Ainda que tenha sido suspensa, a
promoção em massa de 607 procuradores federais num único dia revelou um sistema
disfuncional, a merecer pronta reforma
Diante da repercussão negativa, a Advocacia-Geral da União (AGU) suspendeu a promoção em massa de mais de 600 procuradores federais do órgão à categoria especial. A decisão do procurador-geral federal, Leonardo Lima Fernandes, impediu que se concretizasse uma gritante anomalia funcional, que faria com que, dos 3.783 procuradores federais, 3.489 (92%) estivessem no topo da carreira. Mas, ainda que tenha sido suspensa, a promoção em massa de 607 procuradores federais num único dia revelou um sistema disfuncional, a merecer pronta reforma.
Decretada no dia 18 de setembro, a promoção em
massa padecia de três grandes problemas. Em primeiro lugar, o progresso na
carreira deve se dar de forma individual, caso a caso, como consequência de uma
avaliação sobre o desempenho de cada servidor. Diante de uma medida tão ampla –
segundo a AGU, 304 dos 607 procuradores foram promovidos por merecimento –,
resta patente que a avaliação individual não teve especial peso na decisão
sobre a promoção de cada servidor.
O segundo problema relaciona-se às regras de
promoção por antiguidade. De acordo com a portaria da AGU, 307 dos 607 procuradores
federais foram promovidos pelo critério do tempo de serviço, e quase todos eles
foram alçados ao topo da carreira. Há aqui evidente desproporção, causada em
boa medida por mudanças feitas nas regras internas entre 2012 e 2014. Segundo a
norma vigente, a cada cinco anos que um procurador federal está no cargo,
abre-se uma vaga para a sua promoção à categoria acima. A vaga é aberta em
função da pessoa, e não das necessidades do órgão. Por essas regras, apenas 8%
dos integrantes da Procuradoria-Geral Federal estão na base da categoria, com
remuneração de R$ 21 mil. A categoria especial recebe R$ 6,1 mil a mais.
O terceiro problema é que, a rigor, a portaria da
AGU com a nomeação em massa não foi ilegal. Assim reconheceu o procurador-geral
federal na decisão que suspendeu a portaria. “Todos os atos praticados neste
procedimento revestiram-se de legalidade, praticados nos estritos termos da Lei
Complementar 73/1993, da Lei 10.480/2002 e da Portaria AGU 460/2014”, disse
Leonardo Lima Fernandes. Ou seja, tem-se um sistema disfuncional, cujas regras
não impedem um disparate dessa ordem. Mais de 90% de uma categoria profissional
encontra-se no topo da carreira. A AGU assinala que, considerando os cargos não
preenchidos, o porcentual dos servidores no topo da carreira ficaria em 79% – o
que reduz um pouco o número, mas confirma o desajuste.
Como se estivesse a ratificar a necessidade de
profunda reforma dessas carreiras, o presidente da Associação Nacional dos
Advogados Públicos Federais (Anafe), Marcelino Rodrigues, afirmou, antes da
suspensão da portaria, que a promoção de 607 procuradores federais num único
dia “é um procedimento-padrão”. Segundo Rodrigues, “não houve nenhuma criação
de vaga excepcional”.
Em 2017, foram promovidos 79 procuradores; em 2018,
69; e em 2019, 83. Agora seriam 607 beneficiados. O presidente da Anafe negou,
no entanto, que a promoção em massa estivesse ligada à preocupação com a
tramitação da reforma administrativa no Congresso. Em setembro, o governo
federal encaminhou ao Congresso proposta de emenda constitucional (PEC) com
alterações nas regras relativas ao funcionalismo. Ainda que o texto original do
governo não mexa com as carreiras dos atuais servidores, há possibilidade de
que emendas do Congresso as incluam na reforma. Neste caso, a promoção foi
suspensa, mas fica evidente a habilidade de corporações de servidores públicos
para antecipar-se a legislações futuras mais rígidas, garantindo benefícios.
