em regime fechado apenas
anteciparia uma consequência previsível.
O verdadeiro efeito da exposição das
conversas é outro, e não menos importante para Bolsonaro: a sua desmoralização
política e pessoal.
A leitura das mensagens é uma experiência que
pode ser feita à luz freudiana de uma relação turbulenta entre pai e filho ou
pela do controle psicológico exercido por um líder religioso sobre uma figura
acuada. Em nenhuma das situações, Bolsonaro se sai bem.
O personagem durão e contestador do sistema sofre profundos arranhões em sua imagem. A frase "VTNC seu ingrato do caralho" de um explosivo Eduardo tem tudo para se tornar mais uma a grudar no ex-presidente como um dia foram "dei uma fraquejada" ou "e daí?, eu não sou coveiro".
Malafaia, por sua vez, surge como um ator
muito mais relevante do que se imaginava na estratégia do ataque ao Supremo, no
que é uma das grandes revelações das mensagens. Fica claro que o pastor é muito
mais do que um mero organizador de atos na avenida Paulista.
"As conversas indicam que Silas Malafaia
atua diretamente na definição das ações planejadas pelo grupo investigado que
tem por finalidade coagir autoridades judiciais da Suprema Corte (STF)", resume
o relatório.
Não por acaso, ele tem choques com Eduardo,
como se os dois disputassem o espólio do líder em seu ocaso político.
É o pastor que insiste na tese de vincular de
maneira mais direta o tarifaço de Donald Trump à anistia para Bolsonaro.
"‘Tem que juntar a taxa com a questão da anistia. Ou juntar liberdade,
justiça e anistia e a queda da taxa", diz em uma das mensagens ao
ex-presidente.
A preocupação é também com a forma. Fazendo
as vezes de dublê de marqueteiro, pede a Bolsonaro que se manifeste não por
texto, mas sempre por vídeo, pois é "só o que viraliza". Dá ainda
frequentes esporros no ex-presidente, em seu habitual estilo ácido, e não é
contestado (ao menos nas mensagens reveladas).
A desmoralização de Bolsonaro se completa com
a ênfase muito maior que é dada à anistia para si próprio, em detrimento do
perdão para os presos do 8 de janeiro, tratados quase como uma nota de rodapé.
E prossegue com o extraordinário documento em
que ele pede asilo ao presidente da Argentina, Javier Milei, contrariando
inúmeras declarações que deu de que jamais fugiria do país.
Tudo somado, Bolsonaro emerge como uma figura
diminuída, com o projeto de se martirizar perante a opinião pública severamente
abalado. Há impactos evidentes para o futuro daquilo que ainda se convenciona
chamar de bolsonarismo.
Bolsonaro parece alguém que perde grande
parte da condição política de influenciar a eleição de 2026, como já demonstram
os governadores de centro-direita que colocam a cabeça para fora à revelia
dele.
Os holofotes se voltam mais uma vez para
Tarcísio de Freitas, alvo da fúria de Eduardo Bolsonaro e, ocasionalmente, de
Malafaia também.
As agressivas
mensagens do deputado federal direcionadas contra ele não permitem
mais disfarçar o profundo racha ideológico da direita.
O governador de São Paulo, a partir de agora,
terá de mais uma vez exercitar seus dotes de equilibrista para fazer acenos ao
centro sem perder a chancela do ex-presidente, caso queira realmente se
arriscar numa candidatura presidencial.
A tarefa, no entanto, ficou mais complicada,
pois é difícil imaginar um Jair preso e enfraquecido dando a bênção à
candidatura de Tarcísio contra a vontade do filho exilado.
Importam menos, nesse caso, os encontros do
governador com a Faria Lima, os evangélicos ou os cantores bregas. Diante de
tamanha confusão, o porto seguro da candidatura à reeleição se torna bastante
tentador para o ocupante do Palácio dos Bandeirantes.
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