domingo, 13 de abril de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Tarifas são resposta errada a dilemas americanos

O Globo

A partir da constatação real de desequilíbrio na relação com a China, Trump tira conclusões absurdas

Desde o início do mês, Donald Trump fez o que pôde para implodir o regime global de transações comerciais. Levou pavor às Bolsas de Valores — trilhões de dólares viraram pó. Pôs em risco a estabilidade do sistema financeiro com a corrida inédita no mercado de títulos da dívida americana. E minou a confiança no governo mais poderoso do planeta — seu próprio governo. Por quê? Eis uma questão que intriga analistas. Os argumentos apresentados para justificar a escalada tarifária são negados pela ciência econômica e pelos fatos. As premissas de Trump são falsas, e seus objetivos não passam de miragem.

É certo que ele parte de uma constatação real: os Estados Unidos registraram déficit no comércio de produtos e serviços em quase todos os trimestres desde 1976 (a única exceção foi o primeiro trimestre de 1992). Desde 2008, o resultado negativo tem ficado em 3,1% do PIB. Mas a realidade acaba aí. A partir dessa constatação, Trump tira conclusões fantasiosas ou absurdas. Para ele, déficit é sinônimo de perda ou, pior, roubo. Nessa visão deturpada, se uma empresa de Boston compra uma máquina do Japão, isso significa que os japoneses espoliam os americanos. Trump esquece que, caso essa máquina seja melhor, a empresa de Boston será mais produtiva, e a economia americana ganhará. Foi assim que a Coreia do Sul se industrializou tão rápido: importando máquinas e registrando repetidos déficits comerciais.

Mesmo que a balança comercial negativa reflita desequilíbrios, as tarifas não são um mecanismo eficaz para corrigi-los. Por ser emissor da moeda global, os Estados Unidos recebem influxo constante de investimentos, aplicados em novos negócios, ações, papéis de empresas ou títulos do governo. Todo esse capital torna o dólar mais forte e as exportações americanas mais caras. Para esse problema real, o economista-chefe da Casa Branca, Stephen Miran, sugere uma solução irreal: usar tarifas e suspender ajuda militar para forçar os aliados a vender dólares, mas sem sobressalto nos mercados de dívida americana. Tal ideia seria exequível? Provavelmente, não. Reergueria a indústria americana? Certamente, não.

Importados da China são responsáveis por algo como um quarto do declínio dos empregos industriais nos Estados Unidos. Entre 2 milhões e 2,4 milhões de vagas foram fechadas por esse motivo de 1999 a 2011 — fração ínfima de uma força de trabalho superior a 150 milhões. Daí a concluir que a guerra comercial trará esses empregos de volta há um salto enorme. A desindustrialização começou bem antes da onda chinesa e persiste até hoje em razão da produtividade trazida pela automação e robotização. É impossível voltar ao passado sonhado por Trump. Na hipótese mais otimista, a fatia dos empregos industriais cresceria dos atuais 10% para 12,5%. Um aumento pífio.

O argumento mais razoável dos defensores da guerra comercial é a segurança nacional. Se os americanos vislumbram enfrentamento militar, é sensato não depender dos chineses para obter produtos essenciais, sobretudo de alta tecnologia. Mas isso não é justificativa para as tarifas. O governo Joe Biden lançou em 2022 um programa para impulsionar a fabricação local de semicondutores e produtos de alta tecnologia sem abrir mão do crescimento e da riqueza gerados pelo livre-comércio. As tarifas — se mantidas no patamar alto de 10% — terão efeito deletério no mundo todo.

Plataformas de IA devem cumprir leis brasileiras de privacidade

O Globo

Nenhuma das sete mais acessadas cumpre integralmente os requisitos legais, constatou levantamento

As plataformas de inteligência artificial (IA) mais acessadas pelos brasileiros não têm atendido às exigências da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e a outras normas legais, de acordo com pesquisa do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito Rio (CTS-FGV) a que O GLOBO teve acesso. Os pesquisadores analisaram ChatGPT (OpenAI), Gemini (Alphabet/Google), Claude (Anthropic), Copilot (Microsoft), Grok (xAI, de Elon Musk), DeepSeek (chinesa) e Meta AI (de Mark Zuckerberg, dono de Facebook, WhatsApp, Instagram e Threads). Nenhuma dessas plataformas cumpre a lei integralmente. Em algumas, nem sequer são informados os direitos estabelecidos pela legislação aos usuários.

