Folha de S. Paulo
No bingo da semana passada, ganhou quem tinha
'Trump vai se render e declarar vitória'
No bingo da semana passada, ganhou quem tinha
"Trump vai se render e declarar vitória" na cartela. Na quarta-feira,
Trump suspendeu
por 90 dias as tarifas maiores que 10% e aumentou as da China.
A Casa Branca está tentando vender a versão
de que o plano sempre foi esse. Ninguém acreditou, e Trump tem mesmo que torcer
para que as autoridades americanas não acreditem.
Afinal, horas antes de suspender as tarifas, Donald postou "ótima hora para comprar ações" em suas redes sociais. Se na hora da postagem ele já sabia que suspenderia as tarifas – e faria a Bolsa disparar – ele cometeu uma fraude financeira gravíssima.
Trump recuou porque houve forte turbulência
no mercado de títulos da dívida americana. Como disse o presidente americano, o
mercado de títulos estava "ficando um pouco enjoado" ("getting a
little queasy").
Os títulos da dívida americana são
universalmente considerados o investimento mais seguro do mundo. É por
comparação a eles que os outros investimentos são considerados mais ou menos
arriscados. O medo é que a turbulência no mercado de títulos seja sinal de uma
perda de credibilidade geral dos Estados Unidos (e do dólar) como centro do
sistema global. Na falta de outro país, de outra moeda, ou de outra instituição
internacional que consiga desempenhar esse papel, a desorganização global
poderia ter consequências desastrosas.
Seria um furdunço dos infernos, muito pior do
que um dia ruim na Bolsa de valores. Nem Trump foi maluco o suficiente para
brincar com isso, pelo menos até agora. Por isso recuou.
Mesmo com a suspensão, a turbulência nos
mercados continua. Ninguém sabe que tarifas estarão em vigor daqui a dois meses
ou um ano. Sem saber isso, como dizer quanto vale uma empresa americana que
importa insumos para produzir, ou que exporta para a China? Como essa empresa
vai tomar suas decisões de investimento de agora em diante?
Semana passada, o índice VIX, que mede a
volatilidade no mercado, chegou a níveis semelhantes aos observados no choque
da pandemia de Covid-19. Trump, como o Jair, é uma pandemia de um homem só.
Por isso os analistas americanos substituíram
o slogan "É a economia, estúpido!" por "É o estúpido,
estúpido!". Os americanos teriam feito melhor negócio importando
economistas pinguins
das ilhas Heard e McDonald, mesmo com 10% de tarifas, do que elegendo os
republicanos.
No "dia da libertação" e em
depoimentos subsequentes, Trump manifestou sua incredulidade com o fato de
nenhum dos outros presidentes americanos ter implementado tarifas como as dele.
Bom, Donald, é porque eles sabiam que aconteceria o que aconteceu na semana
passada.
O crash também mostra o quão arriscado é o
plano de Trump de usar a posição central dos Estados Unidos no sistema
internacional para extrair dos outros países o máximo de vantagens de curto
prazo, sem levar em conta o quanto os americanos perdem quando o sistema deixa
de funcionar, como na semana passada; para não falar no risco do resto do
mundo, no médio prazo, se organizar sem os americanos.
Se algo assim for tentado, proponho chamá-lo
de acordo de Heard e McDonald. Será assinado em um navio. Só não cheguem perto
o suficiente das ilhas a ponto de atrapalhar a vida dos pinguins.
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