Editoriais / Opiniões
A relevância política dos evangélicos
O Globo
Aproximação entre religiosos e políticos
merece atenção quando ameaça o caráter laico do Estado
São óbvias as razões que levam Luiz Inácio
Lula da Silva e Jair
Bolsonaro a cortejar o apoio de evangélicos. Como mostrou uma série
de reportagens no GLOBO, no começo da década de 1990 havia 30 mil
templos em todo o país. De lá para cá, o número pulou para mais de 178 mil. Na
ausência de um Censo recente, não se sabe ao certo quantos professam tais
religiões. Os institutos de pesquisa estimam em cerca de 25% dos eleitores. Se,
há três décadas, políticos em busca de votos já faziam peregrinação por igrejas
de diferentes denominações, hoje a atenção se tornou prioridade.
Nem sempre esse interesse é benigno. O proselitismo político em templos deveria ser evitado por todos. Infelizmente não é assim. A Igreja Católica tem regras sobre a participação de sacerdotes em disputas eleitorais. Em várias denominações evangélicas, porém, religião e política se confundem. Não há problema se candidatos defendem valores de sua religião ou se pastores prestam apoio a candidaturas fora de suas atribuições sacerdotais. O problema começa quando se usa o púlpito para pedir votos ou quando se quer influir em políticas públicas em favor de medidas que ameaçam o caráter laico do Estado. É por isso que a aproximação entre os religiosos e a política merece atenção permanente.
Em época de campanha, tudo o que os
candidatos querem é conquistar esse eleitorado. Na disputa deste ano, o PT
demonstra ter mais dificuldade. É certo que Lula vem galgando apoio entre os
evangélicos. Saiu de 26% no final de agosto para 32% na semana passada, segundo
o Ipec. Apesar disso, Bolsonaro tem mantido vantagem nunca menor do que 16
pontos percentuais.
Embora costumem ser tratados como bloco
monolítico, os evangélicos são um grupo plural. Há as igrejas da Reforma
Protestante do século XVI (batistas, presbiterianos, metodistas, luteranos e
anglicanos); as igrejas pentecostais (movimento criado nos Estados Unidos no início
do século XX); e as neopentecostais (criadas a partir da década de 1970).
Diferenças teológicas somem diante de pautas comuns, como o perdão às dívidas
de igrejas, conquista da bancada evangélica no Congresso.
Parte do apoio recebido por Bolsonaro pode
ser explicada pela defesa desse tipo de demanda de interesse pecuniário. Mas
não só. Outro componente são as guerras culturais. As declarações do presidente
sobre família e sexualidade encontram eco genuíno no público evangélico.
Bolsonaro é o primeiro presidente a fazer campanha como cristão, apesar da nada
cristã defesa das armas, à qual os pastores que o bajulam fazem vista grossa,
assim como aos erros do governo na pandemia.
Republicanos e PL são os partidos que
atraem mais parlamentares evangélicos, mas há representantes noutras legendas.
A pulverização partidária dá aos líderes religiosos muitas opções. Chama a
atenção haver poucos petistas na frente evangélica da Câmara: quatro entre 187
deputados.
Em governos anteriores do PT não houve
dificuldade para obter apoio das principais denominações. Caso se confirme a
vitória de Lula em outubro, será interessante observar como reagirão os
pastores hoje colados em Bolsonaro. Continuarão fiéis à pauta bolsonarista de costumes,
ainda que isso represente um lugar na oposição? Ou serão parte da base
governista em troca do apoio a decisões que os beneficiem? Ficou impossível
analisar a política brasileira sem levar em conta os evangélicos.
Risco de volta da pólio exige urgência do
governo federal na vacinação
O Globo
Campanha nacional que previa alcançar 11,5
milhões de crianças vacinou menos de 4 milhões
O governo federal, estados e municípios têm
o dever urgente de vacinar contra a poliomielite pelo
menos 95% das crianças com menos de 5 anos para impedir o retorno da doença. A
campanha que começou em 8 de agosto com prazo de um mês foi
prorrogada até 30 de setembro. O motivo? Números vergonhosos. A meta
da campanha era vacinar cerca de 11,5 milhões de crianças, mas menos de 4
milhões tinham sido vacinadas.