Não se trata de deslize menor. A determinação está na lei e precisa ser cumprida. Além de não informar de forma clara os direitos dos usuários, elas tampouco detalham como é feita a transferência e o uso de seus dados. São exigências mínimas para empresas que se abastecem de informações privadas sobre hábitos de navegação, para depois faturar com a venda de publicidade e serviços. A relação deveria ser transparente, com base em regras conhecidas e respeitadas por todos.

“Não estamos avaliando boas práticas ou padrões elevados, apenas o cumprimento do básico”, diz Luca Belli, coordenador do CTS-FGV e um dos responsáveis pela pesquisa. As referências para a avaliação, além da LGPD, estão no Guia de Segurança da Informação para Agentes de Tratamento de Pequeno Porte, divulgado em 2021 pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados .

Apenas três exigências são cumpridas pelas plataformas analisadas: ter uma política de privacidade, identificar o controlador dos dados e informar que dados são tratados. Somente Claude, MetaAI e Gemini atendem a mais de dez dos 14 requisitos avaliados. Ainda assim, Gemini e MetaAI descumprem a exigência de que a transferência internacional de dados seja feita em mecanismos definidos pela LGPD. Pela lei, é preciso que o país de destino dos dados ofereça certo nível de proteção.

No ano passado, a União Europeia (UE) aprovou sua Lei de Mercados Digitais, com regras para empresas donas de plataformas com mais de 45 milhões de usuários no continente. Entraram no radar da UE pelo menos 22 serviços e sistemas. É importante o Brasil manter contato com os responsáveis pela aplicação dessa lei. Os países precisam atuar de forma conjunta, para enfrentar interesses globais.

Pouco antes de seu tarifaço, o governo Donald Trump divulgou um relatório sobre práticas comerciais em que atribui à lei brasileira de dados “incertezas” e “obstáculos” ao processamento de informações. A crítica não tem cabimento. Os dados dos brasileiros não podem ficar à mercê das plataformas de IA nem ser objeto de chantagem em negociações comerciais. A privacidade digital precisa ser protegida por lei. E essa lei deve ser cumprida por toda empresa que opere em território nacional.

Trump está errado em pregação contra o livre comércio

Folha de S. Paulo

É alarmante que os EUA agora se rebelem contra o modelo; visão da debacle parece ter feito presidente republicano recuar

Se proteção contra importações fosse sinal de virtuosismo, Brasil e Argentina, que praticam o receituário há muitas décadas, seriam hoje duas das nações mais prósperas do planeta. É curioso e alarmante que os Estados Unidos, talvez os maiores beneficiários do livre comércio na história da humanidade, agora se rebelem contra ele.

Sob a direção da versão mais radical de Donald Trump, o país que outrora propugnava pela liberalização dos mercados globais de bens e serviços agora a sabota.

Vem de longe a implicância do empresário Trump com o regime desimpedido nas transações comerciais de outros países com os EUA. Tarifas era o que ele recomendava contra as importações do Japão na década de 1980.

Apesar de ter-se mostrado infundado o pânico de o país asiático sobrepujar o norte-americano como principal potência, isso não demoveu o histriônico dono de império imobiliário da ideia de que livre comércio faz mal, sobretudo quando é o outro que acumula os saldos das transações.

Trump e seus discípulos raciocinam como os velhos aristocratas do Antigo Regime, que acreditavam que a melhor prática econômica e política é nós arrancarmos mais dinheiro dos parceiros do que eles tiram de nós. Quem tem superávit comercial enriquece em detrimento de quem tem déficit, reza a cartilha.

Felizmente as trocas não funcionam como um jogo estático de soma zero. Nações pioneiras no crescimento acelerado descobriram na prática —e os economistas modernos, na teoria e na análise dos dados— que o comércio entre países é um estímulo para que os dois lados produzam cada vez mais dada uma mesma quantidade de recursos empregados.

A eficiência que o engajamento nas trocas catalisa está relacionada à especialização de cada parceiro naquilo que ele produz melhor, e por isso os dois lados acabam enriquecendo no processo.

