O Globo
Faltam pragmatismo, sentido de urgência e
responsabilidade institucional na guerra de narrativas entre o governo e o
Congresso
Os políticos decidiram se transportar direto
para 2026. O problema: o povo que paga contas, vai ao supermercado e até vota
não tem à disposição na Shopee uma máquina do tempo que lhe permita fazer a
viagem temporal com as autoridades que têm de decidir sobre sua vida. Aí fica
bem disfuncional.
Enquanto egos transitam entre Brasília e Lisboa — numa competição que lembra as mais toscas exibições de masculinidade frágil para saber quem fala mais grosso e por último —, questões bastante concretas para o bolso da população, como o preço da conta de luz, o valor a pagar em transações financeiras (não só pelos ricos, como querem fazer crer os aliados do governo) e a alíquota do Imposto de Renda (IR) ficam em suspenso.
Num regime de tripartição de Poderes,
discutir qual tem razão pode ser tão inócuo quanto debater o que veio antes, o
ovo ou a galinha. Se a relação entre eles for conflituosa, o ovo encarece, e a
galinha some da panela — simples assim.
Faltam pragmatismo, sentido de urgência e
responsabilidade institucional na guerra de narrativas que, se durar um ano e
meio, poderá paralisar o país e tornar ainda mais imprevisível e irracional a
escolha que parece ocupar a mente de todos os contendores: a Presidência em
2026.
É sintomático que, enquanto Lula, Haddad,
Motta e Alcolumbre se engalfinham e batem à porta do STF, Jair Bolsonaro, à
beira do cadafalso, comece a ler o jogo e a entender que precisa tirar o time
de campo e indicar seu candidato à sucessão — em troca, desde sempre, da
promessa firmada com sangue de lhe conceder graça ou indulto caso vença a
eleição, claro.
No auge do julgamento da trama golpista,
ganha força nos bastidores onde circulam siglas do Centrão, entre empresários e
os estigmatizados expoentes do mercado, a aposta de que o governador de São
Paulo, Tarcísio de Freitas, está com o cavalo encilhado para montar tão logo
Bolsonaro desencarne.
Por isso o movimento de Lula no sentido de
segmentar ainda mais o eleitorado e escolher ficar com uma fatia menor que a
obtida em 2022 para vencer por pouco não parece ter a lógica matemática mais
simples.
Pelo óbvio: Lula não perderá sua base à
esquerda, que não tem alternativas no grid de candidatos, em sua maioria de
centro-direita, quando não de extrema direita. Mais: ele já tem o que
apresentar a essa fatia menos favorecida da população — do aumento definitivo
do Bolsa Família à retomada da correção real do salário mínimo, passando pela
apresentação do projeto que amplia a isenção do IR e que, pelo impacto em ampla
fatia da classe média, nem o Congresso conflagrado terá como derrubar.
O presidente precisa, portanto, reconquistar
uma fatia dos territórios azuis que ocupou em 2022, representados no palanque
pela presença de figuras como Simone Tebet, Arminio Fraga, João Amoêdo e outros
tantos a quem seria (mais um) tiro no pé demonizar e repelir.
A ideia de um Congresso que governa para o
“BBB” — bancos, bets e bilionários — pode soar genial como briefing de
publicidade e lacração nas redes sociais, mas significa empurrar todos eles,
além de quase todo o abecedário das siglas partidárias, para o colo do
candidato que Bolsonaro parece cada vez mais propenso, pela falta de opções e
pela condenação iminente, a indicar.
Esse acelerador do tempo para o fuso horário
eleitoral não é de interesse de nenhum governo, quanto mais de um em franca
decadência de popularidade e governabilidade. E sobrecarregar o STF, já marcado
por amplo espectro da sociedade civil como “partidário” ou “enviesado”, também
não é nada estratégico. Ficar 16 meses, tempo que falta para a eleição, batendo
na tecla já meio desafinada do “nós contra eles” pode ajudar não Lula, mas
“eles”, justamente no momento que deveria ser de oblívio de Bolsonaro.
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