segunda-feira, 12 de junho de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

BC pode dar já o sinal de que os juros começarão a cair

Valor Econômico

IPCA de maio deu amplos sinais de desaceleração consistente da inflação

O declínio convincente da inflação, confirmado pelo IPCA de maio, deve levar o Banco Central a sinalizar que o período de aperto monetário encaminha-se para sua reversão. Afora a reunião do Copom, outros fatores podem influir na política monetária até o fim do mês. O Conselho Monetário Nacional deve estabelecer, em 29 de junho, a meta de 2026 e confirmar a de 2025, assim como mudar o intervalo de tempo no qual a meta deve ser atingida. No mesmo dia, mas com efeitos sobre a orientação futura do BC sob a égide do governo Lula, será sabatinado pelo Senado Gabriel Galípolo, atual braço direito do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, indicado para a diretoria de política monetária.

A tempestade de críticas ao Banco Central feitas pelo presidente Lula e seus ministros produziu muito calor e pouca luz. A resposta sobre a eficácia ou não da política executada pelo BC é demonstrada agora pelos resultados, como o do IPCA de maio, inferior ao de todas as expectativas de mercado. Depois de 11 meses elevando a taxa Selic até atingir 13,75%, e mais 7 meses mantendo-a nesse nível, o aumento dos juros levou o tempo de livro texto para começar a dobrar a inflação, de 18 a 24 meses. O IPCA de 0,23% diminuiu a taxa acumulada em doze meses a 3,94%, dentro das margens do sistema de metas. O IGP-DI, com deflação de 2,23%, acumulou queda de 5,49% em um ano, a maior da série, iniciada em 1945.

Com a dose cavalar de juros, BC e analistas se intrigaram sobre as razões pelas quais seus efeitos consistentes não apareceram antes e com mais força. A autoridade monetária ainda relativiza, com razão, os números. Ao contrário do que ocorreu no IPCA de abril, a média dos cinco núcleos de inflação recuou de 7,31% para 6,72%, segundo cálculos feitos pela MCM Consultores. Sua média trimestral, dessasonalizada e anualizada, diminuiu de 6,4% para 5,7%. O núcleo de serviços subjacentes, que mede os mais afetados pelo ciclo corrente, recuou de 7,52% para 7,13%. Pode-se argumentar que ainda se está muito longe da meta de 3,25% ou de seu teto, de 4,75%, mas, ainda que isso seja verdadeiro, em quase dois anos de aperto nunca se esteve tão perto deles.

O IPCA deu amplos sinais de desaceleração da inflação. Serviços foi o setor que emergiu por último do inferno econômico causado pela pandemia e a recomposição de seus preços mostrou-se vigorosa até recentemente, mas começa a estacionar. Não só o núcleo de serviços subjacentes caiu, como também os preços de serviços tiveram deflação em maio (-0,06%). Alimentos e bebidas, que puxaram a alta da inflação por bons meses, recuaram de 0,71% para 0,16%. Com uma safra recorde a caminho, é difícil que voltem a disparar, a menos que ocorram reviravoltas climáticas abruptas. O índice de difusão, que mede a porcentagem dos produtos em alta em relação ao total dos bens coletados, saiu de 66% para 56%, inferior à média mais usual de 60% de um período em que a inflação é bem comportada.

As expectativas estão agora menos desancoradas do que em período recente. Há quatro semanas a previsão de inflação para o ano vem se reduzindo, de 6,02% para 5,69%, e o mesmo movimento se observa em relação a 2024 (de 4,16% para 4,12% no Focus de 2 de junho). Essas estimativas consideram que o BC irá reduzir a Selic para 12,5% até o fim do ano.

Há fatores influenciando em direções opostas os preços no curto prazo. Um deles é a base do IPCA, que teve deflações em julho, agosto e setembro, que não devem se repetir este ano, ao contrário. Elas foram causadas pela redução dos impostos sobre combustíveis e energia pelo governo Bolsonaro e sua reversão parcial ocorrerá nos próximos meses. Haddad anunciou reoneração em setembro de R$ 0,11 de R$ 0,35 rebaixados, para cobrir parte da conta do programa do “carro popular” anunciado pelo governo.