Déficits e superávits persistentes não são sintoma necessário de perigo. Ostentando saldos negativos na balança de bens, os EUA cresceram mais que a média dos países ricos nos últimos 45 anos. Japão e Alemanha, superavitários crônicos, cresceram menos.

Quem acumula excedentes com o conjunto de seus parceiros comercias comumente aplica esses recursos financeiros num país estrangeiro, e a pujante e segura economia norte-americana tem sido o local preferencial para esses aportes. O investimento externo em ativos públicos e privados barateia o crédito nos EUA, e assim a máquina gira novamente.

Ao exercitar-se como um aprendiz de feiticeiro, Trump ameaça a fluidez desse mecanismo. Ele está estimulando um movimento de fuga de títulos em dólar que, se persistir, fará os juros na praça —e os das famigeradas hipotecas dos americanos— dispararem.

A visão da debacle, que seria péssima para o mundo todo, parece ter feito o presidente republicano recuar. Que seja o início de uma abordagem mais cautelosa e racional do seu tema favorito.

O engodo colossal do lobo terrível

Folha de S. Paulo

Empresa apregoa "desextinção" de animal, o que pode passar mensagem equivocada de que não há risco em destruir habitats

De tempos em tempos a biotecnologia ganha manchetes bombásticas, como a "desextinção" do chamado lobo terrível (Aenocyon dirus), noticiada recentemente.

Em 1996, a clonagem da ovelha Dolly deflagrou grandes expectativas, até que muita controvérsia e aplicações pouco relevantes, como clonar pets, vacinaram o público contra anúncios de empresas em busca de mercado.

A firma Colossal Biosciences, do Texas (EUA), entreviu uma oportunidade nesse lobo extinto há mais de 10 mil anos —que a série de TV Game of Thrones transformou em celebridade. Divulgou sob estardalhaço ter recriado o animal que tem porte 20% maior do que o lobo como o conhecemos, da espécie cinzenta (Canis lupus), além de pelagem branca e cabeça e cauda portentosas.

Entre dezenas de embriões gestados nos ventres de cadelas, só três filhotes sobreviveram. Dois machos, hoje com seis meses, receberam os nomes de Rômulo e Remo, os gêmeos humanos aleitados pela loba do mito de fundação de Roma. Uma fêmea, ora com dois meses, foi chamada de Khaleesi, uma personagem da série televisiva —em outro lance acintoso de marketing.

Revelados os detalhes da façanha, terrível foi a reação de especialistas. Não há cabimento falar em desextinção. Apenas duas dezenas de genes recuperados de um dente e um crânio de fósseis do Aenocyon dirus foram isolados, modificados e implantados em células de lobos cinzentos, que têm 19 mil sequências funcionais de DNA em seu genoma.

Tudo se reduz à aparência. Trata-se de um lobo cinzento em pele de lobo terrível, que jamais exibirá o comportamento feroz do ancestral do qual divergiu há mais de 2 milhões de anos.

Criados em cativeiro, os filhotes não aprenderão com os pais a caçar mamutes, que, não menos extintos, chegaram a figurar no portfólio da startup Colossal, pois a implantação de embriões em elefantas não seria tão trivial.

Seguir produzindo lobos avantajados é fútil, se não arriscado, do ponto de vista bioético. Mesmo que não sejam introduzidos na natureza, podem escapar e se reproduzir ou cruzar com lobos selvagens, sem que haja como prever se a índole dos híbridos representaria ameaça para lobos comuns, outros animais selvagens, gado ou até humanos.

Ademais, alcunhar o feito de desextinção dissemina mensagem equivocada, a de que não haveria problema em prosseguir com o extermínio de animais ocasionado pela destruição de hábitats, pois a tecnologia poderia recriá-los. Um engodo perigoso.

