Tarifas são resposta errada a dilemas americanos
O Globo
A partir da constatação real de desequilíbrio
na relação com a China, Trump tira conclusões absurdas
Desde o início do mês, Donald Trump fez
o que pôde para implodir o regime global de transações comerciais. Levou pavor
às Bolsas de Valores — trilhões de dólares viraram pó. Pôs em risco a
estabilidade do sistema financeiro com a corrida inédita no mercado de títulos
da dívida americana. E minou a confiança no governo mais poderoso do planeta —
seu próprio governo. Por quê? Eis uma questão que intriga analistas. Os
argumentos apresentados para justificar a escalada tarifária são negados pela
ciência econômica e pelos fatos. As premissas de Trump são falsas, e seus
objetivos não passam de miragem.
É certo que ele parte de uma constatação real: os Estados Unidos registraram déficit no comércio de produtos e serviços em quase todos os trimestres desde 1976 (a única exceção foi o primeiro trimestre de 1992). Desde 2008, o resultado negativo tem ficado em 3,1% do PIB. Mas a realidade acaba aí. A partir dessa constatação, Trump tira conclusões fantasiosas ou absurdas. Para ele, déficit é sinônimo de perda ou, pior, roubo. Nessa visão deturpada, se uma empresa de Boston compra uma máquina do Japão, isso significa que os japoneses espoliam os americanos. Trump esquece que, caso essa máquina seja melhor, a empresa de Boston será mais produtiva, e a economia americana ganhará. Foi assim que a Coreia do Sul se industrializou tão rápido: importando máquinas e registrando repetidos déficits comerciais.
Mesmo que a balança comercial negativa
reflita desequilíbrios, as tarifas não são um mecanismo eficaz para
corrigi-los. Por ser emissor da moeda global, os Estados Unidos recebem influxo
constante de investimentos, aplicados em novos negócios, ações, papéis de
empresas ou títulos do governo. Todo esse capital torna o dólar mais forte e as
exportações americanas mais caras. Para esse problema real, o economista-chefe
da Casa Branca, Stephen Miran, sugere uma solução irreal: usar tarifas e
suspender ajuda militar para forçar os aliados a vender dólares, mas sem
sobressalto nos mercados de dívida americana. Tal ideia seria exequível?
Provavelmente, não. Reergueria a indústria americana? Certamente, não.
Importados da China são
responsáveis por algo como um quarto do declínio dos empregos industriais nos
Estados Unidos. Entre 2 milhões e 2,4 milhões de vagas foram fechadas por esse
motivo de 1999 a 2011 — fração ínfima de uma força de trabalho superior a 150
milhões. Daí a concluir que a guerra comercial trará esses empregos de volta há
um salto enorme. A desindustrialização começou bem antes da onda chinesa e
persiste até hoje em razão da produtividade trazida pela automação e
robotização. É impossível voltar ao passado sonhado por Trump. Na hipótese mais
otimista, a fatia dos empregos industriais cresceria dos atuais 10% para 12,5%.
Um aumento pífio.
O argumento mais razoável dos defensores da
guerra comercial é a segurança nacional. Se os americanos vislumbram
enfrentamento militar, é sensato não depender dos chineses para obter produtos
essenciais, sobretudo de alta tecnologia. Mas isso não é justificativa para as
tarifas. O governo Joe Biden lançou em 2022 um programa para impulsionar a
fabricação local de semicondutores e produtos de alta tecnologia sem abrir mão
do crescimento e da riqueza gerados pelo livre-comércio. As tarifas — se
mantidas no patamar alto de 10% — terão efeito deletério no mundo todo.
Plataformas de IA devem cumprir leis
brasileiras de privacidade
O Globo
Nenhuma das sete mais acessadas cumpre
integralmente os requisitos legais, constatou levantamento
As plataformas de inteligência
artificial (IA) mais acessadas pelos brasileiros não têm atendido às
exigências da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e a outras normas legais,
de acordo com pesquisa do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito Rio
(CTS-FGV) a que O GLOBO teve acesso. Os pesquisadores analisaram ChatGPT
(OpenAI), Gemini (Alphabet/Google), Claude (Anthropic), Copilot (Microsoft),
Grok (xAI, de Elon Musk), DeepSeek (chinesa) e Meta AI (de Mark Zuckerberg,
dono de Facebook, WhatsApp, Instagram e Threads). Nenhuma dessas plataformas
cumpre a lei integralmente. Em algumas, nem sequer são informados os direitos
estabelecidos pela legislação aos usuários.