Por outro lado, os preços das commodities estão em queda moderada e seu impacto na inflação é reforçado pela valorização do real. No ano, o dólar comercial perdeu quase 10% do valor até sexta-feira (começou o ano em R$ 5,45, encerrou o fim de semana a R$ 4,87). O risco de calote do país voltou a ficar abaixo dos 200 pontos, o que tem colaborado para o ingresso de dólares no país, ao lado do expressivo superávit comercial de maio (US$ 11,3 bilhões).

A pergunta corrente é sobre quando o BC iniciará a redução dos juros, não mais se fará isso ou não a curto prazo. Como a derrota da inflação não está consolidada para 2024, o BC poderá indicar que iniciará o movimento de redução de taxas em breve, sempre, claro, se for autorizado pelo balanço de riscos. Um dos sinais seria, por exemplo, retirar a agora dispensável frase das últimas atas de que “não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado”, que serviu, fora o relevo técnico, para mostrar a um governo que investira contra a autoridade monetária, exigindo baixa dos juros, que ela era independente.

A discussão de mudança das metas parece ter sido soterrada, embora possa reaparecer no CMN. A ideia de ampliar o prazo para consecução da meta é boa e se adequaria melhor ao instrumento, a taxa de juros que, como se mostra mais uma vez agora, seu pleno efeito só se consuma em bem mais de 12 meses.

Despoluição é negócio promissor para petrolíferas

O Globo

Em vez de só explorar óleo e gás nas últimas áreas disponíveis, Petrobras deveria investir em capturar carbono

Não só a Petrobras é alvo de críticas por querer extrair petróleo numa região ambientalmente sensível como a foz do Amazonas. Há reclamações idênticas em várias partes do mundo, onde a atuação de petrolíferas cria risco de vazamentos e desastres ambientais. Como revelou reportagem do GLOBO, existem 2.095 atividades de produção de petróleo e gás em 835 áreas de proteção, espalhadas por 91 países.

Ambientalistas argumentam que áreas protegidas têm sido rebaixadas ou retiradas da relação de regiões de risco ambiental na atual fase de transição energética, em que as empresas de petróleo buscam repor suas reservas. “À medida que a indústria fica sem óleo fácil, as petroleiras ampliam para ambientes vulneráveis, incluindo patrimônios mundiais declarados pela Unesco, hábitat de tigres ou territórios com povos indígenas sem contato”, diz Kjell Kuehne, diretor da ONG alemã Lingo.

Na Namíbia, a canadense Reconnaissance Energy atua na bacia hidrográfica do delta do Okavango desde 2021, sob críticas da população e de ambientalistas. Como no Brasil, há conflitos dentro do próprio governo. Os ministérios da Energia e do Meio Ambiente estão em choque, e o caso está na Justiça, por causa da denúncia de contaminação de rios.

Nos Estados Unidos, o presidente Joe Biden é criticado por ter aprovado a exploração de petróleo no Alasca, apesar de ter prometido na campanha que reduziria o consumo de combustíveis fósseis. Mas, com o mundo no início da transição para energia limpa, o petróleo ainda mantém papel preponderante nas matrizes energéticas.

Em tal cenário, petrolíferas têm investido na captura de carbono da atmosfera para estocá-lo no subsolo. Na Europa, um consórcio formado por Shell, Equinor e Total planeja armazenar carbono abaixo do Mar do Norte, em antigas áreas de exploração. A americana Occidental Petroleum, por meio da subsidiária 1PointFive e da startup Carbon Engineering, desenvolve a primeira unidade em escala comercial para capturar carbono no ar.

Ela simula o funcionamento das árvores, concentrando o gás. O objetivo inicial é injetá-lo em poços para aumentar a produção de petróleo. O gás pode ainda ser usado em bebidas ou para ajudar no crescimento de plantas em estufas. Quando a unidade industrial conseguir retirar 500 mil toneladas de carbono da atmosfera por ano, em 2025, o gás será retido para ajudar no combate ao aquecimento global. A Occidental Petroleum planeja construir cem usinas de larga escala até 2035.