Teto constitucional em ruínas

O Estado de S. Paulo

PL que deveria acabar com os ‘supersalários’ e reduzir o gasto público com a remuneração de uma elite de servidores vai na direção oposta, mudando para manter tudo como está

Após pressões de organizações da sociedade civil, o Congresso Nacional, enfim, pausou a genuflexão que tradicionalmente presta ao poderoso e eficiente lobby dos beneficiários dos “supersalários” no funcionalismo público e decidiu enfrentar o problema. Mas o fez da pior maneira possível. Proposto em 2021, o Projeto de Lei (PL) 2.721, que tinha como objetivo original “identificar as parcelas não sujeitas ao limite remuneratório” – ou seja, definir o que, de fato, merecia a classificação de “verbas indenizatórias”, artimanha que engorda os holerites de uma casta de privilegiados em muitos milhares de reais – criou tantas exceções que, na prática, caminhou na direção diametralmente oposta: ao invés de reduzir o gasto público com o salário de servidores, amplia-o em inacreditáveis R$ 3,4 bilhões.

O valor foi calculado pelo Movimento Pessoas à Frente, organização independente que se dedica a estudar o setor público. Trazendo para a realidade cotidiana o que os “supersalários” representam de atraso para o Brasil, a diretora-executiva dessa organização, Jessika Moreira, disse ao Estadão uma verdade tão singela quanto incontestável: “O recurso que sai (do Orçamento) para pagamento desses auxílios sai do mesmo cofre do pagamento das principais políticas públicas”. Ou seja, quanto mais dinheiro vai para o pagamento de “supersalários” para a elite do funcionalismo público, menos sobra, evidentemente, para o custeio de ações do Estado que são determinantes para a vida e o bem-estar da maioria dos brasileiros. É tão simples quanto isso.

No Brasil, há poucas subversões tão grosseiras do ideal republicano quanto o pagamento desses “supersalários” para uma casta de servidores. A bem da verdade, “supersalário” descreve até com certa brandura o que é uma rematada afronta à moralidade pública e à Constituição, que define como teto remuneratório do serviço público o salário de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) – hoje fixado em R$ 46,3 mil.

Ao que tudo indica, porém, o inciso XI do artigo 37 da Constituição é letra morta neste país onde há leis que “pegam” ou “não pegam”. Dia sim e outro também, o contribuinte é humilhado ao tomar conhecimento de servidores, em sua grande maioria do Poder Judiciário e do Ministério Público, que recebem, quase todos os meses, valores muito acima do que estariam autorizados a receber caso fosse respeitado o teto constitucional. Ao fim e ao cabo, é disto que se trata: de uma desabrida violação da Constituição.

Isso acontece porque os privilegiados engendram toda sorte de ardis para receber valores extrateto à guisa de “indenização” – e sobre os quais, para piorar, não incide o mesmo Imposto de Renda que é pago pelos reles mortais. Em muitos casos aprovadas administrativamente, vale dizer, pelas instâncias de representação dos interesses classistas e/ou funcionais dos próprios servidores, as chamadas “verbas indenizatórias”, que, a rigor, deveriam ser pontuais e destinadas ao ressarcimento do servidor por despesas feitas no exercício do serviço público, passam ao largo de qualquer controle ou limitação e, na prática, acabam incorporadas a seus vencimentos.

Da forma como o PL 2.721/2021 tem sido tratado pelo Congresso, tudo leva a crer que as “mudanças”, por assim dizer, nos critérios de seleção das prebendas que devem ou não estar sob o teto remuneratório não se prestam a outra coisa senão a manter tudo rigorosamente como está.

Se deputados e senadores realmente desejam enfrentar o problema dos “supersalários”, só há um caminho possível: rever o PL 2.721/2021 de forma a reconduzi-lo ao seu espírito original, com regras claras e rigorosas que limitem, de fato, os vencimentos dos servidores ao teto constitucional. Qualquer medida em sentido contrário será vista pela sociedade, com razão, como uma vitória da esperteza sobre a moralidade, do privilégio sobre o interesse público e da omissão sobre a responsabilidade do Parlamento.

ProUni carece de aprimoramento

O Estado de S. Paulo

Criado há 20 anos, programa beneficiou milhares de estudantes, mas a queda em número de matrículas sinaliza que a iniciativa precisa ser reformulada para refletir melhor o mundo atual

O número de matrículas em curso superior por meio do Programa Universidade para Todos (ProUni) vem recuando consecutivamente desde 2020. No ano passado, de acordo com o Semesp, entidade que representa mantenedoras de ensino superior, o ProUni ofereceu 651 mil bolsas, mas apenas cerca de 30% foram utilizadas.

