sábado, 12 de outubro de 2024

Livro | Paulo Fábio Dantas Neto - ACM(político baiano-nacional)

Livros costumam ter história e destino próprios que fogem à intenção dos autores, e este que o leitor agora tem em mãos não escapa ao aforismo. Digamos, de cara, algo sobre sua origem. Nascido como seguimento de livro publicado em 2006, cujo marco temporal cobre basicamente o “primeiro carlismo”, estamos aqui diante de muito mais do que mera “cronologia” do largo percurso posterior de Antônio Carlos Magalhães nos momentos decisivos da história política do seu estado e do País. 

Paulo Fábio, na verdade, continua seu tour de force anterior, retratando a construção lenta e contraditória de um “idioma baiano-nacional”, a marca registrada com que ACM foi além do dialeto local – que, no entanto, permaneceria como substrato e sotaque – e alçou-se a uma condição muito mais alta do que a de mero chefe político provinciano.  

Já no primeiro livro delineava-se com nitidez um personagem que reunia em si, num mesmo nó inextricável, a tradição e o moderno, a conservação e a mudança. Agora, neste segundo, por força do período mais extenso de pesquisa, surge um homem e uma circunstância mais complexos do que nós, leigos, normalmente tendemos a considerar.  

A virtù do ator e a fortuna que lhe coube estão aqui vivamente dispostos em conjunturas como a da abertura e a do País redemocratizado, a da reforma liberal dos anos noventa e a da ascensão do petismo. O ator sofre golpes tremendos, como a morte do filho e sucessor, e a eles reage, numa sequência impressionante de recuos, refrações e revides, até a consumação do “carlismo” e, por fim, sua continuidade subterrânea na cultura política que ajudou a moldar durante décadas de domínio e direção. 

Há em Paulo Fábio empatia e espírito crítico, compreensão de motivos históricos profundos e identificação de pontos problemáticos. A Bahia una e indivisível do “grande carlismo”, a expressar-se numa só língua, terá sido uma aspiração crescentemente incompatível com os requisitos de uma sociedade civil plural e uma sociedade política moderna, agitada pela competição democrática. Nada impede, porém, que aquela aspiração, compreensível em contextos pretéritos, renasça com atores insuspeitos e enredos ainda não escritos. Este livro nos informa, ilustra e adverte contra tal possibilidade – e não se pode desejar para ele nenhum outro destino mais digno e mais fecundo. 

*Luiz Sérgio Henriques, Ensaísta, tradutor, um dos organizadores dos Cadernos do cárcere de A. Gramsci


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