Valor Econômico
O que irá realmente fazer essa
transformação energética ocorrer é o preço dos combustíveis fósseis aumentar
Semana passada participei do seminário
Direito e Economia no Pós-Pandemia, uma parceria da FGV Direito Rio com o
Tribunal de Justiça de Minas Gerais (ver bit.ly/3t1zKKb). Ótimas e instigantes apresentações sobre o
desafio colocado para o Judiciário, e os operadores do direito em geral, de
administrar os ajustes que contratos e práticas econômicas vão precisar após
esses dois difíceis anos de pandemia.
Um interessante consenso que emergiu das
discussões foi a transformação tecnológica provocada pela pandemia, com “o
Brasil fazendo em cinco meses o que de outra forma teria levado cinco anos”.
Lendo o noticiário estes dias, fiquei me perguntando se algo assim - uma
aceleração no processo de transformação - também pode estar em curso no setor
de petróleo.
O preço do petróleo disparou no último ano: de US$ 70 para US$ 110 por barril, um salto de 57%. O resultado, claro, foi uma alta igualmente forte no preço dos derivados. Nos EUA, o preço da gasolina ao consumidor subiu 44% nos 12 meses até abril; o do diesel, 64%. No mesmo período, o rendimento médio recebido pelos trabalhadores no setor privado aumentou “apenas” 5,5%.
A disparada no preço desses derivados vem
colocando forte pressão sobre o Partido Democrata, que teme perder o tênue
controle que hoje detém no Senado e na Câmara dos Deputados, quando das
eleições parlamentares a ocorrerem no início de novembro. Esse foi, talvez, um
motivo para o governo liberar um milhão de barris de petróleo por dia de sua
reserva estratégica, programa que se encerrará justo no início de novembro
(ver www.glo.bo/3FOwzKU).
No Brasil, o índice de commodities de
energia do Banco Central subiu 89%, em reais, nos 12 meses até março de 2022.
Os preços ao consumidor dos derivados também dispararam: em abril, os preços da
gasolina e do óleo diesel estavam 31% e 54% mais altos do que um ano antes,
respectivamente. Enquanto isso, o rendimento médio do trabalho subiu 1,2% nos
12 meses até março. E essas altas foram insuficientes para equiparar os preços
domésticos aos internacionais; segue havendo uma defasagem de preços.
A gasolina, com um peso de 6,7% na cesta de
consumo dos trabalhadores (IPCA), tem penalizado diretamente a capacidade de
consumo das famílias. A influência do diesel também é grande, mas indireta: ela
se dá principalmente via o custo de transporte das mercadorias, cujo aumento,
claro, acaba repassado ao consumidor.
Também por aqui, essa forte alta nos preços
dos combustíveis tem repercutido sobre a competitividade eleitoral dos
ocupantes do poder, tornando-se um assunto até mais político do que econômico.
A julgar pelo noticiário, foi a causa de mais de uma troca de comando na
Petrobras e agora também no Ministério das Minas e Energia.
É pouco provável que o preço do petróleo
caia até o fim do ano. A guerra na Ucrânia e, até mais, as sanções impostas à Rússia
não devem acabar tão cedo. Nos próximos meses a demanda chinesa por energia
deve aumentar, com o fim, se espera, das restrições à atividade impostas para
combater a pandemia. E a oferta vinda da venda da reserva estratégica americana
deve secar.
Isso significa que os preços dos
combustíveis seguirão sendo um tema importante no debate eleitoral, alimentando
propostas, à esquerda e à direita, de controle de preços. Não obstante,
intervir nos preços dos derivados não me parece a melhor solução, por três razões
principais.
Primeiro, a médio prazo, como normalmente
ocorre, o petróleo deve ficar mais barato. De um lado, pois os bancos centrais
nas economias ricas começaram a reagir à inflação alta, subindo os juros, e com
isso a economia mundial deve desacelerar mais à frente. De outro, pois a
situação financeira das empresas de petróleo melhorou muito e, com o preço
alto, isso deve estimular novos investimentos e a alta da oferta (ver on.ft.com/3LnNpkK).
Segundo, a equiparação do preço doméstico
dos combustíveis ao internacional é um pilar fundamental do novo modelo que se
está implementando no mercado de combustíveis domésticos, com a
desverticalização da Petrobras e a entrada de novas empresas, gerando um
ambiente de mais competição e menos interferência política. A importação de
combustíveis, parte essencial desse modelo, só se sustenta com equiparação de
preços. Colocar essa reforma em risco seria um retrocesso.
Por fim, há que se considerar o objetivo mais
de longo prazo de promover a descarbonização da economia, com menor uso de
combustíveis fósseis. Essa política penaliza investimentos na produção desses
combustíveis, o que limita a expansão da oferta, e, claro, significa que o
preço tende a subir ao longo do tempo. Ainda que haja iniciativas que buscam
estimular o uso de fontes alternativas de energia, o que irá realmente fazer
essa transformação ocorrer é o preço dos combustíveis fósseis aumentar. É
preciso aceitar esse fato, se a intenção é mesmo descarbonizar.
O ruído político-eleitoral é compreensível,
mas precisa ser contrabalançado por um debate mais de médio e longo prazo sobre
o que se quer para o setor de petróleo e o meio ambiente.
*Armando
Castelar Pinheiro é professor da FGV Direito Rio e do Instituto de Economia da
UFRJ e pesquisador-associado do FGV Ibre
Nenhum comentário:
Postar um comentário