segunda-feira, 1 de maio de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Derrapadas de esquerdistas trazem recados para Lula

O Globo

Presidentes de Colômbia, Peru, Chile, Bolívia, Argentina e México enfrentam limites do populismo

Está previsto para hoje um pronunciamento do presidente colombiano, Gustavo Petro, em comemoração ao 1º de Maio. Mesmo que atraia milhares, o evento não mudará a realidade. Petro tem apenas 35% de aprovação e 54% de reprovação. Por diferentes motivos, governos de esquerda que assumiram o poder recentemente na América Latina — na Colômbia, no Peru, no Chile, na Bolívia, na Argentina e no México — vivem momentos de crise. Os exemplos servem de alerta para o Brasil, que trouxe de volta ao poder o esquerdista Luiz Inácio Lula da Silva.

Eleito em 2022 com a promessa de unir o país, Petro governou por oito meses com apoio de uma coalizão ampla. Na última quarta-feira, ela veio abaixo quando ele exigiu a renúncia de seus ministros. Os indicados por partidos de centro e centro-direita deram lugar a representantes de legendas de esquerda. Incapaz de forjar apoio a sua proposta de reforma do setor de saúde, Petro decidiu dar uma guinada populista, que dificultará ainda mais a formação de maioria no Congresso. Aparentemente ciente disso, ele voltou a apostar na polarização como forma de recuperar o apoio das ruas.

No Peru, desde a queda e prisão do esquerdista Pedro Castillo pela tentativa de autogolpe em dezembro, impera a instabilidade. Dina Boluarte, a vice que assumiu no lugar dele, tem ignorado a opinião pública, favorável a eleições presidenciais imediatas. Dividiu o poder com figuras impopulares no Congresso e deixou o país num estado de convulsão permanente. Os protestos que tomaram conta das ruas nos últimos meses deixaram 39 mortos e mais de 1.300 feridos.

No Chile, o presidente Gabriel Boric apostou tudo numa nova Constituição repleta de concessões a movimentos identitários e grupos de interesse de toda sorte. Ela foi rejeitada em plebiscito, e seu governo perdeu o norte. Há pouco mais de uma semana, seguindo a gasta cartilha da esquerda, anunciou planos de criar uma estatal para explorar as reservas de lítio e novas regras para a operação de empresas privadas. No discurso, tudo em nome do povo. Na prática, essa política terá altos custos e resultados desastrosos para a economia mais avançada do continente.

A Bolívia, outro país que parecia ter alcançado estabilidade depois da vitória de Luis Arce nas eleições de 2020, sacramentando o retorno ao poder do partido de Evo Morales, volta a ser assombrada pela economia. Quem olha as previsões de inflação (4%) e crescimento do PIB (1,8%, o dobro do Brasil) não deve se iludir. O risco de crise cambial é considerável. O governo nega intenção de desvalorização, mas as reservas internacionais continuam caindo em alta velocidade. Em fevereiro, eram insuficientes para cobrir três meses de importações. Como a Bolívia chegou a esse ponto? Anos de hostilidade ao capital privado e política de câmbio fixo.

A crise cambial é realidade cotidiana na Argentina, onde dólar e inflação dispararam. Mesmo para o padrão local, a situação é calamitosa. O peronista Alberto Fernández continua pregando contra miséria e desigualdade, sem nunca ter deixado de adotar políticas que as causam. No México, o esquerdista Andrés Manuel López Obrador (AMLO) atraiu protestos colossais contra uma reforma eleitoral que reduz espaço da oposição. Sua aprovação, embora ainda alta pelo desempenho econômico, sofreu um baque.

Como se vê, não faltam recados para Lula no continente.