A maior de todas as petroleiras, a ExxonMobil, já tem uma “divisão de baixo carbono” e também pretende prestar serviços de descarbonização a grandes poluentes, como siderúrgicas ou fábricas de cimento. A empresa prevê que a atividade alcançará receita global de US$ 6 trilhões em 2050.

No Brasil, a Petrobras anunciou que destinará 15% de seus investimentos entre 2024 e 2028 — ou quase R$ 12 bilhões — a “negócios de baixo carbono” e fontes renováveis. É uma boa notícia. Em vez de insistir em explorar petróleo nas poucas áreas que restam, a Petrobras também precisa seguir esse caminho. Para mitigar os danos ambientais dos combustíveis fósseis, não basta produzir energia limpa. Despoluir a atmosfera também promete ser um bom negócio para as empresas que até hoje vivem de petróleo, mas precisam buscar um novo futuro.

Descaso com passageiros de ônibus exige mais treinamento e punição

O Globo

Idosa cadeirante que morreu depois de lançada para fora do veículo não é caso isolado — sobretudo no Rio

É compreensível o inconformismo da família com a morte estúpida de sua matriarca, Bernadete Augusto dos Anjos, de 82 anos, no dia 14 de maio. Cadeirante, Bernadete tinha ido com a filha, Solange Pedro dos Santos, 48 anos, festejar o Dia das Mães na popular Feira de São Cristóvão, na Zona Norte do Rio. Quando voltavam para casa de ônibus, se tornaram vítimas da incúria e do descaso que permeiam esse tipo de transporte no Rio e noutras cidades brasileiras. Mãe e filha foram arremessadas para fora do veículo quando uma porta se abriu numa curva na Avenida Brasil. Bernadete morreu. Solange sofreu escoriações.

Como uma porta pode se abrir com o ônibus em movimento? Claramente o veículo não estava em condição de transportar passageiros com segurança. A falha na porta não era o único indício da precariedade criminosa. Parentes de Bernadete contaram que o cinto de segurança para a cadeira de rodas — que poderia ter salvado a vida dela — estava com defeito. Solange teve de segurar a mãe durante a viagem.

A história trágica de Bernadete está longe de ser um caso isolado. Acidentes ligados às más condições dos veículos ou à falta de treinamento dos motoristas têm sido comuns, sobretudo no Rio. Em 28 de fevereiro, Juliane Campelo da Silva Layana, 31 anos, morreu em condições parecidas. Caiu de um ônibus de integração do metrô quando a porta usada por deficientes abriu numa curva. No dia 10 de maio, uma idosa morreu atropelada por um ônibus em Belford Roxo, na Baixada Fluminense — segundo a polícia, ela subia pela porta de trás quando o condutor arrancou. Uma semana antes, também em Belford Roxo, um idoso morrera em situação semelhante.

Casos assim expõem a debilidade dos sistemas de ônibus. Por uma inversão histórica, esse tipo de transporte domina o mercado nas grandes cidades brasileiras, superando os de alta capacidade, como trens ou metrô. Em geral, prestam um péssimo serviço. Veículos degradados, barulhentos e desconfortáveis, motoristas despreparados e mal-educados, frotas insuficientes e empresas que não cumprem as grades de horário — tudo isso impõe sacrifício diário a milhões de passageiros, muitos sem alternativa para deslocar-se. Seria fundamental, pelo menos no Rio, treinar os motoristas para que aprendam a respeitar o passageiro e a valorizar mais a segurança que a velocidade. É essencial punir os relapsos e incompetentes.

Claro que a culpa não é só das empresas de ônibus. O poder público também tem responsabilidade pelo mau funcionamento do setor. Em muitos casos, os serviços não se pagam, porque as tarifas são fixadas mais com base no calendário eleitoral que nas planilhas de custo (e as despesas não cessam). Reajustes previstos em contrato são cancelados ou adiados em nome do populismo e da demagogia em busca de voto fácil. Os governos fingem que cobram das transportadoras, e elas fingem que cumprem suas obrigações. Lamentavelmente, a grande vítima desse faz de conta irresponsável é o passageiro, que diariamente paga tarifa para pôr sua vida em risco.

