Derrapadas de esquerdistas trazem recados para Lula
O Globo
Presidentes de Colômbia, Peru, Chile,
Bolívia, Argentina e México enfrentam limites do populismo
Está previsto para hoje um pronunciamento
do presidente colombiano, Gustavo Petro, em comemoração ao 1º de Maio. Mesmo
que atraia milhares, o evento não mudará a realidade. Petro tem apenas 35% de
aprovação e 54% de reprovação. Por diferentes motivos, governos de esquerda que
assumiram o poder recentemente na América Latina — na Colômbia, no Peru, no
Chile, na Bolívia, na Argentina e no México — vivem momentos de crise. Os
exemplos servem de alerta para o Brasil, que trouxe de volta ao poder o
esquerdista Luiz Inácio Lula da Silva.
Eleito em 2022 com a promessa de unir o país, Petro governou por oito meses com apoio de uma coalizão ampla. Na última quarta-feira, ela veio abaixo quando ele exigiu a renúncia de seus ministros. Os indicados por partidos de centro e centro-direita deram lugar a representantes de legendas de esquerda. Incapaz de forjar apoio a sua proposta de reforma do setor de saúde, Petro decidiu dar uma guinada populista, que dificultará ainda mais a formação de maioria no Congresso. Aparentemente ciente disso, ele voltou a apostar na polarização como forma de recuperar o apoio das ruas.
No Peru, desde a queda e prisão do
esquerdista Pedro Castillo pela tentativa de autogolpe em dezembro, impera a
instabilidade. Dina Boluarte, a vice que assumiu no lugar dele, tem ignorado a
opinião pública, favorável a eleições presidenciais imediatas. Dividiu o poder
com figuras impopulares no Congresso e deixou o país num estado de convulsão
permanente. Os protestos que tomaram conta das ruas nos últimos meses deixaram
39 mortos e mais de 1.300 feridos.
No Chile, o presidente Gabriel Boric
apostou tudo numa nova Constituição repleta de concessões a movimentos
identitários e grupos de interesse de toda sorte. Ela foi rejeitada em
plebiscito, e seu governo perdeu o norte. Há pouco mais de uma semana, seguindo
a gasta cartilha da esquerda, anunciou planos de criar uma estatal para
explorar as reservas de lítio e novas regras para a operação de empresas
privadas. No discurso, tudo em nome do povo. Na prática, essa política terá
altos custos e resultados desastrosos para a economia mais avançada do
continente.
A Bolívia, outro país que parecia ter
alcançado estabilidade depois da vitória de Luis Arce nas eleições de 2020,
sacramentando o retorno ao poder do partido de Evo Morales, volta a ser
assombrada pela economia. Quem olha as previsões de inflação (4%) e crescimento
do PIB (1,8%, o dobro do Brasil) não deve se iludir. O risco de crise cambial é
considerável. O governo nega intenção de desvalorização, mas as reservas
internacionais continuam caindo em alta velocidade. Em fevereiro, eram
insuficientes para cobrir três meses de importações. Como a Bolívia chegou a
esse ponto? Anos de hostilidade ao capital privado e política de câmbio fixo.
A crise cambial é realidade cotidiana na
Argentina, onde dólar e inflação dispararam. Mesmo para o padrão local, a
situação é calamitosa. O peronista Alberto Fernández continua pregando contra
miséria e desigualdade, sem nunca ter deixado de adotar políticas que as
causam. No México, o esquerdista Andrés Manuel López Obrador (AMLO) atraiu
protestos colossais contra uma reforma eleitoral que reduz espaço da oposição.
Sua aprovação, embora ainda alta pelo desempenho econômico, sofreu um baque.
Como se vê, não faltam recados para Lula no
continente.