Instituído em 2005, o ProUni já beneficiou quase 3,5 milhões de estudantes brasileiros. O programa oferece bolsas de estudo parcial e integral para alunos de baixa renda.

É inegável que iniciativas para estimular o acesso à educação num país tão desigual e injusto quanto o Brasil é uma necessidade. Por meio do ProUni, famílias que há gerações estiveram barradas do ensino superior finalmente viram um ou mais de seus membros conquistarem o tão sonhado diploma, experiência que pode ser um divisor de águas nos níveis de renda e bem-estar.

A queda constante no número de matrículas via ProUni sinaliza, contudo, que o programa deve ser revisitado, de modo a refletir melhor as necessidades de um mundo em que o acesso ao conhecimento e ao mercado de trabalho passa por rápida transformação.

Em diversos países do mundo, jovens da chamada geração Z (formada por nascidos entre 1995 e 2010) têm demonstrado inquietação com o futuro. Embora seja considerada supereducada em comparação aos baby boomers, como é chamada a geração nascida no pós-guerra, entre 1946 e 1964, a geração Z demonstra extrema angústia com o custo de vida e com a dificuldade de inserção no mercado de trabalho. Não raro, sente-se traída porque, a despeito de ter se dedicado aos estudos, não se vê recompensada por seus esforços.

Comprar um imóvel ou pagar aluguel é bem mais caro hoje do que foi para os boomers, ainda que em termos de instrução formal a geração dos filhos do pós-guerra seja menos privilegiada que a dos jovens da geração Z.

No Brasil, os problemas se sobrepõem. Durante décadas, valeu a máxima de que um diploma universitário era a chave para a prosperidade. O conhecimento é indubitavelmente uma jornada transformadora, que oferece aos mais diferentes indivíduos meios de entender melhor sua própria condição.

Mas a elevada expectativa que se colocou no acesso ao ensino superior gera extrema frustração quando, ao fim de um curso universitário, o jovem de família pobre se depara com a realidade de um mercado de trabalho que para ele permanece inacessível, apesar da promessa de que, se se esforçasse, seria recompensado com um bom cargo e boa renda.

Isso se dá por diversas razões. Seja porque a qualidade do curso escolhido não era boa o suficiente para que o formado conquistasse um emprego promissor, seja porque a educação de base do estudante não lhe permitiu acompanhar as aulas do curso superior de forma satisfatória, ou seja, ainda, porque a faculdade escolhida não está em sintonia com as necessidades de uma economia global em acelerada transformação.

Por fim, o fato de que o aumento da escolaridade do brasileiro, nas últimas décadas, não se traduziu em aumento da produtividade do trabalhador só corrobora a necessidade de que políticas públicas como o ProUni sejam aperfeiçoadas.

Uma das críticas que se fazem ao programa, e que ajudaria a explicar a queda no volume de matrículas, está relacionada ao fato de que as bolsas disponíveis são para cursos de pouca demanda, ou seja, sobram vagas que ninguém quer. Adequar a oferta dos cursos às necessidades dos estudantes e do mercado de trabalho é um primeiro passo para que o programa seja efetivamente benéfico para o País.

Também é essencial reconhecer que nos últimos anos tem crescido entre a população o desejo de empreender, atividade que não exige curso superior, especialmente em época em que o conhecimento já não está circunscrito aos muros das universidades.

E há ainda o fato de que cursos técnicos de duração menor muitas vezes oferecem aos estudantes uma formação mais sólida e orientada que a de faculdades de quatro ou cinco anos cuja existência não faz lá muito sentido.

Embora a experiência de duas décadas do ProUni tenha produzido frutos, repensar o programa é essencial para que ele se mantenha relevante no futuro.

Lusco-fusco populista

O Estado de S. Paulo

Ampliação de isenção na conta de luz é anunciada por um ministro e desmentida por outro

O açodamento do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, em anunciar mudanças na tarifa social de energia elétrica que, segundo ele, ampliarão em 50%, para 60 milhões, o número de beneficiários com descontos de até 65% nas contas de luz faz crer que o populismo tem pressa. A urgência do governo em ver refletido na aprovação popular o resultado de medidas espetaculosas serve como justificativa para toda sorte de benesse, mesmo aquelas que não tenham passado por análise de custos, como parece ser o caso.