Rever subsídios

Folha de S. Paulo

Benefícios crescem em 2022 e comprometem eficiência e equilíbrio do Orçamento

Diante do desafio de equilibrar o Orçamento e, ao mesmo tempo, tornar mais justas e eficientes a cobrança de impostos e a despesa pública, é preocupante constatar o crescimento dos gastos da União com subsídios.

No ano passado, segundo relatório divulgado pelo Ministério do Planejamento, os subsídios consumiram R$ 581,5 bilhões, equivalentes a 5,86% do Produto Interno Bruto —e R$ 156,25 bilhões a mais que o registrado em 2021.

Trata-se do terceiro maior nível desde 2003. Apenas no biênio 2015-16 os valores foram maiores, de 6,4% do PIB em média, em razão do forte impacto das linhas de juros reduzidos pelo BNDES.

O relatório considera três tipos de subsídios —tributários, creditícios e financeiros. Os primeiros se referem a reduções ou isenções de impostos a setores ou produtos específicos. Os outros dois são programas que disponibilizam dinheiro a juros subsidiados.

O crescimento da conta no ano passado decorre de inúmeros fatores. Apenas a desoneração eleitoreira dos combustíveis custou quase R$ 30 bilhões à União. A alta dos juros para combater a inflação, além disso, aumentou o custo de captação do Tesouro e, com ele, o valor dos subsídios.

Daí ser essencial avaliar as políticas públicas que determinam essas despesas, um esforço que vem tomando forma e poderá levar a maior eficiência na alocação de recursos ao longo do tempo.

A cargo do Ministério do Planejamento, está em andamento a avaliação de ao menos oito programas que contam com recursos da União em algum dos três formatos.

Estão na lista, entre outros, as deduções de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) para gastos em ciência e tecnologia, Fundo da Marinha Mercante, Programa de Financiamento às Exportações e o Programa Universidade para Todos (Prouni).

Espera-se que a pasta divulgue o resultado do trabalho em julho para nortear um debate sobre a eficácia e destino desses programas, segundo noticiou o jornal Valor Econômico. Mais do que apenas cortar ou ampliar, é preciso avaliar se qualquer despesa pública cumpre os objetivos para os quais foi criada.

É preciso que se estabeleça uma cultura de avaliação no serviço público. Políticas mal desenhadas ou anacrônicas devem ser modificadas ou descontinuadas sem maiores controvérsias, a partir de medições objetivas e transparentes.

Programas apenas deveriam ser criados após criteriosa avaliação de impacto esperado e custo orçamentário. A garantia de visibilidade diminui o espaço para que grupos de pressão obtenham benefícios —e a longo prazo torna os serviços do Estado mais eficientes.

Centro sem lei

Folha de S. Paulo

Falta de ações integradas na cracolândia amplia oportunidades para o crime

A falta de políticas públicas duradouras e eficazes para a cracolândia do centro paulistano, combinada à leniência do poder público com o crime, cria ambiente propício para práticas de extorsão.

Como noticiou a Folha, comerciantes relatam que um grupo que diz ter o controle do tráfico de drogas na região tem cobrado parcelas mensais de R$ 30 mil para retirar dependentes químicos das portas de estabelecimentos e residências —o valor seria dividido entre os empresários, variando entre R$ 1.000 e R$ 5.000 de acordo com o tamanho do negócio.

O impacto da crise de saúde e de segurança na cracolândia sobre lojistas é mais um desdobramento de um drama humanitário

Nos primeiro trimestre deste ano, ao menos 23 comerciantes fecharam as portas nos bairros Santa Ifigênia e Campos Elíseos. Usuários de droga, que antes se concentravam na praça Júlio Prestes, agora perambulam pelo centro da cidade após sucessivas operações policiais, muitas delas truculentas, que dispersaram o problema.