Tarifa de ônibus urbanos tornou-se refém do
calendário eleitoral
O Globo
Resistência a reajustar preço de passagens
reflete interesse político em vez de sensatez econômica
Com a aproximação das eleições municipais
do ano que vem, as tarifas de ônibus nas grandes cidades brasileiras viraram
reféns do calendário eleitoral. Movem-se ao sabor do humor dos políticos, e não
das demandas do setor. Num país em que os ônibus desempenham papel
preponderante nos transportes, os gestores preferem evitar desgastes e tomar
decisões sobre reajuste de passagens com base nos índices de popularidade das
pesquisas de opinião.
Como mostrou reportagem do GLOBO, em São
Paulo o prefeito Ricardo Nunes (MDB) decidiu manter a passagem congelada em R$
4,40 pelo terceiro ano consecutivo, fazendo vista grossa para os inevitáveis
aumentos de custos que impactam o transporte. Ao mesmo tempo, estuda a adoção
de uma tarifa zero de cunho estritamente demagógico para usar como bandeira de
campanha.
No Rio, o prefeito Eduardo Paes (PSD) se
viu sem saída. Pressionado pela degradação acentuada da frota e pela calamidade
no serviço de BRTs, concedeu reajuste de R$ 0,25, elevando a tarifa a R$ 4,30.
Para tentar atenuar o desgaste, anunciou que multaria as empresas que não
instalassem ar-condicionado nos ônibus, promessa antiga que suas próprias
administrações não cumpriram.
Em Salvador, terceiro maior colégio
eleitoral do país nas eleições municipais, o prefeito Bruno Reis (União) tem
defendido subsídio federal para ajudar a custear o transporte de ônibus,
especialmente a gratuidade de idosos. A tarifa na cidade sofreu reajuste de R$
0,50 no ano passado, para R$ 4,90. Outros prefeitos também têm pedido ajuda a
Brasília para segurar os preços.
No retrovisor de todos os políticos estão
as gigantescas manifestações de 2013, que abalaram o governo Dilma Rousseff. Na
raiz dos protestos estava a insatisfação com o reajuste das passagens. Mas
manter tarifas artificialmente baixas para evitar desgaste político não passa
de demagogia. Não há dúvida de que o custo do transporte tem impacto relevante
na vida do cidadão, porém mais importante seria criar políticas públicas
específicas para os pobres, como os bilhetes que reduzem o preço para quem usa
mais de uma condução.
Um dos problemas que afligem o transporte
de ônibus é o desrespeito aos contratos. Em muitas cidades, o serviço é
prestado por empresas privadas que têm custos fixos de pessoal, combustível,
manutenção etc. Se esses preços aumentam, é compreensível que as passagens
sejam reajustadas, como preveem os convênios. Há despesas também com
gratuidades garantidas por lei, sem ninguém dizer de onde sairá o dinheiro para
remunerá-las.
As prefeituras deveriam respeitar as planilhas de custo do transporte. Não existe mágica. Ou o serviço se paga com tarifas justas para empresas e usuários, ou o custo do populismo eleitoreiro aparecerá de alguma forma, na deterioração da frota, no desrespeito à grade de horários, na restrição às gratuidades. O passageiro pagará de qualquer jeito, só que por um serviço pior.
Batalha por receita
Folha de S. Paulo
Decisão do STJ pode elevar arrecadação, mas
urge reforma do sistema de impostos
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
espera diminuir seus déficits com aumentos
da receita ao rever benefícios tributários
Uma primeira rodada de incrementos na
arrecadação pode advir de recente
decisão do Superior Tribunal de Justiça a respeito da cobrança
de impostos federais sobre benefícios estaduais concedidos a empresas no caso
do ICMS.
A tese favorável ao governo teve aprovação
unânime da corte, embora a eficácia da decisão tenha sido suspensa por liminar
do ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal, que deve ser derrubada
nos próximos dias.
A disputa entre Receita Federal e empresas
é antiga. Uma decisão do STJ e uma lei de 2017, que emendava outra de 2014,
pareciam favorecer as firmas beneficiadas por várias medidas que resultam em
redução do pagamento do ICMS.
O valor de todas essas isenções seria
considerado subvenção para investimentos (implantação ou expansão de
empreendimento econômico). Portanto, não seria computado na conta do lucro real
e ficaria excluído da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, impostos federais. Pelo
atual entendimento do STJ, entretanto, não há exclusão automática desse valor.