Horas depois do anúncio, feito em evento público no Rio de Janeiro, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, negou haver estudos sobre o tema na área econômica. Mais do que isso, disse ter procurado Rui Costa, da Casa Civil – para quem Silveira afirmou que irá encaminhar a proposta nos próximos dias –, que afirmou desconhecer a medida. Quando se trata do governo Lula da Silva, desmentidos não dizem muita coisa. Basta lembrar que o programa de barateamento do carro popular, em 2023, também não foi admitido inicialmente pela Fazenda, mas acabou ocorrendo.

No caso da tarifa social, Silveira diz que a medida integra um projeto de reforma do setor elétrico elaborado por seu ministério, com ampliação da faixa de isenção total nas contas com recursos da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). Pessoas de baixa renda e com consumo mensal de até 80 quilowatts/hora teriam direito à isenção. Além disso, todas as famílias com renda de até um salário mínimo e inscritas no Cadastro Único seriam dispensadas dos encargos da CDE cobrados na conta de luz.

O custo da bondade não foi informado, nem ficou esclarecido de onde virão os recursos para bancá-la. O ministro falou na possibilidade de uso de recursos do fundo do pré-sal e citou vagamente as sobras que poderão surgir com a “correção de distorções” na CDE. Vale ressalvar o básico: que qualquer política pública demanda criterioso planejamento de gastos, imediatos e futuros, e identificação da fonte de receitas para o programa, também com projeções temporais.

A ideia, portanto, já nasce cambeta, mas o pior é constatar a inversão de prioridades do Ministério de Minas e Energia. Estivesse de fato empenhado em corrigir as distorções que fazem da conta de luz do País uma das mais caras do mundo, em contraste com a produção de energia relativamente barata, o ministro Silveira dedicaria mais tempo e esforço à reformulação da CDE, o fundo setorial instituído em 2002, um ano após os apagões da crise histórica de energia.

Em 2003, seu primeiro ano de vigência, a CDE teve orçamento de R$ 1 bilhão, bancado por encargos nas contas de luz. Com o passar dos anos, foi agregando outros custos que já faziam parte da estrutura tarifária, incorporando penduricalhos os mais diversos ao sabor dos “jabutis” criados no Congresso Nacional, até chegar aos R$ 40,6 bilhões deste ano. Tornou-se um cofre escancarado para uma farra de incentivos que se transformaram em privilégios e alimentam lobbies poderosos.

Mais atenção à causa indígena

Correio Braziliense

Oito mil indígenas participaram do Acampamento Terra Livre (ATL) em Brasília para alertar sobre a urgência de serem incluídos no enfrentamento da crise climática e de terem reconhecidos os direitos sobre a terra

Na última semana, povos originários do Brasil e de outras partes do mundo enviaram uma mensagem contundente aos poderes públicos e à sociedade. Oito mil indígenas participaram do Acampamento Terra Livre (ATL) em Brasília para alertar sobre a urgência de serem incluídos no enfrentamento da crise climática e de terem reconhecidos os direitos sobre a terra. Esses dois pontos nortearam o encontro promovido na capital federal e evidenciam como a questão indígena está longe da pacificação.

Realizado anualmente desde 2004, o ATL é a maior mobilização indígena do Brasil. Este ano, pela primeira vez, recebeu representantes estrangeiros. A lista inclui delegações dos oito países que compõem a Bacia Amazônica, além de enviados da região do Pacífico, do Canadá e da Austrália, entre outros. Em comum, reivindicam a demarcação de terras indígenas como instrumento para mitigar a crise climática. Para resumir esse grito, o ATL divulgou o slogan "A resposta somos nós".

Ministros do governo Lula estiveram presentes ao Acampamento. Como forma de reconhecimento à causa, o governo federal lançou a Comissão Internacional Indígena da COP 30. Esse colegiado participará dos diversos círculos de decisão formados na cúpula de Belém. A comissão será presidida pela ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, que pretende trabalhar para tornar as terras originárias a maior frente de defesa do meio ambiente.

A realidade, no entanto, está distante das boas intenções manifestadas em Brasília. Há muito as entidades reclamam da lentidão na demarcação de terras indígenas. Havia uma expectativa de que o governo Lula daria celeridade ao processo, conferindo legitimidade a centenas de territórios que aguardam homologação. O que se constata, contudo, é que as demarcações foram estatisticamente desprezíveis em praticamente dois anos e meio de administração petista.

