O Globo
Em entrevista à jornalista Mônica Bergamo, o
pastor Silas
Malafaia fez duras críticas a Jair Bolsonaro. Chamou-o de “covarde e
omisso” por não ter oferecido resistência a Pablo
Marçal. Segundo Malafaia, o ex-presidente se omitiu nas eleições em São
Paulo para “ficar bem com seus seguidores”.
— Que porcaria de líder é esse? — questionou
o pastor. — O líder pode ouvir, mas não pode basear suas decisões na opinião da
maioria em redes sociais. Ele tem que basear suas decisões em princípios!
Foi Bolsonaro, de fato, um líder omisso?
A entrada de Marçal na política foi o acontecimento mais marcante das eleições de 2024. Aproveitando a corrida para a Prefeitura de São Paulo, ele se posicionou como verdadeiro candidato antissistema, em contraste com Bolsonaro, que se comprometera a apoiar o atual prefeito, Ricardo Nunes, candidato do Centrão. Nesse cenário, Marçal se projetou como mais “bolsonarista” que o próprio Bolsonaro — um movimento delicado, mas que ele soube conduzir com habilidade.
Sua campanha foi estrategicamente desenhada.
Marçal se firmou como candidato da direita antissistema, mas evitou amarrar
essa identidade a propostas políticas concretas, permitindo que qualquer
eleitor descontente se identificasse com ele. Era contra os partidos
tradicionais, contra o “consórcio comunista” que dizia dominar as estruturas de
poder, mas não a favor de algo específico, de maneira que qualquer um que se
sentisse oprimido pelas elites podia projetar nele as suas aspirações. Sua
atitude impertinente e destrutiva — que tanto irritou jornalistas e formadores
de opinião — apenas reiterava, na forma, essa identidade antissistema e
antielites.
Bolsonaro tinha um problemão diante de si.
Malafaia está errado ao dizer que, a um líder, cabe conduzir e que, portanto, o
ex-presidente deveria ter levado seus apoiadores para longe de Marçal. A
liderança não é uma relação de comando, mas de autoridade. Para conduzir, o
líder precisa também acomodar os sentimentos da base, sob o risco de perder
legitimidade. Bolsonaro não tem muito estudo, mas é dono de uma inteligência
política intuitiva e entendeu isso melhor que Malafaia. O amplo apoio dos
bolsonaristas à candidatura de Marçal, a despeito do apoio oficial de Bolsonaro
a Nunes, mostrou ao ex-presidente que caminhava em terreno minado. A estratégia
dele para atravessar esse terreno foi a ambivalência.
Malafaia viu nessa ambivalência uma fraqueza,
um traço de vaidade. No entanto essa hesitação foi fundamental para Bolsonaro
manter sua liderança sobre o movimento conservador. Desde 2018, foi a primeira
vez em que ele enfrentou uma ameaça real à sua hegemonia na direita. Isso o
levou a um movimento de vaivém com Marçal. Quando Nunes resistia a abraçar o
bolsonarismo na campanha, Bolsonaro dizia que Marçal era capaz e
bem-intencionado. Depois, reafirmou o apoio a Nunes, mas de maneira discreta,
sem correr o risco de alienar os eleitores conservadores que já haviam
consolidado posição a favor do empresário.
Marçal também se valeu da ambivalência para
crescer. Ele precisava conduzir os conservadores para si, respeitando a
identificação anterior que tinham com Bolsonaro. Por isso em nenhum momento
desafiou Bolsonaro explicitamente. Colocou-se como aquele que faria a coisa
certa, já que os compromissos políticos do ex-presidente o haviam deixado de
mãos atadas. Apresentava-se como seguidor, ao mesmo tempo fiel e rebelde, que
desobedecia ao líder, mas apenas para servir à sua causa de maneira mais pura.
Essa postura se expressava na famosa declaração em que disse: “Desculpa,
capitão, mas não posso deixar os comunistas vencerem”.
Houve, assim, duas ambiguidades estratégicas.
De um lado, a de Bolsonaro, que apoiava oficialmente Nunes, mas não deixava de
expressar simpatia por Marçal. De outro, a de Marçal, que desobedecia a
Bolsonaro, mas em tese apenas para melhor realizar a missão bolsonarista. No
cruzamento das duas ambiguidades estão os eleitores de Bolsonaro que votaram em
Marçal. São eles que poderão definir o futuro do movimento conservador.
2 comentários:
Interessante análise, mas não sei se Bolsonaro e Marçal alcançam tamanha complexidade para definir seus passos. Se bem que idiotas bem-sucedidos costumam se cercar de gente esclarecida para conduzi-los.
E eu que achava que Silas Malafaia mentia sempre... De vez em quando ele fala alguma verdade, como o GENOCIDA ser "covarde e omisso", além de maria-vai-com-as-outras.
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