Ademais, e ainda pior, há indícios de participação de agentes públicos na extorsão. Na quarta (7), o prefeito Ricardo Nunes (MDB) encaminhou, por meio da Controladoria-Geral do Município, um pedido de prisão de guardas municipais suspeitos de envolvimento no esquema criminoso.

Apesar da iniciativa, é melhor que a prefeitura não trate o episódio como apenas um caso isolado no órgão de segurança pública, mas coopere com a investigação para averiguar eventual conivência do poder público.

O descontrole na cracolândia, além de favorecer atividades ilícitas, gera casos de violência. No episódio mais recente, na tarde da última sexta-feira (9), um motorista de aplicativo foi agredido e teve seu veículo depredado na região.

Evidente que a questão principal é lidar com a escassez de políticas de saúde pública e de habitação. Não há soluções mágicas. A aposta da administração municipal de Nunes em internação —por vezes, contra a vontade do usuário— e em medidas penais não dá conta da crise, que requer medidas interdisciplinares de longo prazo.

A ausência de ações contínuas resulta em caos social, que estimula a corrupção de agentes públicos, dado que moradores e comerciantes desesperados recorrerão a meios privados para se protegerem e fazerem valer direitos que deveriam ser garantidos pelo Estado.

Os acenos de Lula para o agronegócio

O Estado de S. Paulo

Lula tem razão: sem o Estado, o agro não teria o tamanho que tem. Mas sem o agro o Estado não teria a força que tem. É preciso valorizar tal parceria, sem distorcer os papéis de cada um

Após um semestre marcado por atritos entre o governo e o agronegócio, o presidente Lula da Silva fez um bem-vindo gesto de conciliação. Em discurso na Bahia Farm Show, Lula buscou aparar arestas e manifestou a intenção de construir pontes. A questão é até que ponto passará do discurso à prática.

Recentemente, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, evocou um Lula magoado e incompreendido. “Ele me pergunta por que (os empresários do agronegócio) não gostam dele”. O enquadramento no plano afetivo já sugere uma estratégia recorrente de Lula e seu partido: tratar divergências políticas como preconceito de classe. A questão é por que os grandes produtores rurais não concordam com Lula. E aí não faltam razões.

Muito além do incômodo com invectivas palanqueiras, como alusões a ruralistas como vilões ambientais ou “fascistas”, há conflitos reais no campo político, a começar pelo desmembramento quase esquizofrênico da pasta da Agricultura em um Ministério da Agricultura e outro do Desenvolvimento Agrário. Em abril, enquanto o MST promovia uma série de invasões, incluindo de uma fazenda da Embrapa, o governo o prestigiava com cargos no Incra e reuniões em ministérios. Na China, Lula fez questão de levar a tiracolo o chefão do MST, João Pedro Stédile.

Lula classificou como “polêmica maluca” a suposta rivalidade entre o pequeno produtor e o agronegócio. Assim é. Seria bom, portanto, que o próprio Lula parasse de instigá-la. “É preciso parar de construir rivalidade onde ela não existe”, disse Lula. Uma das mais presentes no imaginário petista é a rivalidade entre o Estado e o livre mercado. Na Bahia, Lula lembrou que, “se não é o Estado colocar dinheiro, muitas vezes o agronegócio não estaria do tamanho que está”.

De fato, a participação do Estado na revolução agropecuária nacional desmoraliza dogmas ultraliberais. Pesquisas científicas e inovações tecnológicas da Embrapa, uma estatal, foram cruciais nessa epopeia. Assim também os diversos programas de créditos, subsídios, seguros e outros apoios do Estado.

Contudo, isso não corrobora as teses desenvolvimentistas e estatizantes do PT. O apoio público brasileiro não é exceção no mercado global. Em qualquer país, o agro é um setor estratégico e literalmente vital, que, por natureza, precisa do Estado para salvaguardá-lo ante intempéries naturais. No caso de grandes exportadores, como o Brasil, a diplomacia, como bem lembrou Lula, é essencial para abrir frentes e desobstruir canais. Mais do que isso, a agropecuária global é marcada por subsídios e restrições alfandegárias que inclusive têm crescido nos últimos anos, frequentemente distorcendo os preços – com prejuízo para os mais pobres. Nestas circunstâncias, o agro de qualquer país depende de apoio do governo para ser competitivo.

