quarta-feira, 2 de julho de 2025

Em decisões recentes, STF foi a favor de alta por decreto

Por Tiago Angelo / Valor Econômico

Nos bastidores, ministros afirmam que tensão com Congresso tornam decisão delicada

Se seguir as próprias decisões recentes, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve restabelecer o decreto do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que aumentou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Em reserva, no entanto, ministros da Corte afirmam que a judicialização do tema em momento de embate com o Congresso torna a situação mais delicada.

Segundo advogados consultados pelo Valor, a jurisprudência predominante no STF é no sentido de que o Executivo pode alterar alíquotas, desde que respeite limites estabelecidos em lei, e que atos do governo não podem ser sustados pelo Congresso, salvo se “exorbitarem do poder regulamentar” conferido ao presidente.

Há na Corte duas ações questionando a decisão do Congresso de derrubar o aumento do IOF. Uma foi ajuizada pelo Psol na semana passada. A outra é da Advocacia-Geral da União (AGU), que, em nome do governo, pediu na terça-feira (1) para o Supremo declarar a constitucionalidade do aumento. Os dois pedidos estão sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes.

Segundo levantamento do Valor, decisões recentes do tribunal foram no sentido de manter atos dos Executivos federal e estadual, mesmo nos casos em que houve a alegação de que o aumento de alíquotas tinha motivos arrecadatórios. O argumento de que o decreto do governo é arrecadatório é usado pelo Congresso e por especialistas que criticam o a medida do Executivo.

Em dezembro de 2024, o ministro Gilmar Mendes rejeitou o pedido de uma empresa contra a União. A autora questionou um decreto de 2008 que previa a majoração do IOF. O argumento foi o de que o aumento da tributação teve como finalidade “incrementar substantivamente a arrecadação”.

Para o ministro, “o Poder Executivo tem autorização expressa da Constituição para alterar a alíquota do IOF, cuja competência pode ser exercida pelo presidente da República e até mesmo ser atribuída a órgão integrante daquele poder”. Gilmar também disse que “nada obsta que perdas de arrecadação sejam supridas por majorações de outros encargos”.

Em abril do mesmo ano, o ministro Edson Fachin entendeu que o Executivo pode alterar o IOF, mesmo nos casos em que o aumento da alíquota tenha, como consequência lógica, o incremento da arrecadação. No caso concreto, um contribuinte questionou um decreto do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que elevou o IOF para financiar o Auxílio Brasil.

“É certo que eventual prevalência de finalidade extrafiscal adotada por um tributo não impede, até como consequência lógica, sua função arrecadatória, em menor ou maior grau”, afirmou o ministro na ocasião.

Meses antes, em janeiro de 2024, o ministro André Mendonça rejeitou um pedido semelhante questionando o decreto de Bolsonaro. Segundo a solicitação, o objetivo do aumento era custear o Auxílio Brasil, o que violaria “preceitos básicos do tributo”. “Não há evidência de que a majoração do IOF objetivou modificar a natureza jurídica do imposto, de modo a desviar sua finalidade e transformá-lo em tributo com arrecadação vinculada”, disse na ocasião.

Em 2017, a Segunda Turma do STF rejeitou, por unanimidade, o pedido de uma empresa contra a União. A autora afirmava que um decreto que elevou o IOF tinha como objetivo substituir temporariamente a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF).

Há ainda decisões colegiadas em que a Corte decidiu que casas legislativas não podem derrubar atos que estão em conformidade com o poder regulamentar dos Executivos dos Estados e do Distrito Federal. Em 2020, por exemplo, o plenário do Supremo restabeleceu, por unanimidade, um decreto do DF que prevê sanções a práticas discriminatórias em razão da orientação sexual.

Na ocasião, a ministra Cármen Lúcia entendeu que o Legislativo só pode sustar atos do Executivo nos casos em que o poder de regulamentar foi extrapolado. Há exemplos de decisões semelhantes sobre atos de outros Estados.

Avaliação de advogados

Especialistas divergem sobre como o STF deve interpretar o decreto do IOF. A constitucionalista Vera Chemim diz que a Corte deve se debruçar principalmente em analisar se o decreto extrapola ou não o poder regulamentar do Executivo e se a medida é ou não arrecadatória.

“Se for comprovado que a majoração de suas alíquotas tem finalidade arrecadatória e não regulatória, pode configurar desvio de função ou de finalidade do IOF, no sentido de afrontar o princípio da legalidade tributária. Se ficar entendido que a majoração extrapolou as condições e limites fixados em lei, é possível afirmar que houve abuso de poder regulamentar.”

Já para o constitucionalista Eduardo Ubaldo, se o Supremo seguir seus próprios precedentes, deverá restabelecer o decreto que aumentou o IOF. Segundo explica, o decreto do governo elevou a alíquota em patamar inferior ao previsto na Lei 8.894/94.

“Não há grandes dúvidas de que o Executivo não extrapolou seu poder de regulamentar. Assim, não há que se falar em possibilidade de o Legislativo sustar o ato do presidente. A Lei 8.894 diz que o Executivo pode alterar alíquotas ‘tendo em vista os objetivos das políticas monetária e fiscal’. Ora, o objetivo do governo Lula foi justamente usar essa majoração para atingir o objetivo da política fiscal de alcançar a meta de resultado primário estabelecida na Lei de Diretrizes Orçamentárias”, disse.

Ainda segundo ele, a “jurisprudência tradicional” do STF é no sentido de que a possibilidade de o Congresso sustar atos do Executivo é “extraordinária”, devendo ser “interpretada restritivamente”.

A advogada tributarista Ana Cláudia Akie Utumi concorda que o governo pode alterar as alíquotas, desde que respeite balizas estabelecidas em lei. Segundo ela, no entanto, o presidente excedeu limites ao “criar duas novas incidências”: sobre operações de risco sacado e Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL).

“Para a criação de novas incidências, seria necessária uma lei ordinária, não podendo ser feito por decreto presidencial, de tal maneira que, a meu ver, a criação de duas novas incidências é inconstitucional”, prosseguiu.

Já o tributarista Júlio Cesar Soares diz que apesar dos entendimentos recentes do STF, a Corte pode entender que o decreto do Executivo tem função primordialmente arrecadatória e, com isso, manter a decisão do Congresso.

“A leitura atenta da exposição de motivos dos decretos presidenciais que majoraram o IOF e criaram, inclusive, novas hipóteses de incidência do imposto, evidencia uma intenção declaradamente arrecadatória — o que vicia de nulidade o exercício da competência regulatória presente no IOF.”

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