A decisão do tribunal deve gerar aumento de
arrecadação, mas o poder público precisa comprovar que as empresas não estejam
utilizando tais recursos de acordo com as finalidades definidas pela lei. Pode
haver disputas, pois.
O Ministério da Fazenda chegou a prever que
uma medida judicial favorável poderia render R$ 88 bilhões anuais. Note-se que
todos os benefícios tributários do IRPJ e da CSLL para 2023 somam R$ 99,7
bilhões, na estimativa oficial. Recentemente, noticiou-se que a Receita espera
arrecadar R$ 47 bilhões, dado mais realista que, contudo, ainda carece de
fundamentação.
Ademais, é preciso verificar o efeito
prático. Aumentos de tributos ou reonerações impactam a atividade econômica e o
comportamento de empresas e cidadãos.
Aliás, a incerteza sobre o valor efetivo do
gasto tributário federal total, estimado em R$ 456 bilhões em 2023, suscita
dúvidas também sobre o aumento possível de arrecadação derivado da redução de
diversos benefícios, projeto crucial de Fernando Haddad.
Como argumenta o ministro da Fazenda,
vários deles são obsoletos, ineficazes ou privilégios. Precisam ser revistos,
em favor da equidade e da eficiência tributária. Faltam, porém, estimativas
realistas em termos econômicos, não apenas contábeis, e previsão do impacto em
preços e cadeias produtivas.
Mais importante, falta o
avanço de uma reforma tributária que passe um pente na imensa
desordem do sistema de impostos do país.
Tensão nas Coreias
Folha de S. Paulo
No embate geopolítico, EUA apostam em
arriscada pressão contra Kim Jong-un
No grande campo de disputas entre Estados
Unidos, a potência estabelecida desde o século passado, e a desafiante China, a
península coreana se encaixa como uma frente especialmente perigosa para a
segurança mundial.
Desde 1953, quando foi congelada a guerra
entre o Sul capitalista e o Norte comunista, a tensão é perene, com surtos de
acomodação e até vislumbres de paz.
Foi o que ocorreu na recente tentativa de
aproximação entre Washington, fiadora de Seul, e Pyongyang, apoiada por China e
Rússia, principais atores do embate geopolítico atual, em flancos diversos como
Taiwan e Ucrânia.
Após um 2017 de beligerância, o então
presidente Donald Trump trouxe o ditador Kim Jong-un à mesa por três vezes. Mas
a ideia americana de retirar a capacidade nuclear do Norte era falha.
A bomba atômica, que a ditadura asiática já
testou seis vezes, é o seguro de vida da aberrante dinastia stalinista que
comanda Pyongyang desde 1948, quando o país emergiu da partilha da península
entre União Soviética e EUA.
Com efeito, passado o período mais duro da
pandemia, Pyongyang acelerou seu programa de mísseis, que tem uma gama
impressionante de armas, algumas capazes de atingir até solo americano.
O alarme foi tão grande que Tóquio,
deixando claro que vê a Coreia do Norte e a China como uma ameaça única,
abandonou décadas de pacifismo e até estreitou laços com Seul —relação tisnada
pela memória da brutal ocupação japonesa da região no passado.
Agora, EUA e Coreia
do Sul anunciaram uma renovada aliança, com os presidentes Joe Biden
e Yoon Suk-yeol proferindo ameaças contra Pyongyang. Os países prometem tomar
decisões conjuntas em caso de uma guerra, empregando o arsenal atômico
operacional americano, 50 vezes maior do que o estimado norte-coreano.
Para sinalizar sua disposição, Biden
enviará, pela primeira vez desde a Guerra Fria, um submarino com mísseis
nucleares a um porto sul-coreano, embora descarte posicionar ogivas no aliado.
China e
Rússia denunciaram o acordo e defenderam o aliado, que mantém-se em
enervante silêncio.
