sábado, 26 de agosto de 2023

O que a mídia pensa: editoriais / opiniões

Aumento do salário mínimo vai contra disciplina fiscal

O Globo

Nova política de reajuste custará R$ 82,4 bilhões até 2026. Governo precisa dizer de onde sairá o dinheiro

Sob pretexto de afagar quem trabalha, os parlamentares vislumbraram apenas os próprios ganhos político-eleitorais ao aprovar mudanças no reajuste do salário mínimo. Pela nova regra, o valor passará a ser corrigido pela inflação do ano anterior somada ao crescimento do PIB de dois anos antes. Os números só serão confirmados no início de 2024, mas o governo estima para o ano que vem um salário mínimo de R$ 1.421, aumento de 7,65% em relação ao atual. É esse valor que deverá constar da proposta orçamentária enviada ao Congresso.

É verdade que o reajuste do mínimo acima da inflação foi promessa de campanha de Luiz Inácio Lula da Silva e tema de embates entre ele e o então presidente Jair Bolsonaro (PL). Bolsonaro reajustou o mínimo pela inflação durante seu governo e também prometera aumento real caso reeleito. Mas a campanha acabou faz tempo. Espera-se de Lula senso de responsabilidade para equilibrar suas promessas com a realidade fiscal do país. O reajuste do salário mínimo tem impacto incontornável nas contas públicas. Estima-se que cada real de aumento gere para o governo uma despesa de R$ 366 milhões ao longo de um ano. É esse o custo da demagogia populista.

De acordo com dados do próprio governo, a nova política de reajuste do mínimo custará R$ 82,4 bilhões até o fim do mandato de Lula, em 2026. Só no próximo ano, o impacto estimado é de R$ 18,1 bilhões. Isso acontece porque o mínimo é usado como referência para o pagamento de aposentadorias e pensões do INSS. A grande maioria dos beneficiários (65%, ou quase 14 milhões de brasileiros) recebe um salário mínimo. Ele é parâmetro também para programas sociais de baixa eficácia comprovada — como Benefício de Prestação Continuada (BPC) e abono salarial — e seguro-desemprego.

Não apenas contas do governo federal serão afetadas pela medida populista aprovada no Congresso. A Confederação Nacional de Municípios (CNM) estima que o aumento do mínimo em 2024 resultará num acréscimo de quase R$ 5 bilhões nas despesas das prefeituras com pessoal e encargos. O impacto será mais significativo nas cidades pequenas e médias, especialmente na Região Nordeste. Some-se a isso a perda de arrecadação de centenas de municípios depois da revisão da população pelo último Censo, e está formada mais uma confusão que o Planalto terá de resolver, pois é para lá que na certa os prefeitos acorrerão em romaria.

No rol das decisões demagógicas que põem em risco a austeridade fiscal inclui-se também a proposta para ampliar o limite anual de faturamento do Microempreendedor Individual (MEI) para R$ 144.900. A ideia gestada no governo é que quem obtiver faturamento de até R$ 81 mil (teto atual) continue pagando apenas 5% do salário mínimo à Previdência. Sabe-se que o MEI, além de não cumprir os objetivos para os quais foi criado, é fonte permanente de déficit para a Previdência.

É um contrassenso que, depois da aprovação do novo arcabouço fiscal — embora imperfeito, ao menos ele impõe uma regra para as despesas —, o governo contrate aumento em seu custo fixo. Se as metas fiscais anunciadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já se mostravam difíceis de cumprir sem alta expressiva na arrecadação, imagine-se num cenário de crescimento inexorável de gastos. O governo precisa explicar como cobrirá mais esse rombo que acaba de criar.

Brasil precisa prestar atenção ao risco de deflação na China

O Globo

Sinais de queda nos preços trazem ameaça de recessão, que teria impacto imediato nas exportações brasileiras

O Palácio do Planalto precisa acompanhar de perto a situação econômica da China, principalmente os sinais de deflação que começam a aparecer. Por ser o maior parceiro comercial do Brasil, se o país entrar em recessão, as exportações de minério de ferro, grãos e alimentos sofrerão impacto. O agronegócio, atividade mais dinâmica da economia brasileira, será atingido, com menor circulação de dinheiro no interior e reflexos inevitáveis no PIB.

A deflação é tão ou mais perigosa que a inflação. Os preços se retraem, os consumidores adiam suas compras para mais à frente pagar menos, e o país fica assombrado pelo fantasma da recessão, que, no limite, pode se tornar depressão. Governos devem agir antes de a situação chegar a esse ponto.

