sexta-feira, 16 de agosto de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Conflito entre STF e Congresso é sintoma de anomalia

O Globo

Emendas parlamentares precisam ser transparentes, mas o Supremo não deve apostar em confronto

Emendas parlamentares que omitem o nome do responsável por destinar o dinheiro são uma anomalia e devem ser condenadas. Ferem pelo menos três princípios constitucionais: transparência, moralidade e publicidade. Quando os órgãos de controle e a sociedade ficam no escuro, é mais difícil identificar abusos, como repasses a políticos aliados, ou investigar suspeitas de conflito de interesse ou corrupção. Saber quem é o parlamentar responsável pelo destino do dinheiro é o básico. Mas não encerra a questão.

Mesmo emendas com nome e sobrenome são uma forma ineficiente de gastar dinheiro público. Seguem uma lógica paroquial. Municípios apoiados por parlamentares poderosos ganham mais que outros com necessidades maiores. Reformas em praças e festas têm prioridade sobre projetos feitos a partir de estudos técnicos. Por fim, a prerrogativa de gestão orçamentária do Executivo é erodida. Nesse quesito, o Brasil é uma aberração. Parlamentares controlam 20% dos recursos livres do Orçamento. Nos Estados Unidos, 2,4%. Na França, 0,1%.

Em 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que as emendas de relator feriam a Constituição, justamente por omitir o parlamentar responsável. De lá para cá, os congressistas adotaram as emendas de comissão, indicadas por colegiados. Usando o mesmo subterfúgio de não revelar o nome de quem destina o dinheiro, essas emendas aumentaram de R$ 474 milhões em 2022 para R$ 15 bilhões neste ano. A falta de transparência persiste.

No início do mês, o ministro do STF Flávio Dino determinou em liminar o pagamento pelo Executivo de emendas de comissão e restos a pagar de antigas emendas de relator somente quando garantida “total transparência e rastreabilidade”. No mesmo dia, decidiu que a Controladoria-Geral da União deveria promover, em até 90 dias, auditoria nas emendas Pix, recursos enviados a prefeituras sem exigir projeto ou critério de acompanhamento.

Na quarta-feira, o imbróglio ganhou novo capítulo. Novamente de forma liminar, Dino suspendeu não apenas todas as emendas Pix, mas também as emendas individuais com finalidade definida e as de bancada, por desobedecerem, segundo ele, a critérios técnicos de eficiência, transparência e rastreabilidade. Suas liminares deverão ir hoje a votação em plenário virtual. Dino está certo no mérito. Mas não significa que esteja certo no método adotado para pressionar o Congresso.

A resposta das lideranças do Legislativo foi imediata. A Câmara adiou a votação de destaques da reforma tributária, por achar que Dino é aliado do Planalto. A retaliação adia a entrada em vigor de regras essenciais para o crescimento da economia, da renda e do bem-estar. Noutra frente, uma comissão mista rejeitou a Medida Provisória prevendo aumento nos recursos destinados ao Judiciário. O Congresso pediu ontem a suspensão das liminares.

Que dois Poderes da União tenham visões tão díspares sobre as emendas parlamentares é sinal de que há algo de errado com quem ocupa os cargos mais altos da República. Ao mesmo tempo que o Congresso deveria fazer de tudo para que elas se adequassem à Constituição imediatamente, não é salutar que o STF imponha decisões monocráticas em tema político tão sensível. Os Poderes devem ser independentes, mas também harmônicos. A situação mostra que há problemas para satisfazer a ambas as condições.

Resultado do Ideb revela política educacional ineficaz e desigual

O Globo

Só uma meta nacional foi atingida, e apenas três estados cumpriram objetivos no ensino médio

São decepcionantes os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) divulgados nesta semana pelo ministro da Educação, Camilo Santana. No ano passado, o Brasil atingiu apenas uma das três metas de aprendizagem estabelecidas para 2021 (os mesmos objetivos foram mantidos até 2023 devido à pandemia de Covid-19): o país obteve nota 6 no 5º ano do ensino fundamental.