Tarifa de ônibus urbanos tornou-se refém do calendário eleitoral

O Globo

Resistência a reajustar preço de passagens reflete interesse político em vez de sensatez econômica

Com a aproximação das eleições municipais do ano que vem, as tarifas de ônibus nas grandes cidades brasileiras viraram reféns do calendário eleitoral. Movem-se ao sabor do humor dos políticos, e não das demandas do setor. Num país em que os ônibus desempenham papel preponderante nos transportes, os gestores preferem evitar desgastes e tomar decisões sobre reajuste de passagens com base nos índices de popularidade das pesquisas de opinião.

Como mostrou reportagem do GLOBO, em São Paulo o prefeito Ricardo Nunes (MDB) decidiu manter a passagem congelada em R$ 4,40 pelo terceiro ano consecutivo, fazendo vista grossa para os inevitáveis aumentos de custos que impactam o transporte. Ao mesmo tempo, estuda a adoção de uma tarifa zero de cunho estritamente demagógico para usar como bandeira de campanha.

No Rio, o prefeito Eduardo Paes (PSD) se viu sem saída. Pressionado pela degradação acentuada da frota e pela calamidade no serviço de BRTs, concedeu reajuste de R$ 0,25, elevando a tarifa a R$ 4,30. Para tentar atenuar o desgaste, anunciou que multaria as empresas que não instalassem ar-condicionado nos ônibus, promessa antiga que suas próprias administrações não cumpriram.

Em Salvador, terceiro maior colégio eleitoral do país nas eleições municipais, o prefeito Bruno Reis (União) tem defendido subsídio federal para ajudar a custear o transporte de ônibus, especialmente a gratuidade de idosos. A tarifa na cidade sofreu reajuste de R$ 0,50 no ano passado, para R$ 4,90. Outros prefeitos também têm pedido ajuda a Brasília para segurar os preços.

No retrovisor de todos os políticos estão as gigantescas manifestações de 2013, que abalaram o governo Dilma Rousseff. Na raiz dos protestos estava a insatisfação com o reajuste das passagens. Mas manter tarifas artificialmente baixas para evitar desgaste político não passa de demagogia. Não há dúvida de que o custo do transporte tem impacto relevante na vida do cidadão, porém mais importante seria criar políticas públicas específicas para os pobres, como os bilhetes que reduzem o preço para quem usa mais de uma condução.

Um dos problemas que afligem o transporte de ônibus é o desrespeito aos contratos. Em muitas cidades, o serviço é prestado por empresas privadas que têm custos fixos de pessoal, combustível, manutenção etc. Se esses preços aumentam, é compreensível que as passagens sejam reajustadas, como preveem os convênios. Há despesas também com gratuidades garantidas por lei, sem ninguém dizer de onde sairá o dinheiro para remunerá-las.

As prefeituras deveriam respeitar as planilhas de custo do transporte. Não existe mágica. Ou o serviço se paga com tarifas justas para empresas e usuários, ou o custo do populismo eleitoreiro aparecerá de alguma forma, na deterioração da frota, no desrespeito à grade de horários, na restrição às gratuidades. O passageiro pagará de qualquer jeito, só que por um serviço pior.

Batalha por receita

Folha de S. Paulo

Decisão do STJ pode elevar arrecadação, mas urge reforma do sistema de impostos

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) espera diminuir seus déficits com aumentos da receita ao rever benefícios tributários

Uma primeira rodada de incrementos na arrecadação pode advir de recente decisão do Superior Tribunal de Justiça a respeito da cobrança de impostos federais sobre benefícios estaduais concedidos a empresas no caso do ICMS.

A tese favorável ao governo teve aprovação unânime da corte, embora a eficácia da decisão tenha sido suspensa por liminar do ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal, que deve ser derrubada nos próximos dias.

A disputa entre Receita Federal e empresas é antiga. Uma decisão do STJ e uma lei de 2017, que emendava outra de 2014, pareciam favorecer as firmas beneficiadas por várias medidas que resultam em redução do pagamento do ICMS.