Em 2021, apenas 69% das crianças
brasileiras foram imunizadas, nível bem abaixo do considerado seguro para
evitar o ressurgimento da doença. Em 2013, foram 100%; um ano depois 96%; em
2015 98%. “Durante a pandemia, a cobertura da pólio caiu no mundo inteiro, mas
a queda foi mais acentuada no Brasil”, afirma Juarez Cunha, presidente da
Sociedade Brasileira de Imunizações.
O desleixo poderá ter consequências graves
agora que novos casos foram identificados fora do Paquistão e do Afeganistão,
os dois países onde a pólio continua endêmica. Há registros
recentes nos Estados Unidos e em Israel. O vírus também foi
achado no esgoto do Reino Unido.
A pólio é uma tragédia. Nos casos mais
graves, pode causar insuficiência respiratória e até matar. A paralisia
permanente é outro desdobramento possível. Quem tem 50 anos ou mais
provavelmente lembra as crianças vítimas da doença, em cadeiras de rodas ou
muletas.
O combate eficaz à pólio foi uma das poucas
marcas positivas do governo João Figueiredo. Em 1980 foram registrados 1.300
casos (o número real era maior devido à subnotificação). Uma campanha ampla de
vacinação mudou o quadro ao mobilizar todas as esferas de governo, sociedades
médicas e entidades da sociedade civil. No ano seguinte, o total de infectados
caiu para 122. Em 1983, foram 45. Antes do final da década foi zerado. O Brasil
recebeu o certificado de área livre da pólio em 1994.
Foi um grande passo depois de uma história
que começou em 1911, com a primeira descrição de um surto no Brasil, obra do
pediatra carioca Fernandes Figueira. A vacina Sabin
foi introduzida no país na década de 1960, mas foi só nos anos 1970 que as
campanhas começaram a deslanchar. Na década de 1980, o personagem Zé Gotinha
foi fundamental para incentivar as crianças a comparecer aos postos de
vacinação.
Enquanto a doença existir em qualquer país, haverá o risco de novas epidemias. O vírus da pólio é mais contagioso que o Sars-CoV-2. Nos últimos anos, o descaso de pais e responsáveis com a vacinação trouxe de volta o sarampo. O Brasil não pode retroceder dessa forma outra vez. Temos recursos, profissionais especializados e experiência para manter o país livre da pólio. O que falta é o governo federal coordenar um trabalho eficaz de engajamento dos entes federativos e da sociedade civil. Poderia começar por condicionar o pagamento de programas como o Auxílio Brasil à vacinação. A regra existe, mas não tem sido aplicada.
Tiro no pé
Folha de S. Paulo
Ao omitir economia, Lula desrespeita o
eleitor e pode perder votos conservadores
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se aproxima
de uma possível
terceira vitória para a Presidência em seis tentativas desde
1989. Esse velho conhecido da política brasileira, paradoxalmente, é fonte de
grande incerteza quando se trata de antecipar os caminhos de governo que
pretende trilhar caso as urnas confirmem seu favoritismo.
Com 50% das intenções de votos válidos na
mais recente pesquisa do Datafolha, o petista aumentou as suas chances de
eleger-se no escrutínio do próximo domingo (2), dispensando o segundo turno.
Essa perspectiva torna ainda mais criticável
a esquiva do ex-presidente de deixar claro quem dará as
cartas na política econômica num novo governo --decisão que na
tradição brasileira permite prever para que rumo esse setor crucial da
administração irá caminhar.
A economia, além de vertebral em qualquer
governo, desponta como tema urgente do próximo mandatário. Evitar a recaída na
inflação, assegurar que haja recursos para os mais pobres no Auxílio Brasil e
manter as condições para um crescimento sustentado do emprego e da renda é do
interesse imediato de toda a sociedade.