A saída da economia chinesa das restrições impostas pela pandemia era esperada como um impulso que ajudaria o mundo a também retomar o crescimento. Em vez disso, as taxas estão aquém das previsões e, para tornar a situação mais crítica, os preços estão em queda em diversos setores.

O crescimento da economia chinesa no segundo trimestre — de 6,3% em relação ao mesmo período do ano anterior — não animou os analistas. Ficou abaixo do esperado, mesmo com o benefício de um efeito estatístico: a base de comparação é baixa, pois 2022 ainda sofreu o impacto da recessão da pandemia, com lockdown em cidades como Xangai. Para confirmar o pessimismo, basta mudar a referência: a economia chinesa cresceu apenas 0,8% no segundo trimestre, na comparação com o primeiro.

Entre as evidências de que a China pode estar entrando em deflação está a constatação de que os preços de bens e serviços caíram 1,4% no segundo trimestre em relação ao ano anterior. Foi a maior queda desde 2009, na crise financeira mundial.

O cenário é ainda mais inóspito, pois o mercado imobiliário chinês, que concentra boa parte dos ativos financeiros do país, há tempos enfrenta dificuldades. Em junho, a venda de apartamentos caiu 27% na comparação com 2022. A segunda maior incorporadora, a Evergrande, luta contra a insolvência. Não honrou em 2021 o resgate de títulos que lançou no mercado e continua com pesadas dívidas. A maior incorporadora, a Country Holdings, vai pelo mesmo caminho. Nos últimos dias não teve dinheiro em caixa para pagar títulos de dívida vencidos.

Ao contrário do ativismo demonstrado noutras crises, o governo chinês tem mantido uma postura de passividade. Cortou um pouco a taxa de juros, e lideranças do Partido Comunista, segundo a revista britânica The Economist, distribuíram apenas 31 orientações para autoridades incentivarem o setor privado, sem nenhum plano fiscal de estímulo ao crescimento. Em tais circunstâncias, o governo brasileiro deveria evitar, em seus planos econômicos, arroubos que apostem nos bons ventos vindos de fora.

Efeitos do marco

Folha de S. Paulo

Regras para o saneamento atraem recursos para superar vergonhoso atraso no setor

Acumulam-se evidências de que o marco legal do saneamento, promulgado em 2020, já resulta em aumento de investimentos no setor, tornando mais crível a meta de alcançar a universalização da coleta e tratamento de esgoto até 2033, determinada pela nova legislação.

A tentativa estatista do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de retroceder em pontos importantes das novas regras trouxe incertezas, mas por resistência do Congresso não logrou impedir o aumento da atuação do campo privado.

Desde a entrada em vigor do marco foram realizados 28 leilões parra a prestação de serviços em 17 estados, de acordo com a associação do setor. Em conjunto, as concessionárias vencedoras terão de investir R$ 98 bilhões ao longo dos prazos das concessões.

Trata-se de um avanço importante para atingir a meta de destinar ao menos R$ 45 bilhões anuais ao saneamento, pouco acima do dobro do que era tipicamente aportado no país até 2020.

Boa notícia também é a disposição de bancos e do mercado de capitais —em última instância, famílias brasileiras— em realizar investimentos de longo prazo na área.

Duas das maiores concessionárias e operadoras privadas, Aegea e Iguá, captaram nas últimas semanas o volume recorde de R$ 9,3 bilhões por meio de debêntures, com prazos entre 18 e 20 anos e ampla distribuição para pessoas físicas em plataformas de investimentos.

Outras fontes de recursos são instituições oficiais, como o BNDES, o banco federal de fomento, e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, experientes em boa estruturação de projetos.

Com mais dinheiro, tudo indica que haverá forte aceleração da expansão da rede e do tratamento de água e esgoto nos próximos anos, desde que seja preservada a principal diretriz regulatória —ampliar opções legais e financeiras para a entrega do serviço essencial.

Ao contrário do que prega a crítica ideológica, as novas regras não privilegiam o setor privado. Governos municipais e blocos regionais podem avaliar modalidades diferentes e escolher as mais adequadas às condições locais.

O cardápio inclui concessões, parcerias público-privadas e a eventual continuidade da prestação do serviço por estatais, que precisarão provar capacidade financeira, outra exigência legal.

A centralização da definição dos padrões técnicos na Agência Nacional de Águas (ANA) também permitirá aumento de escala e eficiência.

