- Folha de S. Paulo
Militares parecem ter achado que desfrutariam das vantagens de ser governo sem assumirem as responsabilidades
Em 1986, o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), que atuava clandestino dentro do PT, tentou assaltar um banco em Salvador. Presos, os militantes disseram que seu objetivo era arrecadar fundos para a Revolução Nicaraguense.
Foi um enorme constrangimento para o PT, que imediatamente expulsou os radicais e passou os 15 anos seguintes tentando provar que havia moderado suas posições o suficiente para presidir a República. Moderaram, presidiram.
Agora imaginem o tamanho do erro que o PT teria cometido se, em 2002, depois de todos esses anos dando mostras de moderação, decidisse lançar para presidente não o Lulinha paz e amor, mas um dos assaltantes de Salvador que nunca tivesse dado qualquer sinal de arrependimento.
Imagine o desastre que seria o governo do maluco, os esforços diários que os dirigentes petistas teriam que fazer para tentar impedi-lo de distribuir as armas do Exército para os centros acadêmicos de ciências sociais. Imagine o problema para o PT se o fã dos sandinistas resolvesse adotar o mesmo descaso que Daniel Ortega vem demonstrando diante da pandemia na Nicarágua.
Mais ou menos na mesma época do assalto de Salvador, ocorreu mais um ato tardio de extremismo político no Brasil. O capitão do Exército Jair Messias Bolsonaro foi acusado de planejar explodir bombas em unidades militares no Rio de Janeiro.
E quem os militares, que haviam demonstrado moderação e respeito à democracia por quase 30 anos, resolveram lançar para presidente quando a oportunidade de eleger alguém surgiu?
Pensavam que poderiam controlá-lo, mas subestimaram Bolsonaro, e superestimaram a própria habilidade. O vice-presidente Hamilton Mourão tem razão quando diz que Bolsonaro não fez sua formação intelectual no Exército. Bolsonaro fez sua formação intelectual no baixo clero da política carioca, na escola Jorge Picciani, na escola Eduardo Cunha. Em termos de manobra de baixo clero, Bolsonaro tem um dos poucos PhDs do primeiro escalão que não é falso.
Gabriela Prioli notou o padrão em um vídeo de 16 de julho: ao colocar Pazuello na Saúde, Bolsonaro amarrou seu fracasso na pandemia ao Exército. É isso que Gilmar Mendes tentou avisar: Bolsonaro está usando as Forças Armadas como refém enquanto foge da Justiça. Ele quer criar uma situação em que, se for para o banco dos réus, vá na companhia de oficiais do Exército. E torce para que ninguém tenha coragem de mandar generais para a prisão.
Alguém pode reclamar, bom, mesmo assim, o Gilmar não podia ter usado o termo “genocídio”. Conrado Hübner Mendes mostrou que há argumentos para discutir genocídio no caso específico das tribos indígenas. Quem Bolsonaro colocou como responsável pela Amazônia, general Mourão?
Os militares parecem ter achado que desfrutariam das vantagens de ser governo sem assumirem as responsabilidades, sem virarem vidraça. Nem todo mundo sabe ser PMDB, senhores.
Ao que parece, Bolsonaro finalmente conseguiu realizar seu objetivo de juventude: colocou uma bomba nos quartéis. O exercício de desarmá-la exigirá responsabilidade, cuidado, e será mais um teste de estresse para a institucionalidade brasileira. Enquanto isso, a curva do número de mortos permanece estável em mais de mil brasileiros mortos por dia.
*Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
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