Se a ação americana é consonante com a volta da política de força às relações internacionais, ela também embute riscos de escaladas acidentais e erros de cálculo, degradando ainda mais as chances de estabilidade e paz no planeta.
Miopia da União na Petrobras
O Estado de S. Paulo
Aprovação de indicados ao Conselho de
Administração vetados pela governança mostra desprezo de Brasília por normas
que podem prevenir corrupção e interferências políticas
O que leva o governo a insistir em
indicações para o conselho da Petrobras?
Oque leva o governo do presidente Lula da
Silva a insistir em indicações para o conselho da Petrobras que não poderiam
ser aprovadas por causa das regras de governança da própria companhia e pelo
que determina a Lei das Estatais? Por que o governo não escolheu outras pessoas
para fazer parte da administração da empresa? O que se espera ganhar com essas
práticas que ferem os princípios da governança corporativa?
O enredo do imbróglio é simples.
Três dos indicados pela União para compor o
Conselho de Administração da Petrobras foram considerados inelegíveis e não
haveria como contornar essa situação a não ser pela retirada dos seus nomes e
substituição por outras pessoas contra as quais não pesasse a suspeita de
poderem incorrer em conflito de interesses. Em vez disso, o governo confirmou
as indicações que foram, na quinta-feira, aprovadas pela assembleia.
A aprovação desses nomes pelos acionistas
contraria as recomendações de três instâncias da empresa, inclusive pelo comitê
de pessoas do conselho. Os três não deveriam ter sido sequer indicados porque
não preenchem os requisitos discriminados na Lei das Estatais por exercerem
cargos em Brasília. Dos oito candidatos a conselheiros eleitos, seis são
vinculados à União e dois representam os investidores minoritários.
O regulamento da Petrobras estabelece 11 itens
que levam ao veto à participação no seu conselho. É proibido que ministros,
secretários de Estados e municípios, políticos no exercício de seus mandatos ou
na direção de partidos, entre outros, sejam conselheiros da empresa. Os
objetivos dessas restrições são evidentes – evitar a influência política na
condução da maior empresa estatal e diminuir a possibilidade de casos de
corrupção, que lamentavelmente marcaram a sua história, em particular nos
governos petistas.
O Ministério de Minas e Energia não deveria
nem sequer ter indicado aqueles nomes em primeiro lugar, pois era evidente que
contrariavam a lei e as regras da Petrobras. Uma vez que, como esperado, os
nomes foram rejeitados pelas instâncias de governança da empresa, o governo
deveria ter reconhecido que errou e indicado outros nomes – e não faltam
candidatos tarimbados para a função de conselheiros. Seria uma forma de mostrar
que se respeita a legislação vigente, adotada para proteger a Petrobras de
malfeitos.
Não estamos tratando de indicações para o
segundo escalão. Ao contrário, o regulamento da Petrobras é explícito ao
definir que a diretoria deve “exercer a gestão dos negócios, de acordo com a
missão, os objetivos, as estratégias e diretrizes fixadas pelo Conselho de
Administração”.
Os gestos do governo, indicando e
confirmando os inelegíveis, indicam desprezo pelas normas de governança
corporativa e pelo regramento das estatais de forma geral. Há anos se luta no
País pela adoção e a prática por todas as companhias, em especial as de capital
aberto, de regras de conduta em todos os seus escalões.
O próprio Ministério da Fazenda defendeu
recentemente medidas que dão maior poder à Comissão de Valores Mobiliários
(CVM) de forma que ela tenha instrumentos para ser, verdadeiramente, um xerife
do mercado de capitais. Os procedimentos da União em relação ao conselho da
Petrobras mostram, no entanto, que não se poderia esperar bons exemplos vindos
de Brasília – o que é absurdo.
Com essas práticas na Petrobras, o governo
Lula repete, de forma canhestra, o mesmo procedimento do seu antecessor. O
ex-presidente Jair Bolsonaro também insistiu em indicações desaconselhadas pela
governança da Petrobras e trocou seu presidente quando um deles quis barrar
interferências de Brasília na política de preços dos combustíveis. Se o governo
insistir em ignorar as normas que ajudam no bom funcionamento das estatais, ao
evitarem casos de corrupção e de má aplicação de recursos públicos, abre-se o
caminho para escândalos. É uma visão míope que pode resultar em custos mais à
frente para a Petrobras e o Brasil.