Poucas prioridades podem ser maiores do que estender a coleta de esgoto para os 92 milhões de brasileiros (mais de 40% da população) desprovidos de conexão com a rede, segundo dados do sistema federal —que mostra, além disso, que somente 51,2% da água passa por tratamento sanitário. São números vergonhosos, que não autorizam picuinhas políticas.

Caos argentino

Folha de S. Paulo

Onda de saques a supermercados soma-se a desastre econômico e incerteza política

O bem-estar material tende a ser fator decisivo para as escolhas do eleitorado, e o caos econômico não raro descamba para a desordem social e política. Em meio ao descontrole inflacionário e ao encolhimento da renda, a Argentina experimenta hoje esse risco.

Nas primárias para a Casa Rosada realizadas em 13 de agosto, o voto de protesto proporcionou a ascensão de um candidato antissistema, Javier Milei, de um radicalismo liberal irrealista. Poucos dias depois, o país vizinho se viu às voltas com uma onda de saques populares a supermercados.

Os ataques começaram em cidades da província de Mendoza e se espalharam pelas de Córdoba, Neuquén e Río Negro, além da região metropolitana da capital Buenos Aires —onde, segundo relatos, cerca de 200 pessoas foram detidas na semana que passou.

A menos de dois meses das eleições, o desalento e o desespero são tratados à base de politização rasteira. A porta-voz da Presidência, Gabriela Cerruti, disse que os candidatos da oposição incentivaram os ataques pelas redes sociais.

A presidenciável conservadora Patricia Bullrich, que advoga o endurecimento da política de segurança pública, cobrou "lei e ordem para sair desse inferno"; o autoproclamado anarcocapitalista Milei, não sem fundamento, relacionou os saques à crise econômica.

A conjuntura é de fato calamitosa, com aumento da dívida externa, derretimento da moeda nacional e inflação acima dos três dígitos.

Segundo dados de março do Indec, o IBGE argentino, o percentual de pobres (com renda individual mensal inferior a 57.302 pesos, então R$ 774) quase dobrou em dez anos, indo de 25,9% da população em 2012 para 43,1% em 2022.

Dificilmente se poderá demonstrar o papel da radicalização política no incentivo aos saques. O fato é que o presidente esquerdista Alberto Fernández colhe, ao final de seu mandato, resultados desastrosos de uma política que evitou ajustes nas finanças federais.

A disputa presidencial se afigura imprevisível, dado o equilíbrio entre os principais candidatos, entre eles o governista Sergio Massa, ministro da Economia. A incerteza se estende à composição futura do Congresso, o que não permite prever como a Argentina tentará escapar do caos em que se meteu.

 Um Brics mais amplo, confuso e autoritário

O Estado de S. Paulo

O Brasil não ganha nada e perde muito aderindo acriticamente ao projeto de expansão da China, para quem o bloco é um veículo para promover seu confronto com o Ocidente

Na superfície, a expansão do Brics mostra força. Paradoxalmente, ela aprofunda a crise de identidade do grupo. Sua coesão – grandes países emergentes com perspectiva de forte crescimento – sempre foi potencial, enquanto suas discrepâncias econômicas, políticas e militares são reais. Ao longo dos anos, as discrepâncias aumentaram. Com o acréscimo de Egito, Irã, Argentina, Etiópia, Arábia Saudita e Emirados Árabes, aumentaram mais. Já a coesão está sendo moldada pelas ambições da China.

Geopoliticamente, essa coesão se caracterizava por uma desconfiança da ordem global arquitetada pelos países desenvolvidos. O bloco nunca teve, e nem poderia ter, dadas as discrepâncias, um modelo alternativo. Mas buscava ao menos equilibrar a balança em prol de melhores condições ao seu desenvolvimento. Esse intento dependia das promessas econômicas. Mas elas não se realizaram. Desde que o grupo foi idealizado em 2001 como uma categoria de investimento do Goldman Sachs, a economia chinesa se modernizou e cresceu fortemente, mas agora enfrenta problemas. Após a formalização do bloco, em 2009, a economia da Índia foi a que mais cresceu, mas está longe do tamanho da China. Os outros permaneceram estagnados.

A ampliação aumenta as disparidades. A economia da Arábia Saudita é rica e a única das novas seis em expansão. Os Emirados Árabes são ricos também, mas pequenos. A Etiópia é pobre, o Irã é fechado, a Argentina está quebrada. Se economicamente o Brics ficou mais heterogêneo, politicamente ficou mais autoritário. Com exceção da convoluta democracia argentina, os outros são autocracias moderadas ou fortes.

