domingo, 25 de setembro de 2022

Vinicius Torres Freire - O risco de ressaca em 2023

Folha de S. Paulo

País pode até tomar rumo, mas tem de enfrentar ajuste duro e mundo em baixa

economia mundial vai crescer menos em 2023, como começa a ficar claro nos números de consumo. Há chutes diversos sobre o tamanho da baixa, se "pouso suave" ou recessão, teses díspares sustentadas por gente igualmente esperta.

O efeito das baixas mundiais no Brasil não costuma ser muito previsível. O risco é alto, até por estarmos podres de viver na lama fria faz quase década. Não é impossível que dê certo, mas não vai chover maná nem vai ter "decolagem". Haverá frustração, não apenas por causa do vento contrário do resto do mundo.

Desde 1960, houve momentos em que a economia brasileira cresceu mais do que a média mundial. Muito mais, como em 1968-1976, no "milagre" da ditadura militar; um tanto mais, como em anos lulianos (2007-2010). Houve anos de pico ilusório, de avanço muito além do mundial, todos causados por uma mistura de exageros, anabolizantes, estelionatos e burrice, para ficar nas causas superficiais, "événementielles".

Todos foram resultado do acúmulo de desequilíbrios menosprezados e de politização porca da política econômica. Todos foram prenúncio de catástrofe e recessões horrendas, como os picos de 1980 (esteroides da ditadura), 1986 (estelionato do Plano Cruzado) e 2013 (pico dos anabolizantes dilmianos).

Depois dessas overdoses, o Brasil ficou por anos abaixo do ritmo mundial —oito anos seguidos desde 2014, inédito. O resumo da ópera é que a situação mundial não é lá bem determinante direto do nosso ritmo. Depois de erros escandalosos de previsão e análise da inflação, os principais bancos centrais do mundo começaram a campanha mais agressiva e sincronizada de alta de juros em duas décadas, por aí, aperto que deve ir até fins de 2023. Isso não tem cara de ser bom, situação agravada por um Vladimir Putin ainda mais fora da casinha.

Pelos chutes informados, os EUA teriam um "pouso suave" (crescimento diminuto), a União Europeia teria recessão, e a China até viria a se recuperar em relação a este 2022, quando o crescimento deve ser o menor desde 1990 (descontado o 2020 da epidemia), de uns 3%. Na média aritmética, o PIB per capita chinês avançou 8,5% ao ano desde 1991.

Pode estar tudo errado de novo. O século 21 é ainda mais repleto de fraude e conversa fiada econômicas, vide o crime político e financeiro que explodiu na crise de 2008, o ápice de um período que economistas-padrão chamavam de "Grande Moderação", um dos motivos desta era de regressão política e social aguda.

Voltando à vaca fria e atolada da economia brasileira, vamos ter de dar um jeito nesta ruína em um ambiente mundial piorado. Apesar do ritmo melhorzinho deste 2022, não há evidências de que temos condições de crescer além do "novo normal" de 1,5% ao ano, embora se possa especular que reformas tenham ampliado um pouco o nosso "potencial", que ainda seria menos do que medíocre.

Um projeto crível e que comece a ser implementado cedo em 2023 pode até render resultados mais imediatos. Mas não há como escapar do tratamento padrão: um método para conter a alta da dívida pública, ampla reorganização do gasto do governo, mexida profunda em impostos, normas que facilitem o investimento privado etc.: está todo mundo o farto de ouvir. "Alternativas" maiores, só depois de consertar o básico.

Logo, mesmo na melhor das hipóteses, pode haver ressaca de esperanças exageradas. Repita-se, é preciso fazer muita mudança, em ambiente mundial mais difícil. Pode dar certo, mas não pelos meios imaginados pela maioria das pessoas: a volta do "tudo pelo social" luliano ou, ainda mais improvável, a "decolagem" dos delírios bolsonarianos.

 

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