Não se trata de deslize menor. A determinação
está na lei e precisa ser cumprida. Além de não informar de forma clara os
direitos dos usuários, elas tampouco detalham como é feita a transferência e o
uso de seus dados. São exigências mínimas para empresas que se abastecem de
informações privadas sobre hábitos de navegação, para depois faturar com a
venda de publicidade e serviços. A relação deveria ser transparente, com base
em regras conhecidas e respeitadas por todos.
“Não estamos avaliando boas práticas ou
padrões elevados, apenas o cumprimento do básico”, diz Luca Belli, coordenador
do CTS-FGV e um dos responsáveis pela pesquisa. As referências para a
avaliação, além da LGPD, estão no Guia de Segurança da Informação para Agentes
de Tratamento de Pequeno Porte, divulgado em 2021 pela Autoridade Nacional de
Proteção de Dados .
Apenas três exigências são cumpridas pelas
plataformas analisadas: ter uma política de privacidade, identificar o
controlador dos dados e informar que dados são tratados. Somente Claude, MetaAI
e Gemini atendem a mais de dez dos 14 requisitos avaliados. Ainda assim, Gemini
e MetaAI descumprem a exigência de que a transferência internacional de dados
seja feita em mecanismos definidos pela LGPD. Pela lei, é preciso que o país de
destino dos dados ofereça certo nível de proteção.
No ano passado, a União Europeia (UE) aprovou
sua Lei de Mercados Digitais, com regras para empresas donas de plataformas com
mais de 45 milhões de usuários no continente. Entraram no radar da UE pelo
menos 22 serviços e sistemas. É importante o Brasil manter contato com os
responsáveis pela aplicação dessa lei. Os países precisam atuar de forma
conjunta, para enfrentar interesses globais.
Pouco antes de seu tarifaço, o governo Donald
Trump divulgou um relatório sobre práticas comerciais em que atribui à lei
brasileira de dados “incertezas” e “obstáculos” ao processamento de
informações. A crítica não tem cabimento. Os dados dos brasileiros não podem
ficar à mercê das plataformas de IA nem ser objeto de chantagem em negociações
comerciais. A privacidade digital precisa ser protegida por lei. E essa lei
deve ser cumprida por toda empresa que opere em território nacional.
Trump está errado em pregação contra o livre
comércio
Folha de S. Paulo
É alarmante que os EUA agora se rebelem
contra o modelo; visão da debacle parece ter feito presidente republicano
recuar
Se proteção contra importações fosse sinal de
virtuosismo, Brasil e Argentina,
que praticam o receituário há muitas décadas, seriam hoje duas das nações mais
prósperas do planeta. É curioso e alarmante que os Estados
Unidos, talvez os maiores beneficiários do livre comércio na história da
humanidade, agora se rebelem contra ele.
Sob a direção da versão mais radical de Donald Trump,
o país que outrora propugnava pela liberalização dos mercados globais de bens e
serviços agora a sabota.
Vem de longe a implicância do empresário
Trump com o regime desimpedido nas transações comerciais de outros países com
os EUA. Tarifas era o que ele recomendava contra as importações do Japão na
década de 1980.
Apesar de ter-se mostrado infundado o pânico
de o país asiático sobrepujar o norte-americano como principal potência, isso
não demoveu o histriônico dono de império imobiliário da ideia de que livre
comércio faz mal, sobretudo quando é o outro que acumula os saldos das
transações.
Trump e seus discípulos raciocinam como os
velhos aristocratas do Antigo Regime, que acreditavam que a melhor prática
econômica e política é nós arrancarmos mais dinheiro dos parceiros do que eles
tiram de nós. Quem tem superávit comercial enriquece em detrimento de quem tem
déficit, reza a cartilha.
Felizmente as trocas não funcionam como um
jogo estático de soma zero. Nações pioneiras no crescimento acelerado
descobriram na prática —e os economistas modernos, na teoria e na análise dos
dados— que o comércio entre países é um estímulo para que os dois lados
produzam cada vez mais dada uma mesma quantidade de recursos empregados.
A eficiência que o engajamento nas trocas
catalisa está relacionada à especialização de cada parceiro naquilo que ele
produz melhor, e por isso os dois lados acabam enriquecendo no processo.