Se o Executivo enfrenta dificuldades para atender às reivindicações indigenistas, o Legislativo resiste frontalmente à causa dos povos originários. E um ponto nevrálgico é o Marco Temporal, que explicitou o embate entre o poder ruralista e as comunidades históricas. Em dezembro de 2023, apesar de o Supremo Tribunal Federal ter considerado o Marco Temporal matéria inconstitucional, o Congresso Nacional aprovou a Lei 14.701/2023, que resgata a tese de que os territórios só podem ser considerados indígenas se ocupados quando da promulgação da Constituição de 1988. Há um claro impasse institucional, e não existe solução à vista em curto prazo.

Enquanto os poderes públicos agirem com tibieza ou se recusarem a reconhecer as necessidades dos povos originários, não haverá pacificação nem sustentabilidade no Brasil. Como anfitrião de uma conferência mundial na Amazônia, o país precisa implementar medidas mais efetivas para a questão indígena, especialmente em um contexto de emergência climática. É dever das instituições evitar que uma demanda social, política e ambiental redunde em uma crise de proporções ainda mais graves.

299 anos de Fortaleza

O Povo

Com uma população de 2.428.678 pessoas, segundo o Censo Demográfico de 2022, Fortaleza é a maior capital do Nordeste e a quarta cidade mais populosa do País. Antes, há São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Dividida em Regionais pela Prefeitura, é parte de um conjunto de 19 municípios da Região Metropolitana.

Os números são do Anuário do Ceará 2024-2025, que dedica um capítulo especial para a capital cearense. A obra detalha também que Fortaleza tem seis Áreas de Proteção Ambiental (APA) e 25 parques urbanos.

Além disso, são 34 quilômetros de extensão de praia georreferenciados. Na Capital, a costa é dividida nas praias da Barra do Ceará, da Colônia, da Leste Oeste, do Pirambu, de Iracema, do Meireles, do Mucuripe, Mansa, do Titanzinho, do Futuro, da Sabiaguaba e da Abreulândia, conforme a Superintendência Estadual do Meio Ambiente.

São números que chamam a atenção para a aniversariante deste domingo, 13 de abril, quando a capital cearense completa 299 anos. É uma história feita por muitas mãos, olhares e passos de uma população que é movida pelo trabalho, reconhecida pela excelência no estudo e na dedicação, mas que teme, muitas vezes, pela segurança. É uma gente que acorda cedo, seja empenhada em fazer movimentar a economia da Capital, seja necessitada de um atendimento de saúde, seja tomada pela vontade de regozijar-se à beira do mar enquanto passeia ou corre pelo calçadão famoso.

Por mais que grande parte dos demais 183 municípios cearenses tenha se desenvolvido bastante e esteja se sustentando de forma digna, é para a Capital onde convergem os que precisam de um cuidado maior na saúde ou os que querem outras oportunidades de trabalho. O gigantismo de Fortaleza abarca todos os que vão chegando, do Interior e de outros estados e países. Movida por uma economia que vai dos serviços ao comércio e à indústria, não faltam opções no mercado.

Não é uma cidade igual, no entanto. Não é uma metrópole que oferece as mesmas condições a todo mundo ou que trata todos da mesma forma. A desigualdade social e econômica vista e sentida nos extremos de um mesmo bairro é impactante. Na calçada dos rooftops no centro financeiro da Capital, é possível ver pessoas em situação de rua em situação degradante. Por trás dos vidros escuros dos carros de luxo nas avenidas principais, crianças se apoiam para pedir esmola.

Fortaleza acolhe quem chega, mas, por vezes, não é bem tratada. Percebe-se isso pelo lixo nos canteiros, pela violência nas ruas, pelo caos na saúde. Ao tempo em que se celebram os quase três séculos de aniversário de Fortaleza, respeita-se a história da gente que todo dia faz a Cidade acontecer. É uma gente cansada dos conflitos entre gestores e desejosa de viver bem na cidade conhecida por sua hospitalidade e afeto. É dever cuidar da cidade para a população viver mais e melhor. 

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