Se o governo está realmente interessado em manter o teto de gastos, terá que ser mais criativo ao modernizar o sistema tributário e mais firme ao reformar o Estado
O novo secretário do Tesouro, Bruno Funchal, deu esclarecedora entrevista a este jornal, publicada no dia 17 passado. Nela, Funchal defendeu com vigor a manutenção do teto de gastos e disse, com razão, que um eventual abandono desse mecanismo de controle da despesa pública destruirá empregos em vez de gerá-los. É o exato oposto, portanto, do que advogam os partidários da gastança disfarçada de “política anticíclica”; para estes, apenas o aumento sem limites dos gastos estatais será capaz de estimular a economia abalada pela pandemia de covid-19 e dar o impulso necessário à retomada das contratações.
Como explicou o secretário, da maneira mais didática possível, só se pode falar em políticas de estímulo econômico “num país consolidado fiscalmente”, que gere “confiança no longo prazo”. Antes do estabelecimento do teto de gastos, em 2016, os investidores que se dispunham a comprar títulos brasileiros “não conseguiam fazer as contas, projetar as despesas futuras” do governo. “Isso é um componente de risco e refletia nos juros”, isto é, o prêmio pelo investimento tinha de ser mais alto para compensar essa incerteza referente ao equilíbrio fiscal. “Agora todo mundo sabe fazer a conta com o teto”, explicou Bruno Funchal.
Todo mundo mesmo, a começar pelos próprios cidadãos, que devem ser envolvidos na discussão democrática sobre as reais prioridades orçamentárias do País. O problema, contudo, é que o governo, como reconhece o próprio secretário, precisa explicar melhor os benefícios do teto e reiterar que os limites para os gastos públicos não prejudicam políticas sociais – ao contrário, são esses limites que asseguram a sustentabilidade de tais políticas e também dos investimentos indispensáveis para impulsionar a economia.
O equilíbrio fiscal, portanto, não é um fim em si mesmo. É, com efeito, o único meio para manter a inflação e os juros baixos e, assim, estimular investimentos e o mercado de trabalho. Contudo, não se pode falar em manutenção do teto de gastos sem as reformas que ajudariam a interromper a escalada de despesas obrigatórias e também a melhorar a arrecadação.
A reforma da Previdência já foi feita, o que adiou o estouro do teto de gastos, mas foi claramente insuficiente. É preciso, por exemplo, realizar uma ampla reforma que facilite a administração do serviço público, hoje engessado em regras que cristalizam privilégios mesmo em situações calamitosas, como a atual. O problema é que o governo não parece muito disposto a tocar nesse vespeiro.
Já a discussão sobre a reforma tributária, cada vez mais bizantina, finalmente parece ter ganhado algum novo impulso nos últimos dias. Aparentemente o governo está finalizando uma proposta e pode enviá-la em breve ao Congresso – mas, neste caso, é preciso fazer como São Tomé e esperar para ver.
O que emergiu, por ora, oscila entre o razoável e o preocupante. Discute-se a necessária unificação de tributos sobre o consumo, mas o ministro da Economia, Paulo Guedes, voltou a falar de um imposto sobre transações digitais e movimentações financeiras – que leva todo jeito de ser uma CPMF 2.0. Ora, reviver o famigerado imposto que incidia sobre transações financeiras não é reforma tributária; é apenas um danoso remendo para enfrentar a espiral dos gastos públicos sem cortar despesas.
A CPMF foi criada em meados dos anos 90 com a desculpa de que era preciso encontrar meios de financiar a saúde. O argumento para ressuscitá-la agora é ter meios de financiar a retomada da economia depois da pandemia. O imposto original – um monstro cobrado em cascata, que afetou a produtividade e castigou os mais pobres – acabou se prestando ao financiamento não da saúde, mas de uma máquina estatal cada vez maior e mais dispendiosa. O novo imposto, se vier, certamente terá o mesmo fim.
Ou seja, se o governo está realmente interessado em manter o teto de gastos, terá que ser mais criativo ao modernizar o sistema tributário e mais firme ao reformar o Estado e a administração pública. A trajetória da dívida, que caminha para 100% do PIB em 2022, não permite brincadeiras.
Nenhum comentário:
Postar um comentário