Déficits e superávits persistentes não são
sintoma necessário de perigo. Ostentando saldos negativos na balança de bens,
os EUA cresceram mais que a média dos países ricos nos últimos 45 anos. Japão
e Alemanha,
superavitários crônicos, cresceram menos.
Quem acumula excedentes com o conjunto de
seus parceiros comercias comumente aplica esses recursos financeiros num país
estrangeiro, e a pujante e segura economia norte-americana
tem sido o local preferencial para esses aportes. O investimento externo em
ativos públicos e privados barateia o crédito nos EUA, e assim a máquina gira
novamente.
Ao
exercitar-se como um aprendiz de feiticeiro, Trump ameaça a fluidez desse
mecanismo. Ele está estimulando um movimento de fuga de títulos em dólar que,
se persistir, fará os juros na
praça —e os das famigeradas hipotecas dos americanos— dispararem.
A visão da debacle, que seria péssima para o
mundo todo, parece
ter feito o presidente republicano recuar. Que seja o início de uma
abordagem mais cautelosa e racional do seu tema favorito.
O engodo colossal do lobo terrível
Folha de S. Paulo
Empresa apregoa "desextinção" de
animal, o que pode passar mensagem equivocada de que não há risco em destruir
habitats
De tempos em tempos a biotecnologia ganha
manchetes bombásticas, como a
"desextinção" do chamado lobo terrível (Aenocyon dirus),
noticiada recentemente.
Em 1996, a clonagem da ovelha Dolly deflagrou
grandes expectativas, até que muita controvérsia e aplicações pouco relevantes,
como clonar pets,
vacinaram o público contra anúncios de empresas em busca de mercado.
A firma Colossal Biosciences, do Texas (EUA),
entreviu uma oportunidade nesse lobo extinto há mais de 10 mil anos —que a
série de TV Game of
Thrones transformou em celebridade. Divulgou sob estardalhaço ter
recriado o animal que tem porte 20% maior do que o lobo como o conhecemos, da
espécie cinzenta (Canis lupus), além de pelagem branca e cabeça e cauda
portentosas.
Entre dezenas de embriões gestados nos
ventres de cadelas, só três filhotes sobreviveram. Dois machos, hoje com seis
meses, receberam os nomes de Rômulo e Remo, os gêmeos humanos aleitados pela
loba do mito de fundação de Roma. Uma fêmea,
ora com dois meses, foi chamada de Khaleesi, uma personagem da série televisiva
—em outro lance acintoso de marketing.
Revelados os detalhes da façanha, terrível
foi a reação de especialistas. Não há cabimento falar em desextinção. Apenas
duas dezenas de genes recuperados de um dente e um crânio de fósseis do Aenocyon
dirus foram isolados, modificados e implantados em células de lobos
cinzentos, que têm 19 mil sequências funcionais de DNA em seu genoma.
Tudo se reduz à aparência. Trata-se de um
lobo cinzento em pele de lobo terrível, que jamais exibirá o comportamento
feroz do ancestral do qual divergiu há mais de 2 milhões de anos.
Criados em cativeiro, os filhotes não
aprenderão com os pais a caçar mamutes, que, não menos extintos, chegaram a
figurar no portfólio da startup Colossal, pois a implantação de embriões em
elefantas não seria tão trivial.
Seguir produzindo lobos avantajados é fútil,
se não arriscado, do ponto de vista bioético. Mesmo que não sejam introduzidos
na natureza, podem escapar e se reproduzir ou cruzar com lobos selvagens, sem
que haja como prever se a índole dos híbridos representaria ameaça para lobos
comuns, outros animais selvagens,
gado ou até humanos.
Ademais, alcunhar o feito de desextinção dissemina mensagem equivocada, a de que não haveria problema em prosseguir com o extermínio de animais ocasionado pela destruição de hábitats, pois a tecnologia poderia recriá-los. Um engodo perigoso.