A situação se revelou mais crítica nas etapas finais do aprendizado, pontos nevrálgicos na educação brasileira. No 9º ano do fundamental, para o qual a meta era 5,5, o país obteve 5. No 3º ano do ensino médio, segmento essencial para a carreira dos alunos e para o desenvolvimento do país, o desempenho foi ainda pior: a nota ficou em 4,3, ante o objetivo de 5,2.

Calculado a cada dois anos com base nas notas de português e matemática no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e no número de alunos aprovados, o Ideb traz dados preocupantes. Em pelo menos 20% das cidades, os estudantes do 5º ano do ensino fundamental obtiveram notas baixíssimas em matemática. Não conseguem somar moedas de 25 ou 50 centavos, nem resolver questões que envolvem noções como duplo ou triplo.

Das 27 unidades da Federação, somente três atingiram a meta do Ideb no ensino médio: Goiás, Pernambuco e Piauí. Estados como Espírito Santo, Paraná, Ceará, Pará, Mato Grosso e São Paulo obtiveram notas que ficaram entre as dez maiores, mas insuficientes para alcançar as metas. Chama a atenção o desempenho do estado do Rio de Janeiro, penúltimo colocado, com nota 3,3, à frente apenas do Rio Grande do Norte (3,2).

Há que considerar o efeito da pandemia nos resultados. A gestão da educação durante a emergência sanitária foi desastrosa. O Brasil foi um dos países que passaram mais tempo com as escolas fechadas. A tentativa de sanar o problema com ensino remoto não funcionou e agravou a desigualdade entre os alunos, uma vez que nem todos dispunham dos meios para assistir às aulas on-line. Mas não se pode culpar apenas o coronavírus. Mesmo antes da Covid-19, a situação não vinha bem. E estados que enfrentaram as mesmas dificuldades em diferentes regiões conseguiram se recuperar.

Os resultados do Ideb mostram que, a despeito da pandemia, a educação brasileira patina em patamares de cinco anos atrás, com grandes desníveis entre os estados. Os números também revelam que é possível transformar a realidade. O estado do Pará, último colocado no ranking do ensino médio em 2019, ao lado de Bahia, Amapá e Rio Grande do Norte (todos com nota 3,2), saltou para o sexto lugar no Ideb em 2023, com 4,3. Existem modelos educacionais bem-sucedidos que priorizam a formação de professores, escolas em tempo integral, avaliações periódicas de aprendizagem, programas de reforço escolar, critérios técnicos na gestão escolar e melhoria das condições das escolas. O desafio do MEC é reproduzir as boas práticas no país inteiro.

Estados poderão ter aumento real de gastos e juro zero

Valor Econômico

A permissão para aumento das despesas estaduais levará fatalmente a novas renegociações futuras, como parece ter virado praxe

O governo Lula acredita que os investimentos do Estado impulsionam a economia, não importa o tamanho da dívida pública. Não havia, assim, motivos para que se opusesse à diluição das exigências para que Estados e municípios paguem suas dívidas, reduzindo tão mais os juros quanto mais investimentos realizarem. O projeto de renegociação da dívida dos Estados, Propag, é isso: em vez de tentar uma saída para os juros, mas coibindo de alguma forma as despesas de maus pagadores, reduz o custo de suas dívidas se gastarem mais.

No primeiro governo de Dilma Rousseff, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, suavizou a avaliação do Tesouro para que Estados e municípios pudessem se endividar mais e aumentou a oferta de crédito para eles. O governo Lula está fazendo a mesma coisa. Sem base no Congresso, em ano eleitoral, aceita as condições estabelecidas pelos devedores para quitar débitos. A iniciativa para reduzir a carga sobre os Estados partiu do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que encaminhou proposta que reduz os juros da dívida estadual virtualmente a zero - Minas Gerais, terceiro maior devedor, dá calote há tempos, como o Rio de Janeiro, o segundo em dívidas. O provável sucessor de Pacheco no comando do Senado, David Alcolumbre (UB-AP), tornou o projeto ainda mais favorável aos devedores.

