Correio Braziliense
A virada de mesa pegou o presidente de
surpresa. Sua reação foi deslocar o eixo da disputa para a sociedade e mudar a
narrativa do ajuste fiscal para a justiça tributária
O ministro da Advocacia-Geral da União (AGU),
Jorge Messias, anunciou, ontem, que protocolou uma Ação Declaratória de
Constitucionalidade (ADC) no Supremo Tribunal Federal (STF), no qual sustenta
que o decreto presidencial é um ato constitucional, válido e lícito, e não
poderia ter sido objeto de sustação por decreto legislativo. Para o governo, a
medida do Congresso violou o princípio da separação de poderes.
Messias disse que o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) que anulou os efeitos do decreto presidencial impactou negativamente a política econômica e tributária". A decisão do governo escala a crise entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o Congresso, mas não havia outra alternativa. Se aceitasse a decisão do Legislativo, Lula perderia toda e qualquer capacidade de iniciativa nas negociações com o Centrão. E seu governo derreteria como sorvete no sol quente.
Não é uma situação nova. Essa é a quarta vez
que um presidente da República é emparedado pelo Centrão desde o segundo
mandato da ex-presidente Dilma Rousseff, em cujo governo foram criadas as
emendas impositivas. A petista tentou resistir e fracassou. Perdeu o controle
da economia e, com a popularidade na lona por causa da inflação, acabou deposta
pelo Congresso.
O ex-presidente Michel Temer, que assumiu o
poder, após a denúncia feita pelo então procurador-geral da República Rodrigo
Janot, também viu sua popularidade ser volatilizada. Entretanto, sempre foi um
hábil negociador e conduziu as relações com o Centrão de maneira a evitar um
impeachment. Nesse processo, o Congresso avançou em muitas casas em relação ao
Orçamento da União.
Por causa do envolvimento do senador Flávio
Bolsonaro (PL-RJ) com o ex-policial militar e miliciano Adriano Magalhães da
Nóbrega, chefe da milícia do Rio das Pedras e do Escritório do Crime, o
ex-presidente Jair Bolsonaro também se viu acuado pelo Congresso. Adriano era
citado nas investigações do Ministério Público fluminense sobre a morte da
vereadora Marielle Franco e um suposto esquema de "rachadinha" no
gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa fluminense. O caso foi arquivado
pela Justiça.
Bolsonaro suspeitou que o então
vice-presidente Hamilton Mourão conspirava para que sofresse um impeachment,
mas pôs um ponto final na crise ao fazer uma reforma ministerial e entregar a
chefia da Casa Civil da Presidência para Ciro Nogueira (PI), o presidente do
PP. O Centrão conquistou, assim, não só uma fatia maior do Orçamento da União,
mas também o poder de coordenar a execução das emendas impositivas.
Impasse institucional
A perda de popularidade é o denominador entre
esses três momentos. Mas há uma diferença no plano institucional: um decreto
legislativo derrubou uma decisão na esfera de atribuições exclusivas do
Executivo. Trata-se de uma mudança que precisa ser referendada pelo Supremo
Tribunal Federal (STF), cuja principal atribuição é zelar pelo respeito à
Constituição.
O jurista italiano Norberto Bobbio, no auge
da crise política italiana provocada pelo sequestro e assassinato do
primeiro-ministro democrata-cristão Aldo Moro pelo grupo terrorista Brigadas
Vermelhas, escreveu artigo no jornal La Republica no qual sustentava que o
governo é sempre a forma mais concentrada de poder da sociedade, mesmo que
eventualmente seja um "mau governo".
Qualquer governo, por mais fraco e
desmoralizado que seja, advertia ele, depois da queda de sucessivos gabinetes
no parlamento italiano, tem o poder de normatizar, arrecadar e coagir, que são
atribuições essenciais do Estado. Vem daí a força do Executivo. O ineditismo da
decisão do Congresso é que retira do presidente Lula esse poder em matéria
tributária. Só o Legislativo cria e estabelece impostos, mas cabe ao Executivo
estabelecer suas alíquotas. Essa prerrogativa foi obliterada pelo Congresso.
Dependendo da carga tributária, um governo
pode ser volatilizado. Uma das causas da Revolução Americana foi a taxação
imposta às 13 colônias britânicas na América do Norte. Imposto, o nome já diz,
ninguém gosta de pagar. O governo alega que o decreto derrubado pelo Congresso
havia sido fruto de uma negociação entre os presidentes Câmara, Hugo Motta
(Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), e o governo,
conduzida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
A virada de mesa pegou Lula de surpresa. Sua
reação foi deslocar o eixo da disputa para a sociedade e mudar a narrativa
oficial do ajuste fiscal para a justiça tributária. O desfecho dessa crise é
imponderável. Nas redes sociais, Lula e o PT foram para a ofensiva, sobretudo
contra o presidente da Câmara, Hugo Motta, que tem a prerrogativa de abrir um
processo de impeachment contra Lula.
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