Teto constitucional em ruínas
O Estado de S. Paulo
PL que deveria acabar com os ‘supersalários’
e reduzir o gasto público com a remuneração de uma elite de servidores vai na
direção oposta, mudando para manter tudo como está
Após pressões de organizações da sociedade
civil, o Congresso Nacional, enfim, pausou a genuflexão que tradicionalmente
presta ao poderoso e eficiente lobby dos beneficiários dos “supersalários” no
funcionalismo público e decidiu enfrentar o problema. Mas o fez da pior maneira
possível. Proposto em 2021, o Projeto de Lei (PL) 2.721, que tinha como
objetivo original “identificar as parcelas não sujeitas ao limite
remuneratório” – ou seja, definir o que, de fato, merecia a classificação de
“verbas indenizatórias”, artimanha que engorda os holerites de uma casta de
privilegiados em muitos milhares de reais – criou tantas exceções que, na
prática, caminhou na direção diametralmente oposta: ao invés de reduzir o gasto
público com o salário de servidores, amplia-o em inacreditáveis R$ 3,4 bilhões.
O valor foi calculado pelo Movimento Pessoas
à Frente, organização independente que se dedica a estudar o setor público.
Trazendo para a realidade cotidiana o que os “supersalários” representam de
atraso para o Brasil, a diretora-executiva dessa organização, Jessika Moreira,
disse ao Estadão uma verdade tão singela quanto incontestável: “O
recurso que sai (do Orçamento) para pagamento desses auxílios sai do mesmo
cofre do pagamento das principais políticas públicas”. Ou seja, quanto mais
dinheiro vai para o pagamento de “supersalários” para a elite do funcionalismo
público, menos sobra, evidentemente, para o custeio de ações do Estado que são
determinantes para a vida e o bem-estar da maioria dos brasileiros. É tão
simples quanto isso.
No Brasil, há poucas subversões tão
grosseiras do ideal republicano quanto o pagamento desses “supersalários” para
uma casta de servidores. A bem da verdade, “supersalário” descreve até com
certa brandura o que é uma rematada afronta à moralidade pública e à
Constituição, que define como teto remuneratório do serviço público o salário
de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) – hoje fixado em R$ 46,3 mil.
Ao que tudo indica, porém, o inciso XI do
artigo 37 da Constituição é letra morta neste país onde há leis que “pegam” ou
“não pegam”. Dia sim e outro também, o contribuinte é humilhado ao tomar
conhecimento de servidores, em sua grande maioria do Poder Judiciário e do
Ministério Público, que recebem, quase todos os meses, valores muito acima do
que estariam autorizados a receber caso fosse respeitado o teto constitucional.
Ao fim e ao cabo, é disto que se trata: de uma desabrida violação da
Constituição.
Isso acontece porque os privilegiados
engendram toda sorte de ardis para receber valores extrateto à guisa de
“indenização” – e sobre os quais, para piorar, não incide o mesmo Imposto de
Renda que é pago pelos reles mortais. Em muitos casos aprovadas administrativamente,
vale dizer, pelas instâncias de representação dos interesses classistas e/ou
funcionais dos próprios servidores, as chamadas “verbas indenizatórias”, que, a
rigor, deveriam ser pontuais e destinadas ao ressarcimento do servidor por despesas
feitas no exercício do serviço público, passam ao largo de qualquer controle ou
limitação e, na prática, acabam incorporadas a seus vencimentos.
Da forma como o PL 2.721/2021 tem sido
tratado pelo Congresso, tudo leva a crer que as “mudanças”, por assim dizer,
nos critérios de seleção das prebendas que devem ou não estar sob o teto
remuneratório não se prestam a outra coisa senão a manter tudo rigorosamente
como está.
Se deputados e senadores realmente desejam
enfrentar o problema dos “supersalários”, só há um caminho possível: rever o PL
2.721/2021 de forma a reconduzi-lo ao seu espírito original, com regras claras
e rigorosas que limitem, de fato, os vencimentos dos servidores ao teto
constitucional. Qualquer medida em sentido contrário será vista pela sociedade,
com razão, como uma vitória da esperteza sobre a moralidade, do privilégio
sobre o interesse público e da omissão sobre a responsabilidade do Parlamento.
ProUni carece de aprimoramento
O Estado de S. Paulo
Criado há 20 anos, programa beneficiou
milhares de estudantes, mas a queda em número de matrículas sinaliza que a
iniciativa precisa ser reformulada para refletir melhor o mundo atual
O número de matrículas em curso superior por
meio do Programa Universidade para Todos (ProUni) vem recuando consecutivamente
desde 2020. No ano passado, de acordo com o Semesp, entidade que representa
mantenedoras de ensino superior, o ProUni ofereceu 651 mil bolsas, mas apenas
cerca de 30% foram utilizadas.