Quais teriam sido os critérios para essas escolhas? Segundo Celso Amorim, “primeiro você escolhe os países, aí depois define os critérios”. Mais preocupante que o cinismo exposto pelo mentor da política externa do presidente Lula são os verdadeiros critérios que ele disfarça. Ao fim, prevaleceram as ambições da China de institucionalizar sua liderança sobre o mundo em desenvolvimento. Para Argentina, Egito e Etiópia, o Brics é um meio de acessar investimentos e apoio chinês. Arábia Saudita e Emirados Árabes entram nos planos de Pequim de expandir sua influência no Oriente Médio. A escolha do Irã é mais do que tudo um instrumento de hostilização ao Ocidente.

O arranjo intensifica uma tensão no bloco entre, de um lado, China, Rússia e Irã, que buscam arregimentar aliados para confrontar o Ocidente, e, de outro, potências médias que buscam se manter não alinhadas, como Índia, Brasil e Arábia Saudita. A cúpula em Johannesburgo foi um triunfo para os primeiros, e deixou muitos desafios aos últimos.

Para superá-los, o Brasil precisa estreitar laços com outros países não alinhados, em especial a Índia, na qual também pode se inspirar do ponto de vista econômico e, em parte, geopolítico. A Índia tem sido bem-sucedida em equilibrar seus interesses entre a esfera sino-russa e a ocidental. Esse equilíbrio se sustenta sobre seu crescimento econômico, focado em investimentos numa economia baseada em conhecimento e tecnologia.

O Brasil foi e é o país com as melhores credenciais democráticas do Brics, e pode fortalecer sua independência e posição de equilíbrio se focar, por exemplo, em revigorar laços com os EUA, concluir o acordo Mercosul-União Europeia ou ingressar na OCDE. Mas esses propósitos têm sofrido com ruídos vindos do revanchismo ideológico do presidente Lula. “O Brasil voltou”, repete sem cessar. Mas ao palco ocidental voltou com relutância, e de Johannesburgo voltou menos relevante.

O Brics continua a oferecer oportunidades ao País. Mas a incoerência e a inoperância do grupo sempre evocaram o célebre lamento de Macbeth sobre a vida: “uma sombra errante”; “um pobre ator que se pavoneia e se aflige no palco”; um conto “cheio de som e fúria, significando nada”. Agora, há o risco de que esse conto, longe de ser “contado por um idiota”, seja moldado às ambições cada vez mais agressivas de uma superpotência autocrática. Isso significa muitas coisas. E nenhuma delas é boa para o Brasil.

Saneamento e desigualdade

O Estado de S. Paulo

Brasileiros pardos, pobres e com baixa escolaridade são vítimas da negligência do Estado de investir em redes de esgoto; situação trava desenvolvimento humano e sustentável do País

O acesso à rede de esgoto continua vergonhosamente a ser o grande mal de um Brasil em plena terceira década do século 21. Não há como conter a indignação diante da evidência já apresentada pelo IBGE de que 32,2% da população não dispunha desse serviço fundamental em 2022. Recente estudo, porém, confirma o vínculo dessa mazela à persistente desigualdade social do País. Os brasileiros sujeitos a tal condição são, em sua maioria, pardos, têm renda mensal de 25% do salário mínimo e não concluíram o ensino fundamental.

O estudo Quem não tem saneamento básico, da Associação das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon), esmiúça dados sobre o saneamento básico reunidos pela Pnad Contínua do ano passado. Consequentemente, expõe o alto grau de negligência de autoridades públicas eleitas com a promessa tácita, mesmo não proferida em comícios, de prover e garantir a dignidade e a cidadania por meio do acesso aos serviços públicos essenciais. Os dados mostram que, dentre os brasileiros sem acesso à rede de esgoto, 19,5% são crianças menores de 12 anos. Parcelas importantes do presente e do futuro do País estão condenadas, por omissão do Estado, a padecer de todos os males do despejo de dejetos em fossas, a principal das alternativas. Perpetua-se a pobreza.

O acesso à rede de esgoto, segundo o estudo, escala em paralelo à renda do cidadão, em brutal reprodução da desigualdade econômica. Dentre os brasileiros com renda de até ¼ do salário mínimo, 55,9% estão apartados das redes de coleta. O porcentual reduz para 23,1% entre os que dispõem de um a dois salários mínimos e continua caindo nas faixas seguintes. Somente 10% dos que vivem com mais de cinco salários mínimos enfrentam tal condição.

