Valor Econômico
O que a Indonésia aprendeu com o tsunami que matou mais de 227 mil e o alerta assustador de Carlos Nobre
O resort em Bali não surpreende apenas pelo acesso à praia pavimentado por flores de frangipani -que conhecemos por jasmin-manga- e leve cheiro de incenso. No quarto, sobre a mesa de cabeceira há uma lanterna no lugar do abajur. Não só: a placa da saída de emergência, com a tradicional figura do homenzinho correndo, é bem mais eloquente na Indonésia. Mostra uma onda enorme e diz “Tsunami Evacuation Route”. Se soar o alarme é pegar a lanterna e correr o mais rápido possível em direção a lugares altos.
Foi num domingo de manhã há 20 anos que a terra tremeu violentamente debaixo do oceano Índico. Era 26 de dezembro de 2004. O terremoto atingiu 9,1 graus na escala Richter, um sismo dos maiores já registrados, que durou quase dez minutos e, soube-se depois, fez o planeta inteiro vibrar. O fenômeno movimentou água do mar em volumes impressionantes. Calcula-se que tenha liberado energia equivalente a 1.500 bombas atômicas como a que os Estados Unidos jogaram sobre Hiroshima em 1945. O tsunami que surgiu causou destruição em 14 países e matou 227.898 pessoas. Foi a pior tragédia natural já registrada. Os desabrigados superaram 1,7 milhão.
Não havia sistemas de alerta na região. A
população da ilha de Sumatra foi pega de surpresa meia hora depois do
terremoto, outros países foram atingidos até sete horas depois. Ondas de 30
metros de altura destruíram o que encontraram pela frente - árvores, edifícios,
casas, hotéis, lojas -, um rastro de horror que provoca calafrios em quem se
lembra das imagens. A Indonésia foi a mais atingida. Em Sri Lanka morreram mais
de 35 mil pessoas. Na Índia foram 16 mil. Os danos foram estimados em mais de
US$ 10 bilhões.
Um evento promovido em agosto em Bali pela
Asia-Pacific Broadcasting Union colocou holofotes na ação climática, na
prevenção a desastres, na importância dos sistemas de alerta e de a população
saber o que precisa fazer. Há problemas de todo o tipo a serem equacionados. Na
catástrofe de 20 anos atrás na Ásia muitos nem sequer conheciam a palavra
japonesa tsunami e não entendiam o que estava por vir. “Era domingo, eu tinha
planejado ir pescar, sair com as crianças, ver tevê”, contou o jornalista M.
Toh, que vivia em Achém, ao norte de Sumatra. “Mas ao sair de casa, pensamos
que era o Dia do Julgamento Final”, recorda. Ouviam gritos de que o mar estava
subindo. “Peguei minha família e saímos, quatro em uma moto. Por sorte fomos
para o lado certo ou não estaríamos aqui hoje”.
“A República da Indonésia é líder na
prevenção de desastres”, disse Kamal Kishore, diretor da UNDRR, braço das
Nações Unidas que se ocupa da redução do risco de desastres. Terremotos e
tsunamis são fenômenos que não têm relação com clima, mas prevenção a desastres
e resiliência têm tudo a ver. O time da UNDRR sugere estratégias. Começa por
olhar para cidades, povoados e comunidades e pensar quais são os fatores de
risco. Considerar como decisões políticas e de desenvolvimento podem aumentar
ou reduzir os riscos e como os perigos de desastres podem transcender
fronteiras e atingir todos os setores da sociedade. Outro ponto é observar por
qual motivo desastres discriminam e causam pior impacto aos mais vulneráveis. E
o mais importante: entender como países e comunidades podem reduzir o risco e
aumentar sua resiliência.
Em março de 2022 o secretário-geral das
Nações Unidas, António Guterres, lançou iniciativa que pretende que até 2027
todos os países consigam proteger sua população de eventos climáticos extremos
com sistemas de alerta precoces. Trata-se de avisar a população com
antecedência sobre secas, tempestades e incêndios florestais. Na ocasião,
Guterres lembrou que quem vive na África, no sul da Ásia, na América do Sul e
nas pequenas ilhas tem 15 vezes mais probabilidade de morrer de desastres
relacionados ao clima. Até 2030 o mundo pode ter 1,5 desastre diário.
Há poucos dias, em entrevista ao “Estado de S. Paulo”, o climatologista Carlos Nobre, um dos mais famosos do mundo, disse estar “apavorado” com a crise climática, que explodiu antes do que os cientistas previam. Com exceção de julho de 2024, desde junho de 2023 o mundo vive temperaturas acima de 1,5°C. “A Terra só viu algo parecido há 120 mil anos”, escreveu na “Folha de S.Paulo”. A consequência de 14 meses de altas temperaturas, com recorde também nos oceanos e grande aumento do degelo na Antártica, é um crescimento exponencial de eventos climáticos extremos. “Esse é um grande risco. Se a temperatura continuar em 1,5°C -estou dizendo ‘se’, e não que vai acontecer-, pode ser que não abaixe mais”, disse ao Valor. “Temos que dar grande acelerada na redução das emissões e criar megaprojetos de restauração florestal, para retirar CO2 da atmosfera”, diz. Acrescenta que o mundo está “totalmente desadaptado” e que o Brasil segue a maioria. “O país não está adaptado, é só ver o que aconteceu no Rio Grande do Sul e a seca extrema quebrando safras. Não basta fazer planos no papel, tem que implementar, e com velocidade”. Nobre lembra que milhões de brasileiros vivem em áreas de altíssimo risco de deslizamentos e inundações e têm que ser retirados dali. Sobre exploração de petróleo, carvão e gás, ele nem sequer considera futuras frentes. “Temos que parar de explorar o que já sabemos que existe.”
Um comentário:
“A Terra só viu algo parecido há 120 mil anos” Parecido é péssima argumentação. Foi pior ou melhor? Maior ou menor? E há 400 mil anos e 1,1 milhão de anos, foi pior ou melhor? Maior ou menor? além disso, por que e como aconteceu? MAM
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