Instituído em 2005, o ProUni já beneficiou
quase 3,5 milhões de estudantes brasileiros. O programa oferece bolsas de
estudo parcial e integral para alunos de baixa renda.
É inegável que iniciativas para estimular o
acesso à educação num país tão desigual e injusto quanto o Brasil é uma
necessidade. Por meio do ProUni, famílias que há gerações estiveram barradas do
ensino superior finalmente viram um ou mais de seus membros conquistarem o tão
sonhado diploma, experiência que pode ser um divisor de águas nos níveis de
renda e bem-estar.
A queda constante no número de matrículas via
ProUni sinaliza, contudo, que o programa deve ser revisitado, de modo a
refletir melhor as necessidades de um mundo em que o acesso ao conhecimento e
ao mercado de trabalho passa por rápida transformação.
Em diversos países do mundo, jovens da
chamada geração Z (formada por nascidos entre 1995 e 2010) têm demonstrado
inquietação com o futuro. Embora seja considerada supereducada em comparação
aos baby boomers, como é chamada a geração nascida no pós-guerra,
entre 1946 e 1964, a geração Z demonstra extrema angústia com o custo de vida e
com a dificuldade de inserção no mercado de trabalho. Não raro, sente-se traída
porque, a despeito de ter se dedicado aos estudos, não se vê recompensada por
seus esforços.
Comprar um imóvel ou pagar aluguel é bem mais
caro hoje do que foi para os boomers, ainda que em termos de instrução
formal a geração dos filhos do pós-guerra seja menos privilegiada que a dos
jovens da geração Z.
No Brasil, os problemas se sobrepõem. Durante
décadas, valeu a máxima de que um diploma universitário era a chave para a
prosperidade. O conhecimento é indubitavelmente uma jornada transformadora, que
oferece aos mais diferentes indivíduos meios de entender melhor sua própria
condição.
Mas a elevada expectativa que se colocou no
acesso ao ensino superior gera extrema frustração quando, ao fim de um curso
universitário, o jovem de família pobre se depara com a realidade de um mercado
de trabalho que para ele permanece inacessível, apesar da promessa de que, se
se esforçasse, seria recompensado com um bom cargo e boa renda.
Isso se dá por diversas razões. Seja porque a
qualidade do curso escolhido não era boa o suficiente para que o formado
conquistasse um emprego promissor, seja porque a educação de base do estudante
não lhe permitiu acompanhar as aulas do curso superior de forma satisfatória,
ou seja, ainda, porque a faculdade escolhida não está em sintonia com as
necessidades de uma economia global em acelerada transformação.
Por fim, o fato de que o aumento da
escolaridade do brasileiro, nas últimas décadas, não se traduziu em aumento da
produtividade do trabalhador só corrobora a necessidade de que políticas
públicas como o ProUni sejam aperfeiçoadas.
Uma das críticas que se fazem ao programa, e
que ajudaria a explicar a queda no volume de matrículas, está relacionada ao
fato de que as bolsas disponíveis são para cursos de pouca demanda, ou seja,
sobram vagas que ninguém quer. Adequar a oferta dos cursos às necessidades dos
estudantes e do mercado de trabalho é um primeiro passo para que o programa
seja efetivamente benéfico para o País.
Também é essencial reconhecer que nos últimos
anos tem crescido entre a população o desejo de empreender, atividade que não
exige curso superior, especialmente em época em que o conhecimento já não está
circunscrito aos muros das universidades.
E há ainda o fato de que cursos técnicos de
duração menor muitas vezes oferecem aos estudantes uma formação mais sólida e
orientada que a de faculdades de quatro ou cinco anos cuja existência não faz
lá muito sentido.
Embora a experiência de duas décadas do
ProUni tenha produzido frutos, repensar o programa é essencial para que ele se
mantenha relevante no futuro.
Lusco-fusco populista
O Estado de S. Paulo
Ampliação de isenção na conta de luz é
anunciada por um ministro e desmentida por outro
O açodamento do ministro de Minas e Energia,
Alexandre Silveira, em anunciar mudanças na tarifa social de energia elétrica
que, segundo ele, ampliarão em 50%, para 60 milhões, o número de beneficiários
com descontos de até 65% nas contas de luz faz crer que o populismo tem pressa.
A urgência do governo em ver refletido na aprovação popular o resultado de
medidas espetaculosas serve como justificativa para toda sorte de benesse,
mesmo aquelas que não tenham passado por análise de custos, como parece ser o
caso.