Meio século de Embrapa
O Estado de S. Paulo
A estatal foi protagonista-chave na
espetacular saga da agropecuária. Mas precisará se renovar para enfrentar os
novos desafios produtivos, tecnológicos, sociais e ambientais
Nos últimos 50 anos, o Brasil passou de
importador de alimentos a um dos maiores exportadores do mundo, em vias de se
tornar o maior. A agropecuária nacional está hoje na vanguarda da
produtividade, inovação e sustentabilidade.
Segundo o Ipea, a produtividade total dos
fatores – a relação entre o índice de produto e o índice de insumos – cresceu
400% na agricultura. Entre 2011 e 2020, enquanto o setor de serviços cresceu
1,5%, a indústria encolheu 12,8% e o PIB como um todo, 1,2%, a agropecuária
cresceu 25,4%. Ela alimenta cerca de 1/6 da população mundial e há décadas
garante o superávit da balança comercial. Desde os anos 70, os preços da cesta
básica caíram pela metade. A produção cresceu quatro vezes mais que a área
plantada. Essa intensificação ajudou o Brasil a preservar 66% de sua vegetação
nativa – a média na Europa e EUA é de 30%. Segundo o Ipea, nos últimos 15 anos
a agropecuária alcançou a marca de 113% na meta de mitigação de carbono e de
290% na de recuperação de pastagens.
O triunfo foi conquistado com muito
empreendedorismo, boas políticas de crédito e, sobretudo, tecnologia. Desde
1995, enquanto o fator terra respondeu por 20% no crescimento do valor da
produção e o fator trabalho caiu de 31% para 20%, a participação da tecnologia
subiu de 50% para 60%.
Não é por mero acaso que essa “Revolução
Verde” coincide com o tempo de vida da Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (Embrapa). Criada para reduzir o preço dos alimentos no
País e torná-los competitivos no mercado
externo, a Embrapa cumpriu essa missão com uma fórmula elementar: ciência
aplicada por pesquisadores de ponta bem remunerados.
Dentre as inovações que alavancaram a
espetacular produtividade do agro, destacam-se o plantio direto (que dispensa a
aração e gradação do solo para a semeadura); a fixação biológica do nitrogênio
em soja; o desenvolvimento de culturas para regiões tropicais; a disseminação
de pastagens melhoradas para o gado de corte e leite; ou o desenvolvimento de
transgênicos. Talvez a expressão mais gráfica dessa aventura tenha sido a
conquista do Cerrado: outrora pouco adequado à agricultura em razão da acidez
do solo, ele é hoje um dos maiores produtores globais de soja.
A Embrapa desconcertou os dogmas liberais
contra estatais e os socialistas contra o capitalismo no campo. Mas isso não
significa que as propostas virtuosas de um e outro lado não possam ser
construtivas para o futuro da empresa.
O seu tempo de vacas gordas passou e a
“joia da coroa” estatal está esmaecida, em parte vítima de seu próprio sucesso.
A riqueza acumulada pelo agro atraiu multinacionais que ocuparam seu lugar no
fornecimento de tecnologias. A burocracia estatal trava a captação de recursos
com licenciamento e comercialização de tecnologia que permitiriam canalizar recursos
públicos a desafios sem valor direto de mercado, como a sustentabilidade
ambiental e social: a grande contribuição do Brasil contra as mudanças
climáticas será reduzir as emissões e desmates da agropecuária, e milhões de
famílias no campo estão marginalizadas por falta de acesso às técnicas e
tecnologias que impulsionaram o agronegócio em escala industrial. Somem-se a
isso desafios estruturais, como o transporte, ou estratégicos, como a
dependência de fertilizantes russos.