O valor de todas essas isenções seria considerado subvenção para investimentos (implantação ou expansão de empreendimento econômico). Portanto, não seria computado na conta do lucro real e ficaria excluído da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, impostos federais. Pelo atual entendimento do STJ, entretanto, não há exclusão automática desse valor.

A decisão do tribunal deve gerar aumento de arrecadação, mas o poder público precisa comprovar que as empresas não estejam utilizando tais recursos de acordo com as finalidades definidas pela lei. Pode haver disputas, pois.

O Ministério da Fazenda chegou a prever que uma medida judicial favorável poderia render R$ 88 bilhões anuais. Note-se que todos os benefícios tributários do IRPJ e da CSLL para 2023 somam R$ 99,7 bilhões, na estimativa oficial. Recentemente, noticiou-se que a Receita espera arrecadar R$ 47 bilhões, dado mais realista que, contudo, ainda carece de fundamentação.

Ademais, é preciso verificar o efeito prático. Aumentos de tributos ou reonerações impactam a atividade econômica e o comportamento de empresas e cidadãos.

Aliás, a incerteza sobre o valor efetivo do gasto tributário federal total, estimado em R$ 456 bilhões em 2023, suscita dúvidas também sobre o aumento possível de arrecadação derivado da redução de diversos benefícios, projeto crucial de Fernando Haddad.

Como argumenta o ministro da Fazenda, vários deles são obsoletos, ineficazes ou privilégios. Precisam ser revistos, em favor da equidade e da eficiência tributária. Faltam, porém, estimativas realistas em termos econômicos, não apenas contábeis, e previsão do impacto em preços e cadeias produtivas.

Mais importante, falta o avanço de uma reforma tributária que passe um pente na imensa desordem do sistema de impostos do país.

Tensão nas Coreias

Folha de S. Paulo

No embate geopolítico, EUA apostam em arriscada pressão contra Kim Jong-un

No grande campo de disputas entre Estados Unidos, a potência estabelecida desde o século passado, e a desafiante China, a península coreana se encaixa como uma frente especialmente perigosa para a segurança mundial.

Desde 1953, quando foi congelada a guerra entre o Sul capitalista e o Norte comunista, a tensão é perene, com surtos de acomodação e até vislumbres de paz.

Foi o que ocorreu na recente tentativa de aproximação entre Washington, fiadora de Seul, e Pyongyang, apoiada por China e Rússia, principais atores do embate geopolítico atual, em flancos diversos como Taiwan e Ucrânia.

Após um 2017 de beligerância, o então presidente Donald Trump trouxe o ditador Kim Jong-un à mesa por três vezes. Mas a ideia americana de retirar a capacidade nuclear do Norte era falha.

A bomba atômica, que a ditadura asiática já testou seis vezes, é o seguro de vida da aberrante dinastia stalinista que comanda Pyongyang desde 1948, quando o país emergiu da partilha da península entre União Soviética e EUA.

Com efeito, passado o período mais duro da pandemia, Pyongyang acelerou seu programa de mísseis, que tem uma gama impressionante de armas, algumas capazes de atingir até solo americano.

O alarme foi tão grande que Tóquio, deixando claro que vê a Coreia do Norte e a China como uma ameaça única, abandonou décadas de pacifismo e até estreitou laços com Seul —relação tisnada pela memória da brutal ocupação japonesa da região no passado.

Agora, EUA e Coreia do Sul anunciaram uma renovada aliança, com os presidentes Joe Biden e Yoon Suk-yeol proferindo ameaças contra Pyongyang. Os países prometem tomar decisões conjuntas em caso de uma guerra, empregando o arsenal atômico operacional americano, 50 vezes maior do que o estimado norte-coreano.

Para sinalizar sua disposição, Biden enviará, pela primeira vez desde a Guerra Fria, um submarino com mísseis nucleares a um porto sul-coreano, embora descarte posicionar ogivas no aliado.

China e Rússia denunciaram o acordo e defenderam o aliado, que mantém-se em enervante silêncio.