Horas depois do anúncio, feito em evento
público no Rio de Janeiro, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, negou haver
estudos sobre o tema na área econômica. Mais do que isso, disse ter procurado
Rui Costa, da Casa Civil – para quem Silveira afirmou que irá encaminhar a
proposta nos próximos dias –, que afirmou desconhecer a medida. Quando se trata
do governo Lula da Silva, desmentidos não dizem muita coisa. Basta lembrar que
o programa de barateamento do carro popular, em 2023, também não foi admitido
inicialmente pela Fazenda, mas acabou ocorrendo.
No caso da tarifa social, Silveira diz que a
medida integra um projeto de reforma do setor elétrico elaborado por seu
ministério, com ampliação da faixa de isenção total nas contas com recursos da
Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). Pessoas de baixa renda e com consumo
mensal de até 80 quilowatts/hora teriam direito à isenção. Além disso, todas as
famílias com renda de até um salário mínimo e inscritas no Cadastro Único
seriam dispensadas dos encargos da CDE cobrados na conta de luz.
O custo da bondade não foi informado, nem
ficou esclarecido de onde virão os recursos para bancá-la. O ministro falou na
possibilidade de uso de recursos do fundo do pré-sal e citou vagamente as
sobras que poderão surgir com a “correção de distorções” na CDE. Vale ressalvar
o básico: que qualquer política pública demanda criterioso planejamento de
gastos, imediatos e futuros, e identificação da fonte de receitas para o
programa, também com projeções temporais.
A ideia, portanto, já nasce cambeta, mas o
pior é constatar a inversão de prioridades do Ministério de Minas e Energia.
Estivesse de fato empenhado em corrigir as distorções que fazem da conta de luz
do País uma das mais caras do mundo, em contraste com a produção de energia
relativamente barata, o ministro Silveira dedicaria mais tempo e esforço à
reformulação da CDE, o fundo setorial instituído em 2002, um ano após os
apagões da crise histórica de energia.
Em 2003, seu primeiro ano de vigência, a CDE teve orçamento de R$ 1 bilhão, bancado por encargos nas contas de luz. Com o passar dos anos, foi agregando outros custos que já faziam parte da estrutura tarifária, incorporando penduricalhos os mais diversos ao sabor dos “jabutis” criados no Congresso Nacional, até chegar aos R$ 40,6 bilhões deste ano. Tornou-se um cofre escancarado para uma farra de incentivos que se transformaram em privilégios e alimentam lobbies poderosos.
Mais atenção à causa indígena
Correio Braziliense
Oito mil indígenas participaram do
Acampamento Terra Livre (ATL) em Brasília para alertar sobre a urgência de
serem incluídos no enfrentamento da crise climática e de terem reconhecidos os
direitos sobre a terra
Na última semana, povos originários do Brasil
e de outras partes do mundo enviaram uma mensagem contundente aos poderes
públicos e à sociedade. Oito mil indígenas participaram do Acampamento Terra
Livre (ATL) em Brasília para alertar sobre a urgência de serem incluídos no
enfrentamento da crise climática e de terem reconhecidos os direitos sobre a
terra. Esses dois pontos nortearam o encontro promovido na capital federal e
evidenciam como a questão indígena está longe da pacificação.
Realizado anualmente desde 2004, o ATL é a
maior mobilização indígena do Brasil. Este ano, pela primeira vez, recebeu
representantes estrangeiros. A lista inclui delegações dos oito países que
compõem a Bacia Amazônica, além de enviados da região do Pacífico, do Canadá e
da Austrália, entre outros. Em comum, reivindicam a demarcação de terras
indígenas como instrumento para mitigar a crise climática. Para resumir esse
grito, o ATL divulgou o slogan "A resposta somos nós".
Ministros do governo Lula estiveram presentes
ao Acampamento. Como forma de reconhecimento à causa, o governo federal lançou
a Comissão Internacional Indígena da COP 30. Esse colegiado participará dos
diversos círculos de decisão formados na cúpula de Belém. A comissão será
presidida pela ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, que pretende
trabalhar para tornar as terras originárias a maior frente de defesa do meio
ambiente.
A realidade, no entanto, está distante das
boas intenções manifestadas em Brasília. Há muito as entidades reclamam da
lentidão na demarcação de terras indígenas. Havia uma expectativa de que o
governo Lula daria celeridade ao processo, conferindo legitimidade a centenas
de territórios que aguardam homologação. O que se constata, contudo, é que as
demarcações foram estatisticamente desprezíveis em praticamente dois anos e
meio de administração petista.
