O Globo
Nossas políticas habitacionais, ineficientes,
não são a solução. Mercado financeiro é mais desenvolvido e dá maior acesso ao
crédito
As classes populares anseiam por boas
moradias, em locais seguros, com acesso a serviços públicos e ao trabalho, e
que caibam bem em seu orçamento. As demandas vão muito além do chamado déficit
habitacional.
Nossas políticas habitacionais, ineficientes, não são a solução. Não só pelas restrições fiscais (vide o Minha Casa, Minha Vida – faixa 1), mas por dependerem de um custo de captação (funding) baixo, inferior à Taxa Selic, desfavorável ao poupador. No caso do FGTS, é uma poupança forçada do trabalhador com carteira. Já a caderneta de poupança vem encolhendo com a busca dos indivíduos por produtos financeiros com melhor rendimento.
O Brasil não é mais aquele dos anos 1960,
quando esses instrumentos foram criados. Hoje o mercado financeiro é mais
desenvolvido, havendo maior acesso ao crédito. A saída é aprofundar o mercado
privado, para ganhar eficiência e escala, reduzindo assim os juros cobrados.
Nesse contexto, os bancos vêm utilizando cada
vez mais instrumentos do mercado de capitais (como LCI e LIG) como funding.
O movimento tende a impulsionar a competição bancária, pois permite aos bancos
menores, sem depósito de poupança, entrar nesse mercado.
O caminho é fortalecer o financiamento
privado, por meio de medidas para reduzir as falhas de mercado. Vale recordar
os avanços proporcionados pela alienação fiduciária (o credor tem a propriedade
do imóvel até sua quitação), em 1997; pelo patrimônio de afetação (em caso de
falência da incorporadora, os compradores do imóvel podem dar continuidade à
obra, com outro construtor), em 2004; e pela lei do distrato (disciplina casos
de desistência pelo comprador), em 2014.
Mais recentemente, em 2023, a regulação do
Banco Central de registro de recebíveis imobiliários provê mais segurança ao
mercado, beneficiando especialmente as incorporadoras de médio e pequeno porte;
e o marco legal das garantias poderá dar impulso ao crédito imobiliário, pela
possibilidade de uma segunda alienação fiduciária do imóvel (torna possível
contrair novas dívidas com o mesmo credor original, tendo a casa como
garantia).
É importante, por outro lado, afastar
artificialismos que contratam crises futuras. É o caso da proposta contida no
programa Acredita. Ele cria a possibilidade de o banco repassar a carteira
imobiliária para a empresa estatal Emgea, que fará sua securitização
(transformar em títulos de investimento, para venda ao mercado). Sem fortes
restrições, o programa poderá virar uma bola de neve de financiamentos de
elevado risco, e a conta irá para o erário.
A maior participação do setor privado precisa
ir além do financiamento. São necessários marcos jurídicos adequados para
viabilizar a maior oferta de moradia, dirimindo três problemas principais.
Primeiro, o elevado custo da construção. A
adoção do IVA poderá contribuir para elevar a eficiência produtiva e a (baixa)
produtividade do setor. As regras tributárias atuais penalizam a construção
civil industrializada, mais eficiente. Segundo, o preço da terra é muito
elevado em algumas regiões, principalmente onde é maior a presença da
agropecuária.
Isso demanda políticas de uso e ocupação do
solo para aumentar o adensamento urbano, o que também ajudaria a preservar o
meio ambiente. Terceiro, há grandes vazios urbanos por conta de regulações
inadequadas, muitas vezes resultantes de pressão de grupos (por exemplo,
associações de bairros que rejeitam qualquer verticalização). Com a
justificativa de conter efeitos indesejados do adensamento, ignoram os efeitos
colaterais da rigidez regulatória.
Regulações excessivas e equivocadas, como nas
regras de zoneamento, funcionam como um imposto regulatório, ensina Edward
Glaeser, encarecendo bastante os preços das moradias em relação ao custo de
construção de uma nova unidade. Nas regiões mais reguladas, a oferta de imóveis
pouco responde à maior demanda, elevando preços e criando vazios urbanos.
Ao final, o alto preço das moradias dificulta
a mobilidade de pessoas para regiões com maiores produtividade e salários — a
propósito, as políticas habitacionais deveriam ter maior flexibilidade, sem
impor onde o mais pobre deve morar.
Esses pontos provavelmente explicam as
grandes manchas urbanas — na Grande São Paulo, perto de 80% das residências são
casas —, com moradias inadequadas do ponto de vista econômico, social e
ambiental, causando a baixa qualidade de vida de muitos.
Um comentário:
Quem sabe,sabe!
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