A desigualdade lastreada na raça igualmente está refletida nos dados. Se 24,1% dos brancos não têm acesso à rede de esgoto, a proporção escala nos demais grupos. Entre os pardos, alcança 40,4%; e entre os pretos, 30,6%. Os mais expostos são 44,1% dos indígenas. O nível de escolaridade pesa também, com 39% dos brasileiros que não concluíram o ensino fundamental vivendo nessas condições. Os formados em ensino superior não passam de 7,7%. O Nordeste lidera as regiões do País com 43% de pessoas sem esse serviço.

O quadro de atraso e injustiça social encontra exemplo em Vila da Barca, favela na zona central de Belém (PA) vizinha a um condomínio de alto padrão, descrita em recente reportagem do Estadão. As palafitas sobrevivem há um século, graças à negligência das autoridades públicas, e impõem a seus moradores a convivência com o lixo, o precário acesso à água e a distância da rede de coleta de esgoto. O descaso tenderia a se perpetuar, não fosse a escolha de Belém como sede da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática de 2025, a COP-30.

Não é preciso grande esforço para perceber os malefícios dessas condições físicas para a saúde e o desenvolvimento humano das pessoas – e seus custos inevitáveis para o Estado. Tampouco são necessários adjetivos para entender os impactos do lixo e do esgoto despejados das palafitas no Rio Guajará ao meio ambiente da capital paraense. Até o momento, esse é o cartão-postal da COP-30 no Brasil.

O governo Lula da Silva e seus dois sucessores, sejam quem forem, serão cobrados pelas metas criadas pelo Marco do Saneamento, assim como governadores e prefeitos. A Lei 14.020/20, que definiu as diretrizes para o setor, impôs o compromisso de extensão da rede de coleta e tratamento de esgoto a 90% dos brasileiros até 2030 e de universalização três anos depois. No Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), entretanto, falta clareza sobre a disponibilidade dos recursos prometidos para cumprir esses objetivos. Não há tempo de sobra quando se trata de brutal injustiça social. É preciso agir com urgência e eficácia. Do contrário, o desenvolvimento sustentável e humano do País continuará quimérico por mais algumas décadas – isso sem falar da eternização de uma inaceitável indecência.

Juiz de garantias é constitucional

O Estado de S. Paulo

Apesar da demora, Corte acerta ao reconhecer a competência do Congresso para legislar sobre o juiz de garantias

A conclusão do julgamento sobre a constitucionalidade do juiz de garantias pelo Supremo Tribunal Federal (STF) evidencia como a demora no julgamento de uma liminar pode ser disfuncional e antidemocrática, impedindo que a vontade do Congresso seja respeitada e devidamente aplicada. Trata-se de um caso paradigmático sobre o papel do Poder Judiciário em relação às leis aprovadas pelo Legislativo.

Em dezembro de 2019, o Congresso aprovou uma mudança na legislação processual penal, fixando que o magistrado responsável pela investigação, o chamado juiz de garantias, não deve ser o mesmo que julga a causa. A alteração reafirmava o princípio constitucional da imparcialidade do juiz e estava em linha com a legislação de outros países. Ou seja, não havia nenhuma sombra de inconstitucionalidade sobre a figura do juiz de garantias. O que havia era tão somente a necessidade de um prazo razoável para a implementação do novo modelo pelos tribunais.

Em janeiro de 2020, o então presidente do STF, ministro Dias Toffoli, mantendo a decisão do Congresso sobre o juiz de garantias, estendeu para 180 dias o prazo de sua implementação. No entanto, uma semana depois, o ministro Luiz Fux proferiu decisão liminar suspendendo por tempo indeterminado a alteração feita pelo Congresso. Segundo Fux, a regra feria a autonomia organizacional do Judiciário e impunha custos excessivos aos tribunais.

Agora, mais de três anos e meio depois, o plenário do STF julgou o caso. Com exceção de Luiz Fux, todos os ministros votaram pela constitucionalidade da figura do juiz de garantias. Segundo o colegiado, trata-se de uma opção legítima do Congresso visando a assegurar a imparcialidade no sistema de persecução penal. A Corte também entendeu que não houve violação do poder de auto-organização dos tribunais, uma vez que a União tem competência para propor leis sobre o processo penal.

