quarta-feira, 18 de maio de 2022

Armando Castelar Pinheiro*: O nó dos preços de derivados

Valor Econômico

O que irá realmente fazer essa transformação energética ocorrer é o preço dos combustíveis fósseis aumentar

Semana passada participei do seminário Direito e Economia no Pós-Pandemia, uma parceria da FGV Direito Rio com o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (ver bit.ly/3t1zKKb). Ótimas e instigantes apresentações sobre o desafio colocado para o Judiciário, e os operadores do direito em geral, de administrar os ajustes que contratos e práticas econômicas vão precisar após esses dois difíceis anos de pandemia.

Um interessante consenso que emergiu das discussões foi a transformação tecnológica provocada pela pandemia, com “o Brasil fazendo em cinco meses o que de outra forma teria levado cinco anos”. Lendo o noticiário estes dias, fiquei me perguntando se algo assim - uma aceleração no processo de transformação - também pode estar em curso no setor de petróleo.

O preço do petróleo disparou no último ano: de US$ 70 para US$ 110 por barril, um salto de 57%. O resultado, claro, foi uma alta igualmente forte no preço dos derivados. Nos EUA, o preço da gasolina ao consumidor subiu 44% nos 12 meses até abril; o do diesel, 64%. No mesmo período, o rendimento médio recebido pelos trabalhadores no setor privado aumentou “apenas” 5,5%.

A disparada no preço desses derivados vem colocando forte pressão sobre o Partido Democrata, que teme perder o tênue controle que hoje detém no Senado e na Câmara dos Deputados, quando das eleições parlamentares a ocorrerem no início de novembro. Esse foi, talvez, um motivo para o governo liberar um milhão de barris de petróleo por dia de sua reserva estratégica, programa que se encerrará justo no início de novembro (ver www.glo.bo/3FOwzKU).

No Brasil, o índice de commodities de energia do Banco Central subiu 89%, em reais, nos 12 meses até março de 2022. Os preços ao consumidor dos derivados também dispararam: em abril, os preços da gasolina e do óleo diesel estavam 31% e 54% mais altos do que um ano antes, respectivamente. Enquanto isso, o rendimento médio do trabalho subiu 1,2% nos 12 meses até março. E essas altas foram insuficientes para equiparar os preços domésticos aos internacionais; segue havendo uma defasagem de preços.

A gasolina, com um peso de 6,7% na cesta de consumo dos trabalhadores (IPCA), tem penalizado diretamente a capacidade de consumo das famílias. A influência do diesel também é grande, mas indireta: ela se dá principalmente via o custo de transporte das mercadorias, cujo aumento, claro, acaba repassado ao consumidor.

Também por aqui, essa forte alta nos preços dos combustíveis tem repercutido sobre a competitividade eleitoral dos ocupantes do poder, tornando-se um assunto até mais político do que econômico. A julgar pelo noticiário, foi a causa de mais de uma troca de comando na Petrobras e agora também no Ministério das Minas e Energia.

É pouco provável que o preço do petróleo caia até o fim do ano. A guerra na Ucrânia e, até mais, as sanções impostas à Rússia não devem acabar tão cedo. Nos próximos meses a demanda chinesa por energia deve aumentar, com o fim, se espera, das restrições à atividade impostas para combater a pandemia. E a oferta vinda da venda da reserva estratégica americana deve secar.

Isso significa que os preços dos combustíveis seguirão sendo um tema importante no debate eleitoral, alimentando propostas, à esquerda e à direita, de controle de preços. Não obstante, intervir nos preços dos derivados não me parece a melhor solução, por três razões principais.

Primeiro, a médio prazo, como normalmente ocorre, o petróleo deve ficar mais barato. De um lado, pois os bancos centrais nas economias ricas começaram a reagir à inflação alta, subindo os juros, e com isso a economia mundial deve desacelerar mais à frente. De outro, pois a situação financeira das empresas de petróleo melhorou muito e, com o preço alto, isso deve estimular novos investimentos e a alta da oferta (ver on.ft.com/3LnNpkK).

Segundo, a equiparação do preço doméstico dos combustíveis ao internacional é um pilar fundamental do novo modelo que se está implementando no mercado de combustíveis domésticos, com a desverticalização da Petrobras e a entrada de novas empresas, gerando um ambiente de mais competição e menos interferência política. A importação de combustíveis, parte essencial desse modelo, só se sustenta com equiparação de preços. Colocar essa reforma em risco seria um retrocesso.

Por fim, há que se considerar o objetivo mais de longo prazo de promover a descarbonização da economia, com menor uso de combustíveis fósseis. Essa política penaliza investimentos na produção desses combustíveis, o que limita a expansão da oferta, e, claro, significa que o preço tende a subir ao longo do tempo. Ainda que haja iniciativas que buscam estimular o uso de fontes alternativas de energia, o que irá realmente fazer essa transformação ocorrer é o preço dos combustíveis fósseis aumentar. É preciso aceitar esse fato, se a intenção é mesmo descarbonizar.

O ruído político-eleitoral é compreensível, mas precisa ser contrabalançado por um debate mais de médio e longo prazo sobre o que se quer para o setor de petróleo e o meio ambiente.

*Armando Castelar Pinheiro é professor da FGV Direito Rio e do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador-associado do FGV Ibre

 

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