Dar novo fôlego a uma postura negacionista é insistir num erro com consequências potencialmente prejudiciais
Caiu como um balde de água fria sobre o governo a divulgação, no fim da semana passada, de um estudo publicado na revista "Science" segundo o qual até 22% das exportações que saem da Amazônia e do cerrado brasileiros para a União Europeia podem ter áreas desmatadas ilegalmente como origem. O Ministério da Agricultura logo se prontificou a avaliar e responder cada conclusão do documento - uma iniciativa muito bem-vinda neste momento em que o governo deve empenhar todos os esforços para combater a destruição do meio ambiente, ao mesmo tempo em que trabalha para evitar que se criminalize a agropecuária brasileira.
Entitulado “The Rotten Apples of Brazil’s Agribusiness” (“As maçãs podres do agronegócio do Brasil”, na tradução para o português), o estudo utilizou dados da safra entre 2016 e 2017 e cruzou informações de 815 mil propriedades rurais. Os autores sustentam que, a partir desse cruzamento de dados, é possível identificar quais fazendas em áreas desmatadas ilegalmente exportaram para a União Europeia. Segundo o documento, 2 milhões de toneladas de soja produzidas em áreas desmatadas ilegalmente podem ter chegado aos portos europeus nesse período. Desse total, 500 mil toneladas teriam sido produzidas em fazendas localizadas na Amazônia.
O estudo apontou ainda que cerca de 4,1 milhões de cabeças de gado negociadas com frigoríficos que exportam para a UE teriam sido criadas em propriedades que podem ter sido alvo de desmatamento ilegal.
Deve-se aguardar o contraponto da área técnica do governo para que os resultados da pesquisa possam ser analisados com maior frieza e objetividade, também a partir de informações oficiais pormenorizadas. De qualquer forma, a divulgação do estudo acabou por colocar novamente o governo na defensiva.
Ele foi divulgado pouco tempo depois de o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, e diversos ministros de Estado realizarem uma série de gestões para tentar apresentar as medidas que estão sendo tomadas pelo governo para combater o desmatamento ilegal. Essa ação coordenada a partir do Palácio do Planalto vinha se mostrando mais do que urgente, depois que finalmente integrantes do Executivo se convenceram de que os fatores ambientais entraram de vez na agenda do setor produtivo e do mercado financeiro.
Nos últimos dias, o governo lançou um ambicioso programa de pagamento por serviços ambientais. A ideia é assegurar que os habitantes locais e empresas possam ter instrumentos eficientes para serem remunerados pela proteção da floresta nativa, por exemplo.
Na sequência, conforme o Valor antecipou em sua edição do último dia 8, o Executivo também adotou nova moratória em relação às queimadas na região da Amazônia. Os embaixadores de diversos países estão sendo procurados para receberem explicações.
Medidas concretas, mas que não reduzem os gigantescos desafios do governo Jair Bolsonaro em sua missão de proteger a floresta amazônica e os demais biomas brasileiros.
Ainda que o estudo publicado pela revista “Science” tenha sido encarado em diversos gabinetes em Brasília como mais um ingrediente de uma batalha de narrativas, destoou novamente a postura do presidente Jair Bolsonaro na comparação com o comportamento de outros integrantes do primeiro escalão de sua administração. Em sua tradicional transmissão semanal nas redes sociais, o chefe do Poder Executivo afirmou que a Europa é uma “seita ambiental”.
Por sua vez, o vice-presidente evitou desqualificar o estudo e assegurou que o Ministério da Agricultura analisaria os dados para se contrapor a eles ou “esclarecer melhor o que está colocado ali”. Foi exatamente o que a pasta anunciou que faria horas depois. Mourão preside o Conselho da Amazônia e a pasta da Agricultura reagiu rapidamente para tentar reduzir os potenciais prejuízos do setor. Já Bolsonaro novamente parece ter discursado para sua base eleitoral mais radical.
É sabido que os concorrentes dos produtores brasileiros citam a destruição da Amazônia como um argumento para proteger mercados. No entanto, mesmo que seja compreensível o pedido do governo para que os dados do estudo sejam analisados com calma, dar novo fôlego a uma postura negacionista é insistir num erro com consequências potencialmente prejudiciais aos interesses do Brasil.
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