Diante de regras tão disfuncionais, que permitem a
promoção num só dia de 607 procuradores federais, é bom lembrar o art. 37 da
Constituição, dispondo que “a administração pública direta e indireta de
qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência”. Esse é o critério.
Falta de compromisso do governo com
reforma no setor público anima corporações a buscar vantagens
Quanto mais o governo e o Congresso vacilam diante da necessidade de frear o crescimento dos gastos públicos, mais as corporações que disputam os recursos do Tesouro sentem-se à vontade para puxar o cobertor e proteger seus interesses.
No último dia 18, a Advocacia-Geral da União (AGU)
promoveu centenas de procuradores ao topo da carreira, de um vez. A medida logo
foi suspensa, dada a péssima repercussão, mas o órgão lembrou que
as promoções apenas seguiram o que a legislação atual determina.
Um de cada quatro servidores do Poder Executivo
poderá ampliar seus ganhos dessa forma até dezembro, usufruindo benefícios que
garantem progressão salarial automática, a um custo
estimado em R$ 500 milhões somente neste ano.
As promoções, que em muitos casos independem de
avaliações do desempenho dos funcionários, representam uma distorção que tem
contribuído de forma expressiva para a expansão dos gastos com pessoal no setor público.
Embora uma medida aprovada no auge da pandemia do
coronavírus tenha congelado os salários dos servidores até o fim de
2021, impedindo reajustes dos seus vencimentos, os demais benefícios previstos
em lei foram mantidos.
O crescimento desenfreado das despesas com
servidores diminui a margem de manobra na gestão do Orçamento, ampliando a
pressão sobre o teto dos gastos e reduzindo recursos disponíveis para
investimentos e programas sociais.
O presidente Jair Bolsonaro apresentou ao Congresso
uma proposta de reforma administrativa para atacar o
problema, mas não há como as regras serem aplicadas aos atuais servidores, o
que significa que só surtirão efeito no longo prazo.
Além disso, a proposta soa tímida diante dos desafios
a enfrentar --especialmente por excluir juízes, militares e outras categorias
entre as mais bem pagas do setor público.
Bolsonaro e seus aliados no Parlamento não cansam
de demonstrar sua disposição para ceder a pressões do funcionalismo e evitar
criar ruído em meio à campanha eleitoral nos municípios.
Na terça (22), o Congresso aprovou uma medida
provisória apresentada pelo governo que permitirá reajustar salários e benefícios de policiais do
Distrito Federal e dos antigos territórios, Amapá, Rondônia e Roraima, pagos
pelo Tesouro.
Surgem também iniciativas como a do Conselho
Nacional de Justiça, que busca excluir do teto verbas arrecadadas a título
de custas processuais. Se a ideia vingar, é
possível que mais de R$ 500 milhões sejam liberados por ano para gastos dos
tribunais, inclusive com salários.
Diante da falta de compromisso do governo com a
necessidade de mudanças, fica fácil entender por que propostas assim ganham
tração.
População continua refém do impasse no INSS – Opinião | O Globo
Queda de braço entre governo e funcionários emperra atendimento
a quem precisa de perícia médica
Após
quase seis meses fechadas, as agências do INSS reabriram no último dia 14 para
prestar alguns serviços, como a perícia médica, de que dependem 790 mil
processos em todo o país. Quem acreditou no governo e agendou pelo telefone,
site ou aplicativo deu de cara na porta. A maior parte dos peritos não
compareceu, alegando que as unidades reabertas não se adequaram aos protocolos
de segurança para prevenir a Covid-19. Num sintoma do tratamento que o INSS
dispensa a seus segurados, duas semanas depois, apesar do aumento no número de
peritos, o serviço ainda não foi totalmente regularizado.
No
dia 23, o juiz Márcio de França Moreira, da 8ª Vara Federal Cível do Distrito
Federal, concedeu liminar à Associação Nacional dos Médicos Peritos (ANMP),
suspendendo o retorno às agências e proibindo corte no ponto, como cogitara o
governo.