Se o Executivo enfrenta dificuldades para
atender às reivindicações indigenistas, o Legislativo resiste frontalmente à
causa dos povos originários. E um ponto nevrálgico é o Marco Temporal, que
explicitou o embate entre o poder ruralista e as comunidades históricas. Em
dezembro de 2023, apesar de o Supremo Tribunal Federal ter considerado o Marco
Temporal matéria inconstitucional, o Congresso Nacional aprovou a Lei
14.701/2023, que resgata a tese de que os territórios só podem ser considerados
indígenas se ocupados quando da promulgação da Constituição de 1988. Há um
claro impasse institucional, e não existe solução à vista em curto prazo.
Enquanto os poderes públicos agirem com tibieza ou se recusarem a reconhecer as necessidades dos povos originários, não haverá pacificação nem sustentabilidade no Brasil. Como anfitrião de uma conferência mundial na Amazônia, o país precisa implementar medidas mais efetivas para a questão indígena, especialmente em um contexto de emergência climática. É dever das instituições evitar que uma demanda social, política e ambiental redunde em uma crise de proporções ainda mais graves.
299 anos de Fortaleza
O Povo
Com uma população de 2.428.678 pessoas,
segundo o Censo Demográfico de 2022, Fortaleza é a maior capital do Nordeste e
a quarta cidade mais populosa do País. Antes, há São Paulo, Rio de Janeiro e
Brasília. Dividida em Regionais pela Prefeitura, é parte de um conjunto de 19
municípios da Região Metropolitana.
Os números são do Anuário do Ceará 2024-2025,
que dedica um capítulo especial para a capital cearense. A obra detalha também
que Fortaleza tem seis Áreas de Proteção Ambiental (APA) e 25 parques urbanos.
Além disso, são 34 quilômetros de extensão de
praia georreferenciados. Na Capital, a costa é dividida nas praias da Barra do
Ceará, da Colônia, da Leste Oeste, do Pirambu, de Iracema, do Meireles, do
Mucuripe, Mansa, do Titanzinho, do Futuro, da Sabiaguaba e da Abreulândia,
conforme a Superintendência Estadual do Meio Ambiente.
São números que chamam a atenção para a
aniversariante deste domingo, 13 de abril, quando a capital cearense completa
299 anos. É uma história feita por muitas mãos, olhares e passos de uma
população que é movida pelo trabalho, reconhecida pela excelência no estudo e
na dedicação, mas que teme, muitas vezes, pela segurança. É uma gente que
acorda cedo, seja empenhada em fazer movimentar a economia da Capital, seja
necessitada de um atendimento de saúde, seja tomada pela vontade de
regozijar-se à beira do mar enquanto passeia ou corre pelo calçadão famoso.
Por mais que grande parte dos demais 183
municípios cearenses tenha se desenvolvido bastante e esteja se sustentando de
forma digna, é para a Capital onde convergem os que precisam de um cuidado
maior na saúde ou os que querem outras oportunidades de trabalho. O gigantismo
de Fortaleza abarca todos os que vão chegando, do Interior e de outros estados
e países. Movida por uma economia que vai dos serviços ao comércio e à
indústria, não faltam opções no mercado.
Não é uma cidade igual, no entanto. Não é uma
metrópole que oferece as mesmas condições a todo mundo ou que trata todos da
mesma forma. A desigualdade social e econômica vista e sentida nos extremos de
um mesmo bairro é impactante. Na calçada dos rooftops no centro financeiro da
Capital, é possível ver pessoas em situação de rua em situação degradante. Por
trás dos vidros escuros dos carros de luxo nas avenidas principais, crianças se
apoiam para pedir esmola.
Fortaleza acolhe quem chega, mas, por vezes, não é bem tratada. Percebe-se isso pelo lixo nos canteiros, pela violência nas ruas, pelo caos na saúde. Ao tempo em que se celebram os quase três séculos de aniversário de Fortaleza, respeita-se a história da gente que todo dia faz a Cidade acontecer. É uma gente cansada dos conflitos entre gestores e desejosa de viver bem na cidade conhecida por sua hospitalidade e afeto. É dever cuidar da cidade para a população viver mais e melhor.
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