Mas a esse respeito a campanha de Lula,
errática, solicita um cheque em
branco do eleitorado.
De um lado, o ex-presidente acena ao
programa responsável que caracterizou seu primeiro governo. Compôs chapa com o
ex-governador Geraldo Alckmin (PSB) e nesta semana recebeu apoio de Henrique
Meirelles (União Brasil), chefe do Banco Central nos dois primeiros mandatos
petistas e ministro da Fazenda de Michel Temer (MDB).
Do outro, o candidato petista arremete
contra o teto de gastos públicos sem apresentar substituto, alardeia aumentos
de despesas fora da capacidade orçamentária, flerta com quem despreza a
autonomia do BC e com o retorno das políticas intervencionistas dos ideólogos
do PT, as mesmas que produziram um desastre econômico.
Restam óbvios os ganhos para Lula de
comprometer-se com a orientação adotada na sua primeira passagem pelo Planalto.
A caminhada para o centro alargaria a base de votos para além dos petistas,
tornando mais provável a vitória eventualmente em primeiro turno, e melhoraria
desde logo as perspectivas de governabilidade. Não fazê-lo é um tiro no pé.
Mesmo na hipótese de Lula dobrar a aposta
intervencionista, é melhor deixar isso claro para evitar o estelionato
eleitoral após a posse.
O país deveria saber, e antes da votação, para onde rumaria a quinta gestão petista, se para o programa estatista que ainda encanta boa parte dos economistas do partido ou se para a abordagem pragmática que combina liberalismo econômico e responsabilidade social.
Mais um escândalo
Folha de S. Paulo
CGU constata mau uso de verbas no MEC, que
agrava desigualdades entre municípios
Em poucas áreas da gestão o desgoverno de
Jair Bolsonaro (PL) se apresenta de modo tão explícito como no Ministério da
Educação.
Não bastasse a barafunda administrativa
provocada pela constante troca nos cargos de direção, os desvarios ideológicos
e a omissão durante a pandemia, na qual abdicou da tarefa de coordenar o
esforço de estados e municípios, o MEC, sabe-se hoje, tornou-se também palco de
operações nebulosas e mau uso de verbas públicas.
Um relatório
elaborado pela Controladoria-Geral da União e obtido por este
jornal aponta que o governo federal desprezou critérios técnicos na
transferência de recursos do ensino —o que não só distancia a pasta de sua
missão constitucional como ainda abre margem para a consecução de "acordos
escusos".
O documento se detém especialmente sobre
operações realizadas em 2021 com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação, entregue ao centrão fisiológico.
O FNDE, cumpre recordar, esteve no centro
do escândalo envolvendo dois pastores que, com a anuência do ex-ministro Milton
Ribeiro, negociavam com prefeituras a liberação de dinheiro.
Todas essas ações, segundo a CGU, se deram
sob o guarda-chuvas do Plano de Ações Articuladas, mecanismo pelo qual são
feitas as transferências para municípios em ações como obras, compra de
materiais e ônibus escolares.
A distribuição desses recursos deveria
seguir um ranking elaborado a partir de indicadores sociais e educacionais, a
fim de que fossem priorizadas as cidades mais necessitadas. Entretanto a
controladoria constatou que a lista foi ignorada, resultando numa alocação de
verbas que favoreceu municípios já em melhor situação.
No ano passado, o FNDE empenhou R$ 170,7
milhões para 538 localidades em condições precárias —atendendo, assim, 32% do
universo mais vulnerável e 26% de alunos com esse perfil. Mas reservou o dobro
desse montante (R$ 348,7 milhões) para 809 cidades mais ricas (57% dos
municípios desse grupo e 44% dos alunos).
Listam-se liberações determinadas, sem
motivação técnica clara, pelo próprio presidente do FNDE.
Por óbvio, tais ações precisam ser
investigadas, e os autores de eventuais desmandos, punidos —mas o descontrole
no uso de recursos públicos, bem como suas consequências nefastas para o aumento
da desigualdade, constituem, por si sós, mais um escândalo no MEC.