Porém,
na última quinta-feira, o desembargador Francisco de Assis Betti, do TRF1,
atendendo a um pedido da Advocacia-Geral da União (AGU), suspendeu a liminar,
determinou o retorno dos peritos e criticou a judicialização do caso. Para ele,
“cabe à administração a tomada das decisões estratégicas para a retomada
gradual e planejada dos serviços públicos”. Nem essa decisão, contudo, acabou
com o impasse.
Para
tentar minimizar o problema, na sexta-feira o ministro Bruno Dantas, do
Tribunal de Contas da União (TCU), deu cinco dias ao INSS para que o órgão
elabore protocolo prevendo perícia com uso da telemedicina.
É
evidente que, em se tratando de atendimento presencial numa pandemia, as
agências do INSS precisam oferecer condições de segurança, tanto a segurados
quanto a funcionários. Mas não se pode acreditar que isso seja problema para um
órgão do governo. Os protocolos para prevenção da Covid-19 são conhecidos e,
desde junho, quando estados e municípios deram início a planos de
flexibilização, passaram a ser rotina em tudo quanto é lugar.
Convém
lembrar que a perícia é serviço essencial. Num momento em que se discute a
reforma administrativa, o caos no INSS expõe de forma contundente a qualidade
precária do serviço público, dominado por corporações que levam em conta apenas
seus próprios interesses. A população se torna a maior vítima desses embates.
Centenas de doentes, com perícias agendadas, têm ido às agências em vão. Gastam
dinheiro no transporte, se sacrificam, perdem tempo e, por vezes, voltam sem
atendimento — e ninguém parece se comover com esse drama.
EUA deveriam servir de inspiração na escolha de nome para Supremo – Opinião | O Globo
Bolsonaro tem de olhar credenciais jurídicas além das
ideológicas — e o Senado precisa exercer seu papel
A
aposentadoria do ministro Celso de Mello, no próximo dia 13, põe Jair Bolsonaro
diante da primeira escolha de um nome para o Supremo Tribunal Federal (STF).
Como de praxe, a indicação passará pelo Senado, que precisa aprová-la por
maioria absoluta. Não é, na essência, diferente do que ocorre nos Estados
Unidos, onde Donald Trump indicou Amy Coney Barrett à vaga aberta na Suprema
Corte com a morte da juíza Ruth Bader Ginsburg. Ainda assim, há uma distância
sideral entre as duas Cortes.
Nos
Estados Unidos, a Constituição não faz exigência sobre os indicados, mas a
tradição é outra: desde 1945, 70% eram juízes. Dos 25 desde Richard Nixon, 20
vieram, como Barrett, das cortes de circuito (tribunais regionais). Apenas
William Rehnquist, procurador-geral assistente de Nixon, e Elena Kagan,
advogada-geral de Barack Obama, ocupavam cargos da confiança de quem os
indicou, nenhum dos dois subordinado direto.
O
contraste fica ainda maior quando se examina o papel do Senado. Nos Estados
Unidos, os senadores promovem sabatinas exaustivas. Dos 163 indicados desde
1789, 37 não foram aprovados (11 rejeitados em votação — o último, em 1987, foi
Robert Bork). No Brasil, das 168 nomeações da República, cinco foram
rejeitadas, todas no governo de Floriano Peixoto, que entrou em conflito com o
Parlamento. Faz 126 anos que a aprovação no Senado tem sido mera formalidade.
Não
deveria ser assim. Tanto o presidente quanto os senadores deveriam cuidar
melhor da qualificação de quem integra a mais alta Corte do país. Ter
inclinações afins, privar da confiança do presidente ou, como disse Bolsonaro,
ser “terrivelmente evangélico” não são critérios aceitáveis. Nem basta ser
bacharel em Direito. É razoável que um presidente indique alguém com quem tenha
identificação ideológica, mas é preciso escolher um nome que alie reputação
acadêmica e jurídica sólida à experiência na magistratura.
