A economia brasileira nos anos recentes passou por dois períodos distintos: de 2004 a 2010, com taxa de crescimento médio do Produto Interno Bruto (PIB) de 4% e inflação média de 5,35% e de 2011 a 2012, com taxa de crescimento médio de 1,8% e inflação média de 6,14%.
O fato mais notável é que no segundo período a taxa de crescimento média caiu substancialmente, mas a taxa de inflação não cedeu, ao contrário, acelerou ligeiramente. Quais as causas desse fenômeno?
De 2004 a 2010, a economia brasileira acelera o crescimento impulsionado por dois choques exógenos. Inicialmente tivemos um "mini boom" de exportações de manufaturados, de 2002/2003 a 2005/2006, como resposta à desvalorização do real em janeiro de 1999, utilizando-se da significativa capacidade ociosa existente nesse período. Isso gera um forte impulso dinâmico na indústria, acelerando o crescimento do PIB, que por sua vez, gera significativa recuperação da demanda doméstica. Segundo, tivemos o choque dos preços das commodities em 2003/2004, que vem do mercado internacional. O terceiro elemento dinâmico, também a partir de 2004, vem da mudança estrutural no mercado de trabalho e da sua dinâmica, com a redução em termos absolutos da população jovem em busca de seu primeiro emprego. Os salários na base da pirâmide passam a aumentar, dando um novo dinamismo à demanda doméstica em recuperação, com a incorporação de milhões de trabalhadores ao mercado de consumo.
Aceleração dos preços gerada pelo setor de serviços não é passageira; ela será mais persistente
Neste primeiro período, a inflação é alta pelos padrões internacionais, mas permanece sob controle, pois a taxa de desemprego é elevada, cerca de 11,5%, em 2004. Ainda nesse período, a taxa de câmbio passa a apreciar sistematicamente, em função da elevada taxa de juros doméstica, contribuindo também para conter a inflação. A persistência da inflação se deve principalmente ao elevado grau de indexação ainda existente na economia.
Entretanto, ainda a partir de 2004 a taxa de câmbio passa a apreciar sistemática e excessivamente até meados de 2011. Isso provoca uma segunda onda de desindustrialização, com o valor adicionado da indústria de transformação perdendo participação no PIB, de 19,2%, em 2004, para apenas 13,3% em 2012. Nesse mesmo período, o setor de serviços avança de 63% do PIB para 68,5% do PIB, particularmente com o avanço da "Administração, saúde e educação publica" de 14,7% para 16,9% do PIB. Com a apreciação da taxa de câmbio não é mais a indústria de transformação que comanda o crescimento, mas o setor de serviços. Esse setor cresceu em média 4,5% ao ano, sendo que dois terços da sua expansão são pela absorção da força de trabalho e um terço pelo aumento da produtividade.
Essa mudança é profunda e estrutural. Sabemos que a taxa de câmbio é um preço relativo e que apreciada encarece relativamente os bens de serviços do setor de "non tradables", não sujeitos a competição das importações, que se tornam mais baratas com apreciação do câmbio. Por isso mesmo, reduz relativamente os preços de bens produzidos do setor de "tradables", sujeitos à competição externa. As empresas respondem a essa mudança nos preços relativos encolhendo, ou seja destruindo a capacidade produtiva no setor de "tradables" e transferindo recursos para o setor de "non tradables". Assim, enquanto o numero de trabalhadores empregados no setor de "tradables" caiu 2,1%, entre 2004 e 2009, no setor de "non tradables" aumentou 15,5%, no mesmo período. Investimentos produtivos são destruídos e a estrutura produtiva sofre mudanças de difícil reversão. Em outras palavras, um período prolongado de taxa de câmbio excessivamente apreciada, ao mudar a alocação de recursos provoca, na verdade, mudanças na estrutura produtiva e na sua dinâmica, portanto tanto do crescimento, como da inflação. A expansão do setor de "non tradables", especialmente serviços pessoais, puxados pela expansão dos salários, como vem ocorrendo no Brasil nos últimos anos, gera externalidades muito limitadas e se dá predominantemente com a absorção de mão de obra e pouca inovação tecnológica. O resultado é que a taxa potencial de crescimento da economia sofre redução. O próprio setor de serviços acaba perdendo dinamismo e reduziu sua taxa de crescimento de 4,5%, de 2004 a 2010, para 2,4% em 2011/2012.
Em relação à dinâmica da inflação, a apreciação cambial acaba provocando efeitos perversos. No curto prazo, a apreciação permite controlar a inflação, pois o setor de "tradables" (indústria de transformação) tem os preços contidos pela invasão de importados. Mas no médio prazo, ao alocar recursos produtivos no setor de "non tradables" (setor de serviços), num novo contexto em que aproximamos do pleno emprego, as pressões salariais e de outros custos são aceitas e são facilmente repassadas aos preços finais.
A inflação do setor de serviços tem estado num patamar de 9%. A pressão salarial e de custos dos serviços se tornam generalizadas e daí a aceleração na inflação. Lembremos também que a taxa de desemprego em dezembro de 2012 atingiu 4,6%, o nível mais baixo registrado pelas nossas estatísticas. Este é o quadro que vivemos atualmente: baixo crescimento, estagnação da produtividade e aceleração da inflação. Claramente a inflação tem um componente estrutural e não será a simples elevação da taxa de juros que removerá a sua causa mais profunda. Será preciso muito mais. Aceleração da inflação devido à pressão dos preços dos alimentos e dos combustíveis é passageira, mas a gerada pelo setor de serviços será persistente.
Yoshiaki Nakano, mestre e doutor em economia pela Cornell University. Professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (EESP/FGV). Ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP).
Fonte: Valor Econômico
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