Se a ação americana é consonante com a volta da política de força às relações internacionais, ela também embute riscos de escaladas acidentais e erros de cálculo, degradando ainda mais as chances de estabilidade e paz no planeta.

Miopia da União na Petrobras

O Estado de S. Paulo

Aprovação de indicados ao Conselho de Administração vetados pela governança mostra desprezo de Brasília por normas que podem prevenir corrupção e interferências políticas

O que leva o governo a insistir em indicações para o conselho da Petrobras?

Oque leva o governo do presidente Lula da Silva a insistir em indicações para o conselho da Petrobras que não poderiam ser aprovadas por causa das regras de governança da própria companhia e pelo que determina a Lei das Estatais? Por que o governo não escolheu outras pessoas para fazer parte da administração da empresa? O que se espera ganhar com essas práticas que ferem os princípios da governança corporativa?

O enredo do imbróglio é simples.

Três dos indicados pela União para compor o Conselho de Administração da Petrobras foram considerados inelegíveis e não haveria como contornar essa situação a não ser pela retirada dos seus nomes e substituição por outras pessoas contra as quais não pesasse a suspeita de poderem incorrer em conflito de interesses. Em vez disso, o governo confirmou as indicações que foram, na quinta-feira, aprovadas pela assembleia.

A aprovação desses nomes pelos acionistas contraria as recomendações de três instâncias da empresa, inclusive pelo comitê de pessoas do conselho. Os três não deveriam ter sido sequer indicados porque não preenchem os requisitos discriminados na Lei das Estatais por exercerem cargos em Brasília. Dos oito candidatos a conselheiros eleitos, seis são vinculados à União e dois representam os investidores minoritários.

O regulamento da Petrobras estabelece 11 itens que levam ao veto à participação no seu conselho. É proibido que ministros, secretários de Estados e municípios, políticos no exercício de seus mandatos ou na direção de partidos, entre outros, sejam conselheiros da empresa. Os objetivos dessas restrições são evidentes – evitar a influência política na condução da maior empresa estatal e diminuir a possibilidade de casos de corrupção, que lamentavelmente marcaram a sua história, em particular nos governos petistas.

O Ministério de Minas e Energia não deveria nem sequer ter indicado aqueles nomes em primeiro lugar, pois era evidente que contrariavam a lei e as regras da Petrobras. Uma vez que, como esperado, os nomes foram rejeitados pelas instâncias de governança da empresa, o governo deveria ter reconhecido que errou e indicado outros nomes – e não faltam candidatos tarimbados para a função de conselheiros. Seria uma forma de mostrar que se respeita a legislação vigente, adotada para proteger a Petrobras de malfeitos.

Não estamos tratando de indicações para o segundo escalão. Ao contrário, o regulamento da Petrobras é explícito ao definir que a diretoria deve “exercer a gestão dos negócios, de acordo com a missão, os objetivos, as estratégias e diretrizes fixadas pelo Conselho de Administração”.

Os gestos do governo, indicando e confirmando os inelegíveis, indicam desprezo pelas normas de governança corporativa e pelo regramento das estatais de forma geral. Há anos se luta no País pela adoção e a prática por todas as companhias, em especial as de capital aberto, de regras de conduta em todos os seus escalões.

O próprio Ministério da Fazenda defendeu recentemente medidas que dão maior poder à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) de forma que ela tenha instrumentos para ser, verdadeiramente, um xerife do mercado de capitais. Os procedimentos da União em relação ao conselho da Petrobras mostram, no entanto, que não se poderia esperar bons exemplos vindos de Brasília – o que é absurdo.

Com essas práticas na Petrobras, o governo Lula repete, de forma canhestra, o mesmo procedimento do seu antecessor. O ex-presidente Jair Bolsonaro também insistiu em indicações desaconselhadas pela governança da Petrobras e trocou seu presidente quando um deles quis barrar interferências de Brasília na política de preços dos combustíveis. Se o governo insistir em ignorar as normas que ajudam no bom funcionamento das estatais, ao evitarem casos de corrupção e de má aplicação de recursos públicos, abre-se o caminho para escândalos. É uma visão míope que pode resultar em custos mais à frente para a Petrobras e o Brasil.