O problema premente da dívida se concentra em quatro Estados: São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul detêm 90%, ou R$ 720 bilhões, do estoque dos débitos. O governo paulista paga suas dívidas em dia, os outros três, não. O projeto que passou no Senado foi concebido para resolver a situação desses três Estados e facilitou as condições dos demais, que estão pagando seus débitos em dia.

Por 70 votos a 2, o Senado aprovou a redução do indexador da dívida, hoje de IPCA mais 4%, para apenas o IPCA, sob determinadas circunstâncias. Os Estados poderão repassar à União ativos, como empresas estatais, e, se forem equivalentes a 10% ou 20% do total de débitos, os juros diminuirão 1 e 2 pontos percentuais, respectivamente. Os restantes 2% podem ser abatidos se os Estados aportarem recursos equivalentes em um fundo de equalização, a ser utilizado por eles mesmos ou pelos que estão com os débitos em dia.

Caso não tenha ativos para repassar à União, o Estado poderá dividir igualmente o abatimento de 4% de juros entre remessas ao fundo de equalização e aumento dos investimentos em infraestrutura, educação profissional, habitação, educação, saneamento, adaptação a mudanças climáticas, segurança pública e transporte, exatamente as funções essenciais do poder público.

O governo Lula não tentou evitar as liberalidades acopladas ao projeto, e até tentou introduzir um jabuti para reduzir o cálculo da receita corrente líquida, que indexa os gastos obrigatórios com educação da União (15%). Os partidos aliados estranharam, a ideia foi arquivada e os senadores petistas votassem a favor do texto ampliado por Alcolumbre.

Alcolumbre estabeleceu nova via de abatimento, a partir de 2029. Com a reforma tributária, a União terá de custear um fundo de desenvolvimento regional para compensar perdas de arrecadação com as mudanças. A conta passa de R$ 450 bilhões em 20 anos. O texto aprovado no Senado permite que esse dinheiro possa ser usado para abater dívidas.

A consolidação das dívidas estaduais e municipais foi um dos principais pontos do Plano Real. Os Estados perderam seus bancos e o poder de emitir dívida, em troca de condições mais favoráveis que as de mercado para pagamento dos débitos. Com o tempo, conseguiram mudar a seu favor as condições de pagamento. As restrições ao aumento de pessoal e gastos correntes nunca foram cumpridas, mesmo com receitas em queda. Em alguns casos, como o do Rio de Janeiro, a arrecadação turbinada por royalties de petróleo serviu para ampliar gastos permanentes, que se tornaram impagáveis quando as cotações declinaram.

O regime de recuperação fiscal, ensaio fracassado de resolver o endividamento de Rio, Minas e Rio Grande do Sul, pressupunha teto de gastos pela inflação e proibição de aumento de pessoal. Foi ignorado. O projeto aprovado pelo Senado estabeleceu um regime tão ou mais frouxo que o novo regime fiscal do governo Lula. Em 2024, os entes federativos poderão gastar o quanto quiserem e essas despesas servirão de base para o exercício de 2025, corrigidas pelo IPCA mais 1%, exclusive gastos de saúde e educação.

Interessado em mais crescimento, o presidente Lula, em busca de apoio político para a reeleição, aceita a piora das contas públicas no futuro. Em vez de negociar com três Estados inadimplentes mas sendo firme na cobrança de contrapartidas, aliviou as obrigações dos outros 24, que estavam em dia com seus pagamentos mas não poderiam ficar vendo concessões aos outros. Essas concessões todas fariam até algum sentido caso as contas da União estivessem em boa fase - não estão. O governo federal paga IPCA mais 5,5% de juros para se endividar enquanto reduzirá a zero os juros para os Estados. A permissão para aumento das despesas estaduais levará fatalmente a novas renegociações futuras, como parece ter virado praxe.