A excepcionalidade do Brasil é que os subsídios e as proteções são comparativamente baixos. O agro nacional é um ponto fora da curva, mas no sentido oposto ao ideário desenvolvimentista. Segundo a OCDE, em 20 anos os subsídios no Brasil caíram de 7,6% para 1,5% das receitas agrícolas brutas. Em sua maioria, eles são concedidos na forma de crédito para compra de insumos ou contratação de seguros, e estão condicionados a indicadores ambientais. Do total de subsídios nacionais, a parcela daqueles considerados distorcivos pela OCDE caiu, em 20 anos, de 66% para 21%.

De resto, é preciso reconhecer os dois lados da moeda. Se Lula tem razão em afirmar que sem o apoio do Estado o agro não estaria onde está, o inverso também é verdadeiro: sem as receitas do agro, o Estado não teria os recursos que tem. A parceria entre Estado e agronegócio é essencial para o País, mas desde que a divisão de trabalho esteja bem definida: o empresariado emprega, produz e vende; o Estado incentiva, regula, garante infraestrutura e mantém os canais comerciais livres. Tudo o que o presidente da República puder fazer para promover a parceria nestes termos é bem-vindo. Mas, para isso, precisará contrariar seu próprio histórico de confusão entre a parte que cabe ao Estado e a que cabe à iniciativa privada.

Rodoanel é o estado da arte da incompetência

O Estado de S. Paulo

Elevação de custos, casos de corrupção, estruturas malfeitas e atrasos intoleráveis no Trecho Norte mostram tudo o que não se deve fazer quando se executa uma obra pública

Com atraso de dez anos e aumento de 79% de seu custo original, a obra do Rodoanel Norte, em São Paulo, é o estado da arte da incapacidade estatal de realizar obras no prazo acertado e pelo preço combinado. Certamente, as autoridades envolvidas nessa epopeia de desídia têm muitas e criativas explicações, todas muito plausíveis, mas o fato incontornável, seja qual for a justificativa, é que não há desculpa moralmente aceitável para tanta incompetência.

Reportagem publicada pelo Estadão, com base em estudo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), informa que a estimativa de custo total do Rodoanel Norte já supera R$ 12,9 bilhões. Em 2013, quando o trecho foi licitado pela primeira vez, a previsão era de R$ 7,2 bilhões. Apesar desse passivo, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), cumpriu promessa de campanha e realizou em março passado licitação para a retomada das obras.

O projeto vai requerer pelo menos mais R$ 3,3 bilhões para sua conclusão. Desse volume de recursos, R$ 1 bilhão sairá do Orçamento paulista e o restante, da construtora Via Appia, vencedora da concorrência pública, com direito de 31 anos de concessão da rodovia. Até o momento, porém, nada assegura que os erros do passado não venham a se repetir.

A obra permaneceu paralisada desde 2018, quando as empreiteiras responsáveis pelo seu andamento a abandonaram sob o pretexto de problemas financeiros. Mas outra razão, bem mais grave, levou o governo estadual a decretar oficialmente a suspensão dos trabalhos. Três construtoras tornaram-se alvo de investigações do Ministério Público por indícios de corrupção, fraude à licitação, desvio de verbas, organização criminosa e crime contra a ordem econômica relacionados à execução do Rodoanel Norte.

Outro descalabro foi evidenciado pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) em auditoria nas obras realizadas até 2018: detectaram-se nada menos que 59 falhas. Nem todas poderiam ser atribuídas ao desgaste do tempo. Pilastras desalinhadas e infiltrações em túneis devem-se exclusivamente à má execução pelas empreiteiras. Demolir e construir novamente parte dessas estruturas certamente será uma obrigação.

