O Globo
O pacote de socorro de R$ 30 bilhões aos
setores afetados pelo tarifaço de Donald Trump,
lançado ontem pelo presidente Lula,
foi a atitude mais enfática de reação até agora. Publicamente, o empresariado
agradeceu e celebrou. Nos bastidores, porém, vários continuam insistindo que
Lula precisa também “fazer um gesto” e buscar um canal com a Casa Branca. O
gesto seria um telefonema a Trump, que acreditam ter o condão de destravar as
negociações.
Para os empresários, o telefonema se tornou quase um fetiche. Para a oposição, um espantalho para desviar a atenção sobre a responsabilidade do bolsonarismo na crise.
Seja como for, não vai rolar. Em 1º de
agosto, Trump disse que, se Lula ligasse, ele atenderia. Cinco dias depois, o
brasileiro afirmou: “O dia em que a minha intuição me disser que o Trump está
disposto a conversar, eu não terei dúvida de ligar para ele. Mas hoje a minha
intuição diz que ele não quer conversar. E eu não vou me humilhar”.
A explicação do Itamaraty para essa postura é
que um telefonema entre chefes de Estado não pode ser improvisado. Normalmente,
é o último ato de uma negociação — não o início.
Aí é que a coisa pega. Muitos atores
envolvidos na crise, especialmente os exportadores, não enxergam nenhum avanço
nas tratativas, nem nos bastidores. Quando se pergunta sobre isso aos
auxiliares de Lula, a resposta em geral é evasiva. Dizem que há intermediários
atuando — empresários, políticos, think tanks —, mas que, para funcionar, o
esforço tem de ficar em segredo.
Mais fácil acreditar no assessor especial de
Lula para a política externa, Celso Amorim,
em entrevista no Roda Viva: “Houve busca de contatos, mas não se encontrou
ainda um caminho”.
E isso mesmo depois da reunião do último dia
30 entre o chanceler Mauro Vieira e
o secretário de Estado, Marco Rubio, em Washington.
Também não dá para entender qual é a
estratégia brasileira para abrir brechas na barreira erguida por Trump — se é
que ela existe.
O visível são telefonemas de Lula aos líderes
da Rússia, Vladimir
Putin, da Índia, Narendra Modi,
e da China, Xi Jinping —
sugerindo que se pretende contornar Trump via Brics,
que ele abomina, e não tentar uma negociação. Embora negue ser esse o
propósito, o próprio Amorim afirma que “diversificação é o novo nome da
independência”, que o Brasil não se
humilhará e que felizmente nosso comércio internacional não é tão dependente
dos Estados
Unidos como o do Canadá ou México.
Tudo isso preocupa porque, por mais crítica
que seja a situação, ela ainda pode piorar bastante. Estamos a um mês do
julgamento de Jair
Bolsonaro. Pelo menos até lá a ofensiva deve continuar.
Ontem mesmo foram cancelados os vistos dos
ex-auxiliares de Dilma
Rousseff que implantaram o Mais Médicos e possivelmente até do
ministro da Saúde, Alexandre
Padilha, responsável pelo programa na gestão da ex-presidente. Eduardo
Bolsonaro continua trabalhando para estender as sanções
financeiras da Lei Magnitsky à mulher de Alexandre de
Moraes e a outros ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Não é absurdo supor que Trump deva seguir nessa toada até as eleições de 2026,
na tentativa de minar o capital político de Lula e de pôr um aliado na
Presidência do Brasil.
Isso de forma nenhuma significa que o país
deva abrir mão de sua soberania ou negociar decisões judiciais, mas tão certo
quanto a escalada do bullying trumpista é que, quando se trata do interesse
econômico, reina o pragmatismo. Não foi outra a razão para as exceções abertas
no tarifaço. Considerando que está em curso por lá uma investigação sobre
práticas desleais que pode acabar até com sanções ao Pix, não há outra opção a
não ser negociar.
“É preciso que alguém que tenha influência
real sobre o presidente Trump diga para ele: ‘Olha, é preciso que negocie com o
Brasil’”, disse Amorim no Roda Viva.
Lula não tem intermediários na política, mas
pode encontrá-los no empresariado. Um bom exemplo entre os brasileiros é
a JBS,
de seu amigo Joesley
Batista, que doou US$ 5
milhões para a posse de Trump e tem mais de 65 mil funcionários
nos Estados Unidos.
Talvez nenhum outro setor tenha mais
influência sobre o governo Trump que as big techs. O Brasil é um mercado
relevante para elas, que há meses buscam formas de atenuar as ações do governo
Lula e do próprio Supremo na regulação das redes.
Um grupo de representantes das plataformas se
reuniu com o vice-presidente Geraldo Alckmin há algumas semanas. O encontro
despertou tanto interesse que o secretário de Comércio de Trump, Howard
Lutnick, teve uma conversa prévia com Alckmin ao telefone. Talvez esteja aí uma
saída para virar o jogo. O que não dá é para considerá-lo perdido antes mesmo
de começar.
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