Meio século de Embrapa

O Estado de S. Paulo

A estatal foi protagonista-chave na espetacular saga da agropecuária. Mas precisará se renovar para enfrentar os novos desafios produtivos, tecnológicos, sociais e ambientais

Nos últimos 50 anos, o Brasil passou de importador de alimentos a um dos maiores exportadores do mundo, em vias de se tornar o maior. A agropecuária nacional está hoje na vanguarda da produtividade, inovação e sustentabilidade.

Segundo o Ipea, a produtividade total dos fatores – a relação entre o índice de produto e o índice de insumos – cresceu 400% na agricultura. Entre 2011 e 2020, enquanto o setor de serviços cresceu 1,5%, a indústria encolheu 12,8% e o PIB como um todo, 1,2%, a agropecuária cresceu 25,4%. Ela alimenta cerca de 1/6 da população mundial e há décadas garante o superávit da balança comercial. Desde os anos 70, os preços da cesta básica caíram pela metade. A produção cresceu quatro vezes mais que a área plantada. Essa intensificação ajudou o Brasil a preservar 66% de sua vegetação nativa – a média na Europa e EUA é de 30%. Segundo o Ipea, nos últimos 15 anos a agropecuária alcançou a marca de 113% na meta de mitigação de carbono e de 290% na de recuperação de pastagens.

O triunfo foi conquistado com muito empreendedorismo, boas políticas de crédito e, sobretudo, tecnologia. Desde 1995, enquanto o fator terra respondeu por 20% no crescimento do valor da produção e o fator trabalho caiu de 31% para 20%, a participação da tecnologia subiu de 50% para 60%.

Não é por mero acaso que essa “Revolução Verde” coincide com o tempo de vida da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Criada para reduzir o preço dos alimentos no

País e torná-los competitivos no mercado externo, a Embrapa cumpriu essa missão com uma fórmula elementar: ciência aplicada por pesquisadores de ponta bem remunerados.

Dentre as inovações que alavancaram a espetacular produtividade do agro, destacam-se o plantio direto (que dispensa a aração e gradação do solo para a semeadura); a fixação biológica do nitrogênio em soja; o desenvolvimento de culturas para regiões tropicais; a disseminação de pastagens melhoradas para o gado de corte e leite; ou o desenvolvimento de transgênicos. Talvez a expressão mais gráfica dessa aventura tenha sido a conquista do Cerrado: outrora pouco adequado à agricultura em razão da acidez do solo, ele é hoje um dos maiores produtores globais de soja.

A Embrapa desconcertou os dogmas liberais contra estatais e os socialistas contra o capitalismo no campo. Mas isso não significa que as propostas virtuosas de um e outro lado não possam ser construtivas para o futuro da empresa.

O seu tempo de vacas gordas passou e a “joia da coroa” estatal está esmaecida, em parte vítima de seu próprio sucesso. A riqueza acumulada pelo agro atraiu multinacionais que ocuparam seu lugar no fornecimento de tecnologias. A burocracia estatal trava a captação de recursos com licenciamento e comercialização de tecnologia que permitiriam canalizar recursos públicos a desafios sem valor direto de mercado, como a sustentabilidade ambiental e social: a grande contribuição do Brasil contra as mudanças climáticas será reduzir as emissões e desmates da agropecuária, e milhões de famílias no campo estão marginalizadas por falta de acesso às técnicas e tecnologias que impulsionaram o agronegócio em escala industrial. Somem-se a isso desafios estruturais, como o transporte, ou estratégicos, como a dependência de fertilizantes russos.