Não há dúvidas de que os objetivos iniciais do Rodoanel Norte ainda se mostram relevantes. Seu traçado permitirá a ligação total entre os principais eixos rodoviários que cortam o Estado de São Paulo e conectará os Trechos Oeste e Leste. Entre seus benefícios estão o de facilitar o acesso ao Aeroporto Internacional de Guarulhos e o fluxo de cargas para o Porto de Santos e o Mercosul. Ao contornar a capital paulista, espera-se alívio no trânsito da carregada Marginal do Tietê, ao remover a circulação de 18 mil caminhões.

Ao lançar o projeto do Rodoanel que leva seu nome, em 1998, o então governador, Mário Covas, estimava a conclusão dos 177 quilômetros de estrada em 2006. Os Trechos Leste e Oeste foram entregues – com atrasos. O Rodoanel Norte sempre foi tido como o mais complicado por passar por áreas de preservação ambiental da Serra da Cantareira, ao norte da cidade de São Paulo, e por impactar uma comunidade guarani em Guarulhos. Essas questões estão resolvidas há tempos.

Ao perder-se no tempo, no entanto, o empreendimento tornou-se alvo de sua natural defasagem e de questionamentos de outras ordens. Especialistas mencionam que, com o atraso, o Rodoanel Norte terá vida útil mais curta e se verá saturado rapidamente. Também consideram alternativas de mobilidade mais sustentáveis, como a ferrovia, sobretudo para o transporte de cargas.

Apesar de seu passivo de erros e malfeitos, o Rodoanel Norte é obra contratada e está entre as que serão cobradas do atual governo paulista. As lições que deixou ao longo de dez anos aos órgãos de controle e gestores estaduais não podem nem devem ser esquecidas nem desprezadas, sob pena de erosão ainda maior de recursos públicos, naturalmente escassos, e da confiança dos cidadãos na capacidade do Estado de entregar infraestrutura condizente com a quantidade de impostos que cobra. •

O alívio do ‘Desenrola’

O Estado de S. Paulo

Programa de renegociação visa à baixa renda, mas juro alto castiga endividados da classe média

Com os detalhes da Medida Provisória que institui o programa Desenrola Brasil finalmente divulgados, o governo promete para o mês que vem pôr em prática a renegociação dos débitos de pessoas físicas. A intenção é reduzir drasticamente o endividamento que, segundo dados da Confederação Nacional do Comércio (CNC), ultrapassa 78% das famílias brasileiras, sem sinais de arrefecimento.

Ainda que com atraso – anunciado em janeiro, a ideia era que estivesse rodando já no mês seguinte –, enxugar a lista da inadimplência formada por mais de 70 milhões de brasileiros acima de 18 anos, de acordo com dados da Serasa, será, sem sombra de dúvidas, um grande alívio para a população consumidora.

Mas a limpeza de CPFs “sujos” é apenas um primeiro passo, não um caminho aberto para a retomada do consumo, espremido pela inflação e pelos juros nas alturas. O Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre do ano confirmou o consumo das famílias ainda em ritmo lento, quase parando.

A desaceleração ocorre desde o segundo trimestre do ano passado, quando o consumo avançou 1,9%; no período seguinte, reduziu o ritmo para 0,8%; depois, 0,4%; e, no início deste ano, 0,2%. A melhora das projeções para os principais indicadores econômicos, de acordo com acompanhamento do Banco Central, ainda é insuficiente para garantir a virada de chave e fazer a economia girar.

Apesar de cair pela terceira vez consecutiva, a previsão de inflação para 2023 é de 5,69%, enquanto o crescimento do PIB passou para 1,68% – uma melhora, como se sabe, puxada pelo trator da agropecuária. Some-se a isso a taxa de juros cristalizada no patamar de 13,75% desde agosto do ano passado e o rendimento médio do trabalho também no “modo pausa” e temos a explicação para a timidez do consumo.

O esforço do governo para reduzir o recorde de 43,43% da taxa de inadimplência será maior para a população de renda mais baixa, que ganha até dois salários mínimos e será amparada, na negociação de suas dívidas, por garantias oferecidas pelo Tesouro. É compreensível, já que o combalido erário público não tem lastro para assegurar o socorro a todos. Mas significa que a classe média, tão endividada quanto os ocupantes dos degraus mais abaixo na escada da economia, dependerá mais da boa vontade dos bancos para sanear sua contabilidade.