Bolsonaro prejudica Bolsonaro
O Estado de S. Paulo
No cenário atual, com inflação em queda e emprego em alta, qualquer presidente teria chances de reeleição, por isso se pode dizer que Bolsonaro não sobe nas pesquisas por ser quem é
O cenário econômico e social, se não chega
a ser deslumbrante, é menos sombrio do que o observado até há alguns meses. À
retomada do crescimento econômico juntou-se a expressiva queda da inflação e,
sobretudo, a redução da taxa de desemprego. Há mais pessoas trabalhando hoje do
que nas vésperas da eleição presidencial de 2018 e há menos brasileiros sem
ocupação. Presidentes que se candidataram à reeleição enfrentaram problemas de
diferentes naturezas, mas, ainda assim, tiveram êxito. No caso de Bolsonaro,
porém, as pesquisas mostram que, apesar da melhora do quadro econômico, sua
reeleição parece difícil.
Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, foi
reeleito em 1998 a despeito de sérios problemas cambiais que o País enfrentava
no momento por causa da crise russa, que exigiu a explosiva elevação dos juros
internos para quase 50% ao ano nas vésperas da eleição. Luiz Inácio Lula da
Silva reelegeu-se em 2006 mesmo em meio ao grave escândalo do mensalão. E Dilma
Rousseff, conhecida pela gestão medíocre em seu primeiro mandato, teve seu
prestígio fortemente corroído pelas multitudinárias manifestações de 2013 e
ainda assim alcançou a reeleição em 2014.
Ter a visibilidade garantida pelo cargo e a
poderosa caneta para liberar verbas e controlar as ações do governo, que afetam
todos, são os fatores que, em geral, explicam parte da vantagem que o candidato
à reeleição costuma ter sobre seus adversários. Bolsonaro tem tudo isso e
ademais, no momento, conta com uma base governista experiente e veterana de
eleições, além das circunstâncias razoavelmente favoráveis para impulsionar
suas pretensões eleitorais.
A inflação, que estava acima de 10% no
acumulado de 12 meses, vem baixando por causa do registro de duas deflações
mensais sucessivas, e as projeções para este ano continuam a cair. A mais
recente é de cerca de 6%. Até há poucos meses, as previsões para o crescimento
da economia não passavam de 0,5%, um resultado fraquíssimo. Agora, predominam
previsões de que o Produto Interno Bruto (PIB) crescerá 2,7% em 2022. O
desemprego, que chegou a 14,9% da força de trabalho no auge da pandemia de
covid-19, em 2020, hoje está em 9,1%. Há quatro anos, quando Bolsonaro foi
eleito, a taxa de desocupação medida pelo IBGE era de 12,4%.
A tudo isso Bolsonaro acrescentou medidas
populistas, como o controle dos preços dos combustíveis – que vem tendo efeito
notável sobre a inflação nos últimos meses –, o aumento do valor de benefícios
sociais e a expansão da oferta de crédito para a população de baixa
renda.
Nem assim, contudo, a popularidade do
presidente sobe. Pode-se creditar esse fenômeno à persistência de dificuldades
para as famílias mais pobres. A renda real média do trabalho é menor do que a
de quatro anos atrás. Embora tenha havido deflação em julho e agosto, o preço
da comida continuou a subir. E a evolução da taxa de ocupação vem acompanhada
do aumento do trabalho informal e do subemprego.
Tudo isso é verdade, e provavelmente pesa
na equação da impopularidade do presidente, mas, em essência, o problema de
Jair Bolsonaro é Jair Bolsonaro. Sua gestão, marcada por gritante falta de
planejamento e por atitudes erráticas, é reflexo de sua total inapetência pelo
trabalho. Deixou a terceiros, em geral incompetentes e movidos a obsessões
ideológicas, a responsabilidade por tomar decisões que lhe cabiam como chefe de
governo, enquanto gastava seu tempo em desfiles de moto e comícios fora de
época. Daí resultam os desastres na educação, na saúde, na questão ambiental e
na gestão fiscal. Por palavras, atos e omissões, Bolsonaro criou suas próprias
crises – e o eleitor em geral parece inclinado a julgar o presidente pelo
conjunto de sua gestão, e não somente pelos últimos três meses.