Aceite-se
ou não o oportunismo da indicação de Trump a 38 dias da eleição, goste-se ou
não de Barrett, ninguém pode contestar a capacitação dela. Basta ouvir o que
diz o jurista liberal Noah Feldman: “Estou confiante em que Barrett será uma
boa ministra, talvez até uma grande ministra — mesmo que eu discorde dela o
tempo todo”. Desta vez, buscar inspiração em Trump ajudaria Bolsonaro.
Mais modesta, agenda de privatizações pode andar – Opinião | Valor Econômico
De nada adianta queimar etapas e inflar planos ou anúncios que não saem do discurso
Pode-se alimentar um otimismo cauteloso, bastante cauteloso, mas de toda forma otimismo, com a agenda de privatizações do governo federal. Megalomanias trilionárias foram trocadas por uma postura “pés no chão” do secretário especial de Desestatização do Ministério da Economia, Diogo Mac Cord, que assumiu o cargo no fim de agosto. Ele substituiu o empresário Salim Mattar, que levou a Brasília o ímpeto do setor privado, mas não conseguiu transformar sua exitosa trajetória no mundo corporativo em liderança na máquina pública e necessária costura política com o Congresso Nacional.
Tão novato na administração federal quanto seu antecessor na secretaria, Mac Cord tem um histórico negociador de sucesso com deputados e senadores. Ele foi designado, pelo ministro Paulo Guedes, como interlocutor da equipe econômica com os congressistas nas discussões do novo marco legal do saneamento - o avanço legislativo mais importante, junto com a reforma da Previdência, do atual governo. Na semana passada, em entrevista ao Valor, o secretário demonstrou foco ao colocar os Correios no topo da lista de privatizações: “Não adianta querer fazer tudo de uma vez. Não vai dar certo e precisamos de exemplos. Hoje o caminho de consenso parece ser os Correios”.
Alguns erros precisam ser corrigidos com urgência. O primeiro é a demora em
contratar estudos preparatórios para as privatizações. Eles não são
formalidade, mas necessários para dar segurança e transparência à avaliação de
ativos públicos. No fim de julho, nem metade dos 18 projetos incluídos no Plano
Nacional de Desestatização (PND) pelo governo Jair Bolsonaro estava em fase de
estruturação (“Folha de S. Paulo”, 29/7). Só em setembro o BNDES assinou
contrato com um consórcio para a realização dos estudos técnicos e jurídicos
relativos ao Porto de Santos. No caso da CBTU e da Trensurb, o processo tem se
caracterizado por morosidade e indefinição.
Sem os estudos
prontos, ou encaminhados, é duvidoso fazer projeção, como se arriscou o
ministro Fábio Faria (Comunicações), que deu estimativa de R$ 15 bilhões para
os Correios. Tudo depende das condições. E as condições dependem de uma série
de fatores, como a nova lei postal, cujo texto ainda está na Casa Civil.
Portanto, enquanto se preparam as privatizações, é conveniente acelerar a
discussão de marcos regulatórios que protejam investidores e o interesse
público.
Outra correção de rota
diz respeito à necessidade de centralizar o poder decisório em algum lugar. O
ex-secretário Salim saiu reclamando, também, da resistência de ministros à
privatização de empresas vinculadas às suas respectivas pastas. É natural que
isso ocorra. Seja pela pressão da burocracia interna ou dos sindicatos, seja
por verem riscos onde a maioria enxerga apenas benefícios, ministros setoriais
podem colocar restrições. Nem a Secretaria de Desestatização, nem o Programa de
Parcerias de Investimentos (PPI) parecem ter, hoje, força suficiente para
superar impasses surgidos na máquina pública, mesmo quando há diretriz clara
das instâncias políticas mais altas. Dar carta branca a alguém para executar
decisões difíceis faria grande diferença na obtenção de resultados e
cumprimento de cronogramas.
Não há que se temer a agenda de privatizações. Onde elas ocorreram, deu muito mais certo do que errado: da siderurgia à Embraer, da distribuição de energia elétrica à telefonia. Mas de nada adianta queimar etapas e inflar planos ou anúncios que não saem do discurso. Objetividade, estudos consistentes, marcos legais confiáveis e poder decisório nas mãos de um bom capitão são imprescindíveis.
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