Gestão de recursos faz a diferença no ensino

Folha de S. Paulo

Ideb mostra que Brasil não consegue alcançar metas e que os estados mais ricos nem sempre usam verbas de forma eficiente

O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2023 revela que, para melhorar a aprendizagem dos alunos, uma gestão mais eficiente dos recursos pode ter peso maior do que os montantes disponíveis para o setor.

O Pará é exemplo notável. No ensino médio da rede pública, foi o estado que mais avançou, passando da penúltima posição em 2021, com nota 3, para a 6ª em 2023, com 4,3 —o indicador vai de 0 a 10. O Piauí teve a mesma nota, mas na edição anterior já obtivera 4.

Os dois estão à frente de unidades federativas muito mais ricas, como São Paulo (4,2) e Rio de Janeiro (na penúltima posição, com 3,3).

Para uma ideia da discrepância, de acordo com o IBGE, em 2021 o Pará ocupava a 15ª posição em PIB per capta (R$ 29.953), e o Piauí, a 25ª (R$ 19.466). Já São Paulo (R$ 58.302) estava na 4ª, e Rio de Janeiro (54.360), na 5ª.

Goiás (4,8) lidera o ranking no ensino médio do sistema público, seguido por Espírito Santo e Paraná (4,7), Pernambuco (4,5) e Ceará (4,4), enquanto o Rio Grande do Norte (3,2) está no fim da fila.

Ademais, todas as cem escolas públicas com melhor desempenho nos anos iniciais do ensino fundamental (do 1º ao 5º ano) estão no Nordeste —68 no Ceará, 31 em Alagoas e 1 em Pernambuco.

Em 2007, o Ceará iniciou uma reforma no ensino fundamental pautada pela colaboração entre estado e municípios para alfabetizar o alunado na idade certa.

Outro ponto importante foi a política que atrela a distribuição de ao menos 10% da cota municipal do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) a melhorias nos indicadores de aprendizagem e na diminuição de desigualdades entre os estudantes da rede.

O Ideb, realizado a cada dois anos desde 2007, não só avalia o ensino, combinando as notas do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e as taxas de aprovação escolar, como propõe metas.

Em 2023, considerando as redes pública e privada, o país só atingiu a meta dos primeiros anos do ensino fundamental, que registrou nota 6. Mas não obteve sucesso nos anos finais dessa etapa (6º ao 9º ano), com 5 pontos, nem no ensino médio, com 4,3 —as metas eram de 5,5 e 5,2, respectivamente.

Comprova-se, portanto, que o Brasil enfrenta dificuldades para alcançar na prática seus objetivos. Boas intenções não bastam.

É preciso que o governo federal mantenha monitoramento do ensino no país, nacionalize as experiências regionais exitosas e incentive modelos que têm potencial para melhorar a aprendizagem e reduzir a evasão escolar. Mas cabe sobretudo aos estados e municípios avançar na boa gestão dos recursos do setor, que não são poucos.

Servidores custosos

Folha de S. Paulo

Governo Lula ensaia redução de salários iniciais, o que deveria ser aprofundado

Salários acima da média do mercado para profissionais de qualificação semelhante não são a única distorção que torna caro em excesso o serviço público brasileiro, especialmente em âmbito federal.

Há muito se observa também que as remunerações iniciais nos diferentes setores do funcionalismo estão muito próximas das do topo das carreiras. Trata-se de uma situação que favorece os servidores, mas não a gestão do Estado.

Um recém-concursado para o cargo de analista do Banco Central, por exemplo, ingressaria hoje no órgão recebendo R$ 20.925 mensais —o que o colocaria de imediato no alto da pirâmide social de um país onde a renda média do trabalho é de R$ 3.214. Chegando ao auge da carreira, o valor sobe para R$ 29.833.

De um piso já elevado para o topo dos vencimentos, o caminho é curto —em muitos casos pode não passar de 13 anos, como disse a ministra Esther Dweck, da Gestão, em entrevista à Folha.