Mas a grande façanha de Bolsonaro foi ter transformado Lula da Silva, líder de um partido absolutamente desmoralizado por escândalos de corrupção e por incompetência administrativa, em grande favorito para voltar à Presidência. É um feito impressionante, que deixará seu nome marcado na história.
A inflação embutida nas falas eleitorais
O Estado de S. Paulo
Candidatos prometem mexer no teto de gastos e afrouxar a disciplina fiscal, prenunciando maior incerteza econômica e dificuldade para levar inflação à meta de 3% nos próximos anos
Levar a inflação à meta de 3% poderá ficar
mais difícil, nos próximos anos, se o controle das contas públicas for
afrouxado, advertem economistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast. A
advertência é especialmente importante, neste momento, porque os principais candidatos
à Presidência prometem mexer no teto de gastos e nos padrões fiscais. Além de
se comprometer com a austeridade, os candidatos deveriam, segundo os analistas,
levar em conta a expectativa de fortes pressões inflacionárias nas grandes
economias.
Quem ocupar o Palácio do Planalto a partir
de janeiro terá de se preocupar, ao mesmo tempo, com a gestão orçamentária, a
taxa de juros, a expectativa dos investidores, a taxa de câmbio, os preços
essenciais, o mercado global e as ações necessárias para um crescimento
econômico duradouro. Um claro compromisso com a disciplina fiscal e com a
contenção da dívida pública será um sinal muito positivo e muito favorável à
movimentação do setor privado.
Sinais de gastança e de menor cuidado com
as contas federais transmitirão insegurança, resultarão em dólar mais caro e
tornarão mais lenta a redução dos juros pelo Banco Central (BC). Juros elevados
aumentarão os custos do Tesouro e prejudicarão, ao mesmo tempo, o consumo
familiar, o crédito às empresas pequenas e a aceleração dos negócios. A
retomada econômica ensaiada neste ano poderá perder impulso, em pouco tempo, se
a incerteza aumentar.
Uma disposição firme e visível de prudência
fiscal produzirá, além de confiança entre empresários e investidores, melhores
condições para o financiamento do setor privado e maior flexibilidade para
ações anticrise. Um governo prudente buscará produzir superávits primários –
saldos fiscais positivos sem contar o custo da dívida pública. Concebida no
final da administração tucana, essa política foi observada por vários anos na
administração petista e abandonada, de forma desastrosa, na gestão da
presidente Dilma Rousseff.
Mantida quando as condições são favoráveis,
a obtenção regular de excedentes primários garante segurança para a realização
oportuna de ações expansionistas, necessárias quando a economia se enfraquece
perigosamente ou afunda em recessão. Além disso, a busca regular de superávits
desse tipo facilita o controle do endividamento público, aumenta a
previsibilidade, sustenta a confiança dos investidores e contribui para a
estabilidade e a segurança da economia.
Nenhum governo pode alardear seriedade
fiscal, é importante lembrar, quando recorre a truques ou a espertezas para
limitar os gastos anuais. Não se pode falar de política séria quando se adia o
pagamento de precatórios, impondo perdas a credores defendidos por decisões
judiciais.
Da mesma forma, ninguém deve confundir com
austeridade a negligência em relação a despesas fundamentais, como aquelas
vinculadas à manutenção e ao fortalecimento das políticas de ensino. Uma das
características mais notáveis da atual administração tem sido o corte de verbas
destinadas ao setor educacional e à pesquisa.
