Paulo Fábio, na verdade, continua seu tour
de force anterior, retratando a construção lenta e contraditória de um
“idioma baiano-nacional”, a marca registrada com que ACM foi além do
dialeto local – que, no entanto, permaneceria como substrato e sotaque –
e alçou-se a uma condição muito mais alta do que a de mero chefe político
provinciano.
Já no primeiro livro delineava-se com nitidez
um personagem que reunia em si, num mesmo nó inextricável, a tradição e o
moderno, a conservação e a mudança. Agora, neste segundo, por força do período
mais extenso de pesquisa, surge um homem e uma circunstância mais
complexos do que nós, leigos, normalmente tendemos a considerar.
A virtù do ator e a fortuna que lhe
coube estão aqui vivamente dispostos em conjunturas como a da abertura e a
do País redemocratizado, a da reforma liberal dos anos noventa e a da
ascensão do petismo. O ator sofre golpes tremendos, como a morte do filho
e sucessor, e a eles reage, numa sequência impressionante de recuos,
refrações e revides, até a consumação do “carlismo” e, por fim, sua
continuidade subterrânea na cultura política que ajudou a moldar durante
décadas de domínio e direção.
Há em Paulo Fábio empatia e espírito crítico,
compreensão de motivos históricos profundos e identificação de pontos
problemáticos. A Bahia una e indivisível do “grande carlismo”, a
expressar-se numa só língua, terá sido uma aspiração crescentemente incompatível
com os requisitos de uma sociedade civil plural e uma sociedade política moderna,
agitada pela competição democrática. Nada impede, porém, que aquela aspiração,
compreensível em contextos pretéritos, renasça com atores insuspeitos e enredos
ainda não escritos. Este livro nos informa, ilustra e adverte contra tal possibilidade
– e não se pode desejar para ele nenhum outro destino mais digno e mais fecundo.
*Luiz Sérgio Henriques, Ensaísta, tradutor, um dos organizadores dos Cadernos do cárcere de A. Gramsci
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