Nos tempos pré-históricos, a revolução da agricultura e do pastoreio deu à luz a civilização. Hoje, ao desafio do campo de alimentar bilhões de humanos e abastecer sua indústria, soma-se o desafio de preservar a natureza. O Brasil é chave para superá-los. Mas sua principal empresa de pesquisa está envelhecida.

Todos os dias instituições criadas por humanos nascem e morrem. Mas a beleza delas é que, ao contrário de seus criadores, não precisam morrer. Mesmo as velhas podem rejuvenescer. Este jornal, por exemplo, semeia há 148 anos o progresso da República. A Embrapa semeia há 50 anos o progresso da agropecuária. Foi uma história épica. Cabe apenas à Embrapa e a seu dono, o povo brasileiro, decidir se essa epopeia está no seu capítulo final ou só no primeiro.

O tamanho da evasão escolar

O Estado de S. Paulo

Estudo mostra que, por ano, meio milhão de jovens acima de 16 anos desistem de estudar. É uma tragédia

Muito se fala na falta de qualidade da educação brasileira e na grande quantidade de alunos que não atingem níveis adequados de aprendizagem. Mas há outra tragédia silenciosa que sela destinos e retarda o desenvolvimento do País: a evasão escolar. Um estudo recém-lançado pelo Serviço Social da Indústria no Rio de Janeiro (Firjan Sesi), em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), reuniu dados que mostram os efeitos perversos da evasão no ensino médio.

Há prejuízos de todo tipo. Mesmo com a universalização do acesso ao ensino fundamental, milhares de adolescentes abandonam a escola ao longo do caminho − e o problema se torna ainda mais grave no ensino médio. A evasão aumenta justamente no 1.º ano daquela etapa, como se existisse um fosso intransponível para muitos adolescentes que terminam o ensino fundamental e não conseguem avançar.

O estudo Combate à evasão no ensino médio: desafios e oportunidades informa que 500 mil jovens acima dos 16 anos largam os estudos anualmente. Não surpreende que apenas 7 em cada 10 brasileiros concluam essa última etapa da educação básica até os 19 anos, índice que deixa o Brasil atrás de países latinoamericanos como a Costa Rica, a Colômbia e o Chile.

A baixa escolaridade, como se sabe, causa perdas individuais e coletivas, contribuindo para a diminuição da empregabilidade, das perspectivas salariais, da produtividade e da mobilidade social. Sem falar nos impactos negativos em áreas como saúde e segurança pública. A partir de metodologia desenvolvida pelo economista Ricardo Paes de Barros, o estudo estimou que o Brasil ganharia R$ 135 bilhões por ano caso elevasse a taxa de conclusão do ensino médio para o mesmo patamar do Chile, onde 9 em cada 10 jovens completam essa etapa até os 24 anos.

A evasão reproduz a profunda desigualdade do País, ao penalizar os mais pobres com mais intensidade: entre os 20% mais ricos da população, a probabilidade de um jovem concluir o ensino médio é de 94% − mais que o dobro do índice de 45% registrado na faixa dos 20% mais pobres, segundo a publicação da Firjan Sesi. A evasão tem múltiplas causas, desde a baixa qualidade do ensino até a repetência, passando pela necessidade de trabalhar para complementar a renda da família. O relatório chama a atenção também para o “desencanto” com a escola e a “desconexão” entre o currículo e a realidade dos estudantes.

Tal diagnóstico remete à realidade que deu origem à reforma do ensino médio, cuja implementação foi equivocadamente suspensa pelo Ministério da Educação (MEC). É evidente que o modelo anterior de organização curricular do ensino médio não atendia às necessidades da juventude e produziu uma situação que precisa ser superada − a começar pela redução da evasão, um dos grandes dramas da educação brasileira. O panorama traçado pelo estudo da Firjan Sesi é inequívoco e aponta para a necessidade de fazer da escola um lugar menos desinteressante, e certamente mais amigável, aos estudantes.

 

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