O Estado de S. Paulo
No embate com o Brasil, Trump quer se projetar sobre a esquerda americana e mundial
A última semana marcou escalada na disputa
entre Trump e a oposição bolsonarista, de um lado, e o governo brasileiro, de
outro. Lula procurou arregimentar apoio dos principais países do Brics contra
os EUA. O governo americano impôs novas sanções de vistos, estendendo sua
campanha contra o programa Mais Médicos, e o deputado Eduardo Bolsonaro
vinculou suas gestões em Washington à tarifa de 50% e a uma anistia para seu
pai.
Ao cancelar os vistos de dois funcionários do Ministério da Saúde, da mulher e da filha do ministro Alexandre Padilha, o Departamento de Estado abriu nova linha de ataque ao Brasil. O objetivo é caracterizá-lo como um país que explora trabalhadores estrangeiros para apoiar uma ditadura.
A acusação se soma ao relatório que denunciou
supostas violações aos direitos humanos no Brasil por causa dos processos
judiciais contra Jair Bolsonaro e participantes do movimento que contestou o
resultado da eleição de 2022. O relatório anual trocou a tradicional abordagem
técnica por um viés ideológico.
A iniciativa complementa a campanha para
caracterizar o governo Lula como antidemocrático. O PT e Bolsonaro entram aqui
como representações do Partido Democrata e de Trump, numa reencenação do drama
vivido por Trump, que sofreu a abertura de dois processos de impeachment na
Câmara de maioria democrata – rejeitados pelos republicanos no Senado – e foi
réu em quatro processos criminais.
Essa é a principal motivação de Trump no
embate com o Brasil: limpar sua biografia do estigma de golpista e projetá-lo
sobre seus rivais na esquerda americana e mundial, caracterizando a si mesmo
como o líder do mundo livre. Isso ficou claro em sua entrevista à Bloomberg.
Ele retratou o Brasil como país desleal no
comércio, referindo-se à tarifa quase zero praticada até aqui pelos EUA, contra
um alto protecionismo. Trump tem razão nisso. Embora os EUA tenham superávit –
de US$ 7 bilhões no ano passado – no comércio bilateral, o Brasil aplica
alíquotas de 20% sobre produtos plásticos americanos, 35% sobre automóveis,
vestuários, calçados e brinquedos e 16% sobre autopeças, ante 6,5%, 2,5%,
16,5%, 8,5%, 0% e 2,5% impostas pelos EUA, respectivamente.
Ao ligar para líderes de China, Rússia e Índia, Lula jogou gasolina na fogueira. Enquanto negocia com os EUA a compra de commodities agrícolas, que deixará de importar do Brasil, a China declarou apoio ao governo brasileiro “contra o protecionismo e unilateralismo”. A crise se agravará. É o que os envolvidos desejam.
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