Com tal desenho, que se repete em graus variados por toda a administração, o profissional não apenas é custoso em demasia ao erário como tem pouco incentivo para se dedicar à carreira.

Não por acaso, uma das providências de reforma administrativa mais defendidas pelos estudiosos, e apoiada por este jornal, é a redução dos salários iniciais no serviço público. O governo petista, embora organicamente ligado às corporações, enfim dá passos iniciais nesse sentido.

Em acordos para a reestruturação de carreiras, o ministério de Dweck tem incluído remunerações de entrada menores. No exemplo deste texto, os futuros analistas do BC começarão recebendo R$ 18.034 (13,8% a menos que hoje) —porém já com previsão de reajuste do valor para R$ 20 mil em maio de 2026. Fala-se ainda em elevar a 20 anos o período do piso ao topo.

Medidas do tipo deveriam ser mais ambiciosas, controlando também os salários mais altos, o que é difícil num governo de tantos laços com o sindicalismo. Fica demonstrado, de todo modo, que se pode avançar na reforma sem depender só de mudanças politicamente intrincadas na Constituição.

Freio de arrumação nas emendas parlamentares

O Estado de S. Paulo

Sua proliferação descontrolada degrada políticas públicas, amplia o risco de corrupção e distorce a competição eleitoral. Ao exigir transparência e eficiência, o STF cumpre seu papel

O Supremo Tribunal Federal (STF), por liminar concedida pelo ministro Flávio Dino, suspendeu as emendas parlamentares impositivas até que sejam criados parâmetros para garantir a sua “eficiência, transparência e rastreabilidade”. A única reprimenda que se pode fazer à decisão é que é tardia. Mas era necessária, e a reação figadal da brigada fisiológica no Congresso só corrobora sua pertinência.

Parlamentares irritados afirmam que eles conhecem melhor as necessidades das populações locais, e sua participação na alocação dos recursos públicos é um instrumento democrático empregado em todo o mundo. É uma meia-verdade, incapaz de disfarçar as perversões por trás da dilapidação do Orçamento.

De fato, emendas existem em todo o mundo, e a Constituição as previu justamente para que os congressistas orientassem recursos às necessidades locais. Mas no Brasil seu volume cresceu a níveis exorbitantes. Um levantamento do Instituto Millenium mostrou que em 29 países da OCDE, um fórum das democracias ricas, os montantes na maioria são inferiores a 0,01% das despesas discricionárias e só em três eles superam 2%. No Brasil a dotação saltou de 4% em 2014 para 24% hoje.

Mais aberrante é a proliferação de modalidades e suas distorções. Até 2015, a execução de emendas individuais e de bancada dependia da disponibilidade de recursos. Então se estabeleceram cotas obrigatórias. Em 2019 foram criadas as “Transferências Especiais” (“emendas Pix” ou “cheque em branco”) que permitem repasses a Estados e municípios para que seus governantes gastem praticamente como bem entenderem. O maior retrocesso veio em 2020, quando a “Emenda do Relator” – que serviu aos “anões do Orçamento”, em 1993 – foi exumada e anabolizada para permitir que o governo distribuísse recursos a aliados sem qualquer transparência. O chamado “orçamento secreto” logrou a proeza de violar todos os princípios constitucionais da administração pública – legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência – e não à toa foi declarado inconstitucional pelo STF. Ainda assim, os parlamentares, com a conivência do governo, têm buscado formas de maquiá-lo.

Emendas parlamentares deveriam preservar a qualidade do Orçamento, observar uma lógica coletiva e ser objeto de escrutínio popular. Mas o desmonte dos mecanismos de distribuição transparente, técnica e equitativa acarreta a degradação das políticas públicas, porque os recursos são pulverizados sem planejamento; pressões fiscais, porque são drenados das políticas setoriais dos ministérios; riscos de corrupção, porque não são fiscalizados; e distorções da competição democrática, porque irrigam os currais eleitorais dos parlamentares. São perversões flagrantes no caso das “emendas Pix”, mas em maior ou menor grau valem para as outras.