Recente pesquisa da CNC revelou que famílias de classe média sentem com mais intensidade a pressão dos juros altos. Não fazem parte do grupo beneficiado por programas de transferência de renda, tampouco têm capacidade financeira para amortizar as dívidas, como os de classe mais alta. Com rendimentos mensais entre três e cinco salários mínimos, foi a classe média a mais endividada e inadimplente na passagem de abril para maio, mostrou o estudo.

Resta a esta imensa legião aguardar uma ampla adesão de instituições financeiras e empresas aos leilões promovidos com descontos para a renegociação das dívidas. Aliás, espera-se que as “razões burocráticas” citadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para o atraso na abertura do sistema estejam, de fato, solucionadas até o mês que vem.

Roger Waters e a censura prévia

Correio Braziliense

Com uma série de apresentações para outubro e novembro em seis capitais brasileiras, o roqueiro Roger Waters, ex-integrante do Pink Floyd, está envolto em uma polêmica que diz muito sobre o estado de polarização política em que o mundo em geral - e o Brasil, em particular - vive atualmente.

É que na turnê This is Not a Drill (Isto não é um exercício, em tradução livre), Waters se veste, em determinado momento, com um traje similar ao uniformes da Waffen-SS, braço armado da Schutzstaffel, a famigerada SS, organização paramilitar de apoio ao regime nazista de Adolf Hitler.

Este tipo de artifício cênico é parte das performances de Waters desde a época do disco "The Wall", uma intrincada ópera-rock de 1979 - ou seja, poderia causar todo tipo de reação, menos espanto, de tão batida. Mas a indumentária acabou virando objeto de investigação, após um show do músico de 79 anos em Berlim, no fim de maio. Na Alemanha, é crime usar, divulgar ou fazer apologia a todo tipo de simbologia nazista, exceto com propósitos educacionais ou alguns contextos artísticos. Mesmo com essa ressalva, as autoridades decidiram avançar com o caso, que ainda está sendo analisado e será encaminhado para a promotoria de Berlim.

Mas Waters é um notório crítico do autoritarismo. Em 1944, quando tinha apenas cinco meses de vida, ele perdeu o pai, Eric Fletcher Waters, morto em batalha no ápice da Segunda Guerra. A performance como um ditador lunático é, nas palavras do próprio, "obviamente uma manifestação contrária ao fascismo, à injustiça e ao fanatismo". Ele também afirmou que essas "tentativas de retratar esses elementos como outra coisa são falsas e têm motivação política".

Explica-se: Waters é um apoiador da causa palestina, e vive às turras com o Estado de Israel desde 2006, quando visitou a barreira que separa os dois países e cancelou um show que faria em Tel Aviv, transferindo a apresentação para Neve Shalom, uma vila cooperativista fundada por judeus e palestinos. O posicionamento do músico explica por que alguns o acusam de antissemitismo e, por associação, ao nazismo.

Foi justamente esta a justificativa de um advogado de entidades ligadas a Israel, que teria pedido ao governo federal, com base na apresentação de Berlim, que a entrada de Waters no Brasil fosse barrada. Ele também teria pedido que os shows, caso ocorressem, fossem censurados pela Polícia Federal. Amplamente divulgada pela imprensa, a notícia causou reações contra e a favor do artista nas redes sociais, deixando bem claro que a divisão política do país segue longe de ser pacificada.

No último sábado (10/6), o ministro da Justiça, Flávio Dino, tratou de baixar a fervura: negou que tivesse recebido a petição e lembrou que não existe mais a censura prévia no Brasil. Dino ainda fez a ressalva de que no Brasil, assim como na Alemanha, a apologia ao nazismo é crime, e disse que se receber o pedido, vai analisar com "calma e prudência".

É mesmo o mais recomendado, principalmente para evitar que, na ânsia de se combater um inimigo fictício - o nazismo inexistente de Roger Waters -, o Brasil acabe acordando o inimigo muito real da censura prévia.

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