Nos tempos pré-históricos, a revolução da
agricultura e do pastoreio deu à luz a civilização. Hoje, ao desafio do campo
de alimentar bilhões de humanos e abastecer sua indústria, soma-se o desafio de
preservar a natureza. O Brasil é chave para superá-los. Mas sua principal
empresa de pesquisa está envelhecida.
Todos os dias instituições criadas por
humanos nascem e morrem. Mas a beleza delas é que, ao contrário de seus
criadores, não precisam morrer. Mesmo as velhas podem rejuvenescer. Este
jornal, por exemplo, semeia há 148 anos o progresso da República. A Embrapa
semeia há 50 anos o progresso da agropecuária. Foi uma história épica. Cabe
apenas à Embrapa e a seu dono, o povo brasileiro, decidir se essa epopeia está
no seu capítulo final ou só no primeiro.
O tamanho da evasão escolar
O Estado de S. Paulo
Estudo mostra que, por ano, meio milhão de
jovens acima de 16 anos desistem de estudar. É uma tragédia
Muito se fala na falta de qualidade da
educação brasileira e na grande quantidade de alunos que não atingem níveis
adequados de aprendizagem. Mas há outra tragédia silenciosa que sela destinos e
retarda o desenvolvimento do País: a evasão escolar. Um estudo recém-lançado
pelo Serviço Social da Indústria no Rio de Janeiro (Firjan Sesi), em parceria
com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), reuniu dados
que mostram os efeitos perversos da evasão no ensino médio.
Há prejuízos de todo tipo. Mesmo com a
universalização do acesso ao ensino fundamental, milhares de adolescentes
abandonam a escola ao longo do caminho − e o problema se torna ainda mais grave
no ensino médio. A evasão aumenta justamente no 1.º ano daquela etapa, como se
existisse um fosso intransponível para muitos adolescentes que terminam o
ensino fundamental e não conseguem avançar.
O estudo Combate à evasão no ensino médio:
desafios e oportunidades informa que 500 mil jovens acima dos 16 anos largam os
estudos anualmente. Não surpreende que apenas 7 em cada 10 brasileiros concluam
essa última etapa da educação básica até os 19 anos, índice que deixa o Brasil
atrás de países latinoamericanos como a Costa Rica, a Colômbia e o Chile.
A baixa escolaridade, como se sabe, causa
perdas individuais e coletivas, contribuindo para a diminuição da
empregabilidade, das perspectivas salariais, da produtividade e da mobilidade
social. Sem falar nos impactos negativos em áreas como saúde e segurança
pública. A partir de metodologia desenvolvida pelo economista Ricardo Paes de
Barros, o estudo estimou que o Brasil ganharia R$ 135 bilhões por ano caso
elevasse a taxa de conclusão do ensino médio para o mesmo patamar do Chile,
onde 9 em cada 10 jovens completam essa etapa até os 24 anos.
A evasão reproduz a profunda desigualdade
do País, ao penalizar os mais pobres com mais intensidade: entre os 20% mais
ricos da população, a probabilidade de um jovem concluir o ensino médio é de
94% − mais que o dobro do índice de 45% registrado na faixa dos 20% mais
pobres, segundo a publicação da Firjan Sesi. A evasão tem múltiplas causas,
desde a baixa qualidade do ensino até a repetência, passando pela necessidade
de trabalhar para complementar a renda da família. O relatório chama a atenção
também para o “desencanto” com a escola e a “desconexão” entre o currículo e a
realidade dos estudantes.
Tal diagnóstico remete à realidade que deu
origem à reforma do ensino médio, cuja implementação foi equivocadamente
suspensa pelo Ministério da Educação (MEC). É evidente que o modelo anterior de
organização curricular do ensino médio não atendia às necessidades da juventude
e produziu uma situação que precisa ser superada − a começar pela redução da
evasão, um dos grandes dramas da educação brasileira. O panorama traçado pelo
estudo da Firjan Sesi é inequívoco e aponta para a necessidade de fazer da
escola um lugar menos desinteressante, e certamente mais amigável, aos
estudantes.
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