O Congresso reagiu à liminar cortando verbas do Judiciário, inflamando ameaças de impeachment e protestando contra o ativismo judicial. A invasão de competências por parte do STF é de fato um problema crônico e cada vez mais agudo. Mas não foi o caso desta vez. A Corte não está legislando nem interferindo nas prerrogativas do Legislativo de ingerência sobre o Orçamento. Está só exigindo que ela obedeça às exigências constitucionais. A resposta do Congresso, puramente retaliatória e nada propositiva, só revela o nível de degradação a que se chegou no trato do Orçamento.

Assim como o voto é a base da democracia, o Orçamento é a sua culminação. É através dele que os recursos do contribuinte são materializados em serviços para os cidadãos. A negligência dos representantes eleitos em promover reformas tem comprometido cada vez mais as despesas com custeio de servidores e benefícios previdenciários, enquanto a parcela cada vez mais comprimida dos gastos discricionários é pulverizada sem transparência. O Orçamento caminha para o pior dos dois mundos: gastos engessados e investimentos arbitrários. Arrumar a casa é não só uma exigência da realidade, mas da Constituição. Ao impor ao Legislativo um freio de arrumação, a Corte nada mais fez que cumprir o seu papel de guardiã da ordem constitucional.

O que era ruim ficou pior

O Estado de S. Paulo

Senado aprova outra generosa proposta de renegociação de dívida dos Estados. Só quem perde é o Ministério da Fazenda, que entregou o jogo antes mesmo de entrar em campo

Quando algo começa mal, termina mal. E assim foi com o projeto de lei de renegociação da dívida dos Estados. O projeto inicial era ruim, mas o texto aprovado pelos senadores nesta semana conseguiu a proeza de ser ainda pior. Por 70 votos a 2, o Senado deu aval a uma proposta que não resolverá o problema dos Estados, mas que dará um prejuízo certo à União.

O erro foi de origem. Ao apresentar o programa “Juros por Educação” em março deste ano, o governo federal criou as condições ideais para que os Estados se refestelassem na renegociação. Frouxa já na partida, a proposta não induzia os governadores a cortar despesas para se enquadrar no programa, mas a investir no ensino técnico para obter condições mais vantajosas para suas dívidas.

Ora, em qualquer proposta digna de ser chamada de ajuste fiscal, o credor deve estimular o devedor a gastar menos, não mais. Para piorar, em vez de estabelecer negociações de parte a parte com os entes mais encalacrados, o governo optou por uma proposta abrangente que abarcasse todos os Estados, mesmo os que não têm dificuldades para honrar suas dívidas. O resultado era previsível, e o Executivo perdeu o controle da negociação para o Senado.

Possível candidato ao governo de Minas Gerais, o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), não se fez de rogado e elaborou um texto sob medida para as necessidades de seu Estado. Mais habilidoso, o relator, Davi Alcolumbre (União-AP), cedeu para atender todos, de olho nas eleições para o comando do Senado no ano que vem.

As dívidas poderão ser pagas em até 30 anos e, a depender do atendimento de critérios previstos no texto, poderão ter os juros zerados e atualizados apenas pela inflação. Bastará que repassem ativos à União, que invistam 60% dos recursos economizados em educação e que apliquem o restante em habitação, transportes, saneamento, segurança ou adaptação às mudanças climáticas.

As parcelas das dívidas poderão ser abatidas com recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), que, formalmente, ainda nem existe. Não se sabe se isso é constitucional ou se haverá dinheiro suficiente no fundo para pagar as dívidas e compensar os Estados pelo fim dos incentivos fiscais após a aprovação da reforma tributária – razão pela qual o fundo foi criado. Mas isso será um problema para os governadores do futuro, não para os atuais.