É parte fundamental do Estado Democrático de Direito o controle de constitucionalidade das leis exercido pelo Judiciário. Com isso, assegura-se a prevalência da Constituição sobre todo o ordenamento jurídico. No entanto, fere radicalmente o Estado Democrático de Direito o uso desse poder de controle da constitucionalidade pelo Judiciário para fazer escolhas políticas. Juiz não é parlamentar.

Em seu voto, o ministro Luiz Fux disse que a criação do juiz de garantias feria o princípio da proporcionalidade. Segundo ele, não existe motivo para presumir a parcialidade do magistrado que atuou durante a investigação para julgar a ação penal. O argumento do ministro evidencia como é fácil recorrer a uma linguagem aparentemente jurídica – no caso, o princípio da proporcionalidade – para revisar politicamente a vontade do legislador. Com a liminar de janeiro de 2020 e mais recentemente com seu voto, Luiz Fux apenas discordou da escolha feita pelo Congresso, como se o STF fosse uma terceira casa legislativa. Felizmente, os outros dez ministros tiveram uma compreensão do papel da Corte mais alinhada com o que dispõe a Constituição.

Falta consenso à reforma administrativa

Correio Braziliense

O presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, entende que o momento é propício à retomada do debate e aprovação da reforma administrativa, construída no governo passado, o que fecharia o círculo das mudanças estruturantes

Há muito, os Poderes da República, por unanimidade, estão convencidos de que o Estado brasileiro precisa de mudanças estruturais, a fim de que seja mais eficaz e eficiente no atendimento às demandas da sociedade. Para isso, seriam necessárias as reformas da Previdência, tribuntária e fiscal. A Reforma da Previdência foi a primeira a ser aprovada em 2019. As alterações no sistema motivaram controvérsias. As Forças Armadas foram excluídas das mudanças e tiveram seus privilégios preservados. Para muitos, foi uma injustiça em relação aos servidores civis e aos trabalhadores da iniciativa privada. Nesta semana, o Congresso concluiu a aprovação do arcabouço fiscal, que vai à sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A reforma tributária, aprovada na Câmara, está em avaliação no Senado e deverá voltar à pauta de votação em outubro, na previsão do relator senador Eduardo Braga.

Diante deste novo cenário, o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, entende que o momento é propício à retomada do debate e aprovação da reforma administrativa, construída no governo passado, o que fecharia o círculo das mudanças estruturantes. Para ele, a revisão do sistema administrativo melhoraria a eficiência do Estado e seria um sinal ao mundo de que o Brasil está ingressando na modernidade. Ele assegura que os direitos conquistados pelos servidores públicos até a data da promulgação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 32 estariam preservados. Os que ingressarem depois estariam subordinados às novas regras aprovadas com a reforma.

O governo federal reconhece a necessidade de uma reforma administrativa. Mas discorda frontalmente da PEC 32. O ex-ministro e hoje presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, já declarou que o presidente Lula admite que é preciso fazer essa revisão. Mas isso não significa que a proposta em debate contemple a visão do presidente nem do Partido dos Trabalhadores. Para a legenda, é preciso construir um Estado mais eficiente, transparente e que promova a carreira dos servidores. Ou seja, a reforma não poderá conter obstáculos que impeçam a ascensão profissional e hierárquica dos profissionais que ingressarem no setor público. Outro ponto divergente é a uma abertura mais larga à terceirização de trabalhadores, como ocorre hoje.

Instituições representativas dos servidores públicos veem a PEC 32 como uma proposta de sucateamento de setores do Estado. Avaliam que ela afeta inclusive os aposentados do Executivo. Rechaçam a ideia de que os servidores recebem elevados salários e têm uma vida nabesca. Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de 2018, mostrou que a média salarial dos servidores municipais era de R$ 2.150, dos estaduais, R$ 4.150, e dos federais R$ 6.500. Valores superiores a esses são destinados aos que ocupam cargos de confiança e funções gratificadas, sem a estabilidade garantida aos servidores que não são regidos pela CLT.

Se a reforma administrativa se revela tão necessária, principalmente ante os gastos com o funcionalismo, uma vez que é fundamental rever as despesas e seria descabido elevar impostos, seria um bom momento também de estabelecer equidade salarial entre os servidores dos Três Poderes — Executivo, Legislativo e Judiciário. Todos os profissionais são remunerados pelo caixa da União, não importa ao Poder que servem. Seria uma alternativa para findar com os privilégios com custos elevados para contribuintes, sejam eles da iniciativa, sejam do setor público. Nesse pacote estariam as Forças Armadas, também formada, na essência, por servidores públicos.

 

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