Folha de S. Paulo
Dinheirama do capitão da extrema direita
causa mais impressão do que conspiração relatada pela PF
Coação e obstrução de Justiça são palavras e
ideias complicadas. No liquidificador da razão das redes sociais, podem virar
um mingau de besteira lunática. Os indiciamentos de Jair e Eduardo
Bolsonaro por conspirarem
contra o processo legal podem ser cozinhados como papa de narrativas.
Além do mais, para quem não acompanha as minúcias do processo, podem parecer
coisa velha (não são coisa velha).
No entanto, algo se move, um passinho adiante, embora um para frente e dois para trás seja uma dança recorrente na vida brasileira, em particular depois de 2013. A conspiração dos Bolsonaro para induzir Donald Trump a atacar o Brasil parece ter tirado uns pontos na votação de Bolsonaro nas preferências eleitorais, como indica a pesquisa Genial/Quaest. Pode piorar.
Mais gente tem medo da volta de Bolsonaro ao
poder (47%) do que da reeleição de Lula (39%),
diferença agora fora da margem de erro. Em alguns estados com preferências mais
direitistas ou antilulistas, Bolsonaro tem desempenho pior que o de candidatos
da direita. A mesma pesquisa mostra despiora do prestígio de Lula e de
expectativas econômicas.
O fato de o Supremo não amolecer os processos
deu no novo indiciamento e o relatório da Polícia
Federal tem aspectos que podem desgastar Bolsonaro "no
popular". O capitão do golpe recebeu
nas suas contas cerca de R$ 30,5 milhões entre março de 2023 e
fevereiro de 2024, diz a PF; cerca de R$ 44 milhões até junho deste ano, no
total. Tanto dinheiro na mão não deve causar vendaval político, mas um ventinho
ruim no prestígio de Bolsonaro.
Bolsonaro recebeu muito Pix e já o
dissera em público; recebeu na conta resultados de transações com CDBs e de
câmbio. Apesar das suspeitas oficiais de lavagem de dinheiro, tudo em tese pode
ser justificado e ter sido declarado: doações, uma herança de um tio adotivo,
sorte na loteria. Né. Mas Bolsonaro recebia dinheirama sem trabalhar, como
sempre. O povo entende de milhões.
Os candidatos da direita e da extrema-direita
ainda dependerão de votos bolsonaristas. Será muito difícil que o custo de
estar ao lado do capitão das trevas venha a ser maior do que o benefício. A
conversa sobre atrasos ou antecipações das candidaturas da direita (e problemas
decorrentes) por causa do julgamento de Bolsonaro ainda é muito especulativa.
No calendário mais próximo, mais importante é saber se uma alta da cotação de
Lula pode desencorajar adversários, tais como Tarcísio
de Freitas.
Lula despiorou nas pesquisas. Pouco. Está
longe da avaliação mais positiva do começo de 2024 e ainda mais longe daquela
de meados de 2023. Mas despiorou. Pode bem que ser consiga aprovar em breve
a isenção
do IR para quem ganha até R$ 5 mil. Pode passar a isenção da conta de luz e
o "gás para todos" (não se discute a qualidade dessas medidas, mas o efeito
político). A inflação vai
arrefecer um pouco.
O tamanho da desaceleração do PIB e seu
efeito no emprego ainda são incógnitas, decerto. O governo é com frequência
atropelado e espezinhado pela direita do Congresso (e
pela incompetência política); pode amargar o efeito do sururu de sempre de
uma CPI, no
caso a do INSS,
de resto uma instituição de péssimo desempenho. Luiz Inácio Lula da Silva,
enfim, continua a falar demais no caso do conflito com Trump, dando chance para
o azar e com resultado nenhum. Mas apareceu uma oportunidade de o governo sair
do sufoco.
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