Estados que tiverem estatais, imóveis ou créditos da dívida ativa também poderão repassá-los à União em troca da redução do indexador da dívida. Operações semelhantes realizadas no passado causaram perdas bilionárias à União, mas isso não impediu Estados como Alagoas e Piauí de cobrarem ressarcimentos igualmente bilionários no Supremo Tribunal Federal pela federalização e posterior privatização de suas distribuidoras de energia.

Se aderirem, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás e Rio Grande do Sul deverão depositar o dinheiro economizado com a repactuação no Fundo de Equalização Federativa, que repassará o dinheiro aos Estados do Norte e Nordeste, menos endividados. Resta saber se farão o pagamento de fato, haja vista o histórico de calotes.

Os Estados que aderirem estarão sujeitos a algo semelhante ao arcabouço fiscal da União, mas ainda terão os últimos meses deste ano para gastar à vontade. O teto será calculado com base nas despesas de 2024, e, embora o dispositivo estabeleça que os gastos não podem superar 70% das receitas, não haverá o limite de crescimento real de até 2,5% que vale para o Executivo federal.

O Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag) ainda terá de ser aprovado pela Câmara, mas não se espera resistência ao texto por parte dos deputados. Afinal, só quem perde é o Ministério da Fazenda, que, a bem da verdade, entregou o jogo antes mesmo de entrar em campo.

Com a proposta, o Senado conseguiu enterrar de vez o Regime de Recuperação Fiscal, que impunha contrapartidas como privatizações e realização de reformas aos mais endividados, e plantou a semente da futura crise dos Estados, a quem a União terá de socorrer mais uma vez.

O eleitor sabe o que quer

O Estado de S. Paulo

Pesquisa feita durante debate do ‘Estadão’ mostra que eleitor quer soluções, e não baixaria

Procura-se em São Paulo um prefeito com propostas, e os postulantes ao cargo que apresentam soluções aos reais problemas da maior cidade do País só têm a ganhar. Pode parecer óbvio, mas, em tempos estranhos, com polarização e aventureiros à caça de cliques, os paulistanos precisam deixar claras as aspirações que motivam suas escolhas eleitorais, e, entre elas, não está a baixaria. Muito pelo contrário.

Pesquisa qualitativa conduzida pelo Instituto Travessia com 15 eleitores que acompanharam em tempo real o debate promovido pelo Estadão, em parceria com a Fundação Armando Alvares Penteado (Faap) e com o Terra, na quarta-feira, 14, mostrou que o bate-boca entre candidatos causou repulsa. Os cidadãos, sabiamente, dispensaram o ataque, a rinha deletéria entre esquerda e direita e os temas nacionais distantes do cotidiano da metrópole.

O grupo continha eleitores dos seis participantes, de acordo com a proporção das intenções de voto nas últimas pesquisas quantitativas. Três diziam votar em Ricardo Nunes (MDB); três, em Guilherme Boulos (PSOL); dois, em José Luiz Datena (PSDB); dois, em Pablo Marçal (PRTB); um, em Tabata Amaral (PSB); e um, em Marina Helena (Novo). Havia ainda três indecisos. Boa parte dos candidatos não passou nesse teste.

Enquanto houve candidatos que saíram menores do que entraram, houve aqueles que, com bons exemplos na condução das discussões sobre São Paulo, saíram maiores. Ao que tudo indica, fizeram a lição de casa e atentaram para o fato de que os paulistanos, como apontam pesquisas quantitativas, querem um candidato propositivo, independente e focado.

Isso pode explicar o desempenho, por exemplo, de Tabata Amaral, que ganhou o apoio de outros seis eleitores do grupo ao mencionar a meta de alfabetizar 100% das crianças até o terceiro ano, expandir a rede de ensino integral e detalhar um programa de parcerias com empresas e universidades para capacitar jovens. Já Ricardo Nunes, que saiu com quatro apoiadores, causou boa impressão ao falar de iniciativas de sua gestão – ou seja, teve o que mostrar. À esquerda e à direita, Boulos e Marçal, que aparecem bem posicionados nas pesquisas, decepcionaram e protagonizaram cenas que horrorizaram os eleitores.