Nem a pesquisa agropecuária, essencial para
o setor mais competitivo, fonte principal da receita obtida no comércio
exterior, tem sido preservada pela administração bolsonariana. Que o presidente
Jair Bolsonaro ignore o peso econômico do agronegócio, assim como a relevância
da pesquisa, pode parecer natural e nada surpreendente, quando se considera seu
currículo. Deveria haver no Ministério da Economia alguém capaz de fazer soar
um alerta. O ministro Paulo Guedes parece omitir-se dessa tarefa.
Qualquer governo bem preparado tentará
implantar, além da disciplina fiscal, maior produtividade na administração. Um
ganho importante já será proporcionado pela expansão da eficiência no dia a
dia. Isso será possível com novos padrões de trabalho e de organização, algo
muito mais ambicioso que a reforma administrativa proposta pelo ministro da
Economia, uma justificável, mas limitada reforma de RH. Falta verificar se a
semente de algum governo bem preparado será plantada com a eleição de outubro.
Pequenos negócios expandem o crédito
O Estado de S. Paulo
Aumento de 57% do volume de crédito para empresas menores neste ano estimula a atividade econômica
Os pequenos negócios estão mostrando grande
interesse por crédito. Entre o primeiro e o segundo trimestres deste ano, o
volume de crédito para pequenos negócios aumentou 57%, tendo alcançado R$ 92,8
bilhões, segundo levantamento do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e
Pequenas Empresas (Sebrae). É o maior crescimento entre dois trimestres
sucessivos já registrado pela pesquisa do Sebrae, que se baseia em dados do
Banco Central sobre crédito.
É um bom indicador das perspectivas de
evolução da economia nos próximos meses, pois as empresas de menor porte são as
grandes responsáveis pela geração de emprego no País. De cerca de 1,5 milhão de
postos de trabalho formais abertos nos sete primeiros meses de 2022, 1,1 milhão
está em micro, pequenas e médias empresas. Em média, essas empresas vêm gerando
sete entre dez novos empregos formais.
O aumento expressivo do crédito, no
entanto, ocorre apenas neste ano. Na comparação com os números do ano passado,
a expansão é bem mais modesta. O volume de crédito total de R$ 151,9 bilhões
para essas empresas no primeiro semestre é apenas 0,62% maior do que o de igual
período de 2021.
Apesar da diferença da velocidade de
crescimento, os números mostram mais atenção das instituições financeiras para
empresas de menor porte. O efeito dessa atenção chega a ser notável, quando se
comparam os resultados dos créditos totais envolvendo empresas de todos os
portes. Em agosto, por exemplo, a demanda das empresas por crédito avaliada
pela Serasa Experian aumentou 1,3% na comparação com os dados de um ano antes.
Esse aumento se deve exclusivamente à demanda das micro e pequenas empresas,
cujo crescimento de 1,5% foi suficiente para cobrir os resultados negativos da
demanda por crédito das empresas de médio e de grande porte.
O presidente do Sebrae, Carlos Melles, vê
nesses números uma mudança no relacionamento das instituições financeiras com
os pequenos negócios. Programas emergenciais, como o Pronampe – criado em 2020
para ajudar os pequenos empreendimentos a enfrentar as consequências da
pandemia e tornado permanente neste ano –, facilitaram a aproximação das
empresas menores aos bancos. A proximidade se consolida.
Em 2016, tomadores de crédito classificados
como micro, pequenos e médios empreendimentos somavam 5 milhões; no segundo
semestre de 2021 eram 6,4 milhões; e um ano depois, 7,3 milhões. Esses números
“mostram a importante e necessária evolução do mercado de crédito para essas
empresas”, diz Melles.
O crédito impulsiona as atividades dessas empresas, cujo papel na sustentação do emprego é de grande destaque. Os resultados mais recentes sobre as operações financeiras envolvendo esse grupo de empreendimentos apontam, portanto, para a melhora do mercado de trabalho. Há, porém, sinais de riscos. A persistência de dificuldades financeiras do setor público pode exigir a manutenção por mais tempo da política monetária rigorosa pelo Banco Central. Isso quer dizer juros altos por um período ainda incerto. O crédito deve continuar caro.
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