O cientista político Renato Dorgan, CEO do Instituto Travessia, captou os sentimentos dos eleitores. Para ele, o debate terminou com “Nunes seguro, Tabata qualificada, Datena frustrante, Marçal folclórico, Marina fraca e Boulos instável”.

Esse diagnóstico deve servir de alerta àqueles que se colocaram ao eleitorado para enfrentar os desafios de São Paulo pelos próximos quatro anos. E, muito além do que se viu diante das câmeras, foi da sala dos eleitores que saíram as maiores lições do debate. Fartos de diversionismo, esses cidadãos deixaram o recado de que buscam um futuro para a cidade em que nasceram ou que escolheram viver e sinalizaram que esperam o diálogo com boas propostas. Ouvi-los seria um bom exercício para candidatos que muito gritam e pouco oferecem à capital.

A emergência da Mpox

Correio Braziliense

Em 16 países africanos, já são 38.645 casos em dois anos e meio, com quase 1.500 mortes. O número de ocorrências aumentou em 160% este ano

Nesta semana, assistimos à declaração do diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros  Adhanom Ghebreyesus, sobre a emergência de saúde pública internacional com relação à Mpox. A doença tem avançado nos países da África, com destaque para a República Democrática do Congo. O comitê da entidade alertou para a detecção de uma nova cepa, o clade lb, considerada uma variante mais perigosa em quatro regiões africanas, onde não havia registros anteriormente. 

Infecção viral, a Mpox pode se espalhar facilmente tanto entre pessoas quanto em animais. Basta o contato próximo com outra pessoa, como toque, beijo, relação sexual — seja a partir de fluidos corporais, gotículas respiratórias, sejam lesões —, além de objetos pessoais contaminados, como roupas e agulhas. Para piorar, a pessoa infectada é capaz de transmitir o vírus do início dos sintomas até que todas as lesões na pele cicatrizem completamente.

A preocupação das autoridades tem sentido. Embora o surto esteja limitado à África, ele tem peculiaridades com relação às cepas de 2022. Os níveis de contágio e mortalidade são superiores. Em 16 países africanos, são 38.645 casos em dois anos e meio, com quase 1.500 mortes. O número de casos aumentou em 160% este ano, comparado a 2023, e,  desde o começo de 2024, mais de 17 mil casos e 500 mortes foram reportados em 13 países da África, de acordo com o Centro Africano de Controle e Prevenção de Doenças (CDC). 

No Brasil, não há motivo para pânico, pelo menos por enquanto, garantiu a ministra da Saúde, Nísia Trindade, que trocou o termo "alarme", de Tedros, por alerta. No país, pouco mais de 700 casos e menos de 20 mortes foram registrados, e não há registros da nova variante. A pasta também diz estar negociando 25 mil doses de vacinas contra a doença com a OMS.

A recuperação de um paciente com Mpox pode durar até um mês, desde que o diagnóstico esteja correto. É que as erupções na pele podem ser confundidas com outras doenças, a exemplo da herpes zoster e varicela zoster, infecções bacterianas, entre outros. Em pacientes graves, são grandes as chances de prejuízos cerebrais. Um estudo publicado na revista científica Jama mostrou que a Mpox também pode provocar complicações neurológicas, apesar de raras, como cefaleia, inflamação no cérebro, distúrbios de humor, inclusive depressão e ansiedade, e dores crônicas neuropáticas.

Fato é que estudos mais avançados com relação ao vírus ainda são incipientes e não se sabe exatamente o que a doença pode fazer com o sistema nervoso central (SNC). Três imunizantes funcionam contra o vírus, mas a OMS não recomenda a vacinação massiva da população, e os medicamentos não são específicos, apenas aliviam sintomas. A última "ofensiva" da OMS é um pedido recente às farmacêuticas que fabricam esses imunizantes para que invistam maciçamente em pesquisa. Agora é aguardar, em estado de alerta. 

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