domingo, 13 de abril de 2025

Trump, ordem global e Brasília - Rolf Kuntz

O Estado de S. Paulo

Qualquer projeção se torna especialmente insegura no ambiente de incerteza imposto por Trump, mas a expectativa de negociações parece justificar, por enquanto, um moderado otimismo

Passados mais de 40 anos do desastre econômico do final dos anos 70 e início dos 80, o Brasil enfrenta mais um desarranjo global nos mercados de câmbio, com novas incertezas no comércio internacional. Agora, como naquele tempo, Washington é o centro e a origem da turbulência, mas com importante diferença política. Desta vez, o abalo foi imposto como demonstração de poder pelo presidente americano, Donald Trump, numa violação das normas internacionais de comércio e de padrões de convivência econômica. Tarifas comerciais irregulares foram impostas a países de todos os continentes, em alguns casos com revisão e ampliação dos novos valores, como se o presidente dos Estados Unidos estivesse acima de todas as limitações e pudesse agir como imperador absoluto do mundo.

Autoridades da China e da União Europeia anunciaram ações de retaliação, enquanto alguns governantes propuseram negociações com Washington. Também o Brasil foi atingido, embora menos severamente do que outros países, e o governo federal se dispôs a negociar, evitando um conflito aberto com um adversário muito mais forte. Por enquanto, as condições econômicas parecem justificar, em parte, a tranquilidade exibida pelo governo. O País dispunha na primeira semana de abril de US$ 338,6 bilhões de reservas internacionais, no ano, o superávit comercial é de US$ 11,75 bilhões e a perspectiva é de fechar 2025 com saldo positivo de US$ 70,20 bilhões.

Qualquer projeção se torna especialmente insegura, no ambiente de incerteza imposto por Donald Trump, mas a expectativa de negociações parece justificar, por enquanto, pelo menos um moderado otimismo. Moderado é a palavra certa, embora alguns empresários e analistas tenham apontado boas possibilidades de maiores vendas à China. Mas o mercado chinês, é prudente reconhecer, poderá ser disputado mais duramente, a partir de agora, por causa das condições mais difíceis de acesso ao mercado americano. Talvez até o acesso aos Estados Unidos seja relativamente mais fácil para empresas brasileiras, fornecedoras habituais de insumos, como aço, alumínio e componentes, mas também isso terá de ser verificado na prática.

Por enquanto, Donald Trump controla o jogo, embora o governo chinês tenha começado a agir. Mesmo com a reação chinesa e com possíveis concessões americanas, o quadro é desastroso. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva mencionou, em discurso, o ponto mais importante: está sendo ameaçada a ordem global construída em muitos anos de negociações, de conflitos, de trocas de concessões e de reorganização global. No lugar dessa ordem, tenta-se impor o domínio da força econômica e militar.

Trump tende a rejeitar, segundo observou um comentarista, o uso da força militar, mas age em outro sentido quando apoia a ação do governo israelense contra o Hezbollah. Talvez seja o único meio, poderá dizer algum analista, de realizar seu sonho pacifista de converter a Faixa de Gaza num paraíso turístico sob seu comando. O sonho parece envolver a transferência de uma enorme população para outra área, provavelmente em países da vizinhança.

Quando esse ponto é mencionado, a resposta trumpista inclui referência a áreas hospitaleiras confortáveis para abrigar os migrantes. Movimentos populacionais também consideráveis foram planejados e executados em mais de uma ocasião por governos antidemocráticos, sempre de forma violenta. A promessa de Trump é agir de modo mais amigável. E se os atuais habitantes daquelas áreas preferirem continuar onde estão? Tudo se resolverá gentilmente com uma boa indenização?

Pelos padrões trumpistas, o mundo é um grande mercado e como tal deve ser entendido quando se trata da chamada ordem global. Instituições como a Organização das Nações Unidas, a Organização Mundial do Comércio e o Fundo Monetário Internacional só terão alguma utilidade se entenderem os fatos a partir dessa perspectiva, favorecendo a competição integral. Essas noções talvez nunca tenham sido explicitadas por Donald Trump, mas transparecem claramente em sua forma de buscar o equilíbrio das contas externas de seu país.

Deficitário no comércio com os Estados Unidos, o Brasil foi menos prejudicado do que outros países pelas medidas de Trump, mas também foi atingido por tarifas. O governo brasileiro preferiu reagir com moderação e negociar as condições de intercâmbio com Washington.

Os mais otimistas mencionaram novas oportunidades de comércio com a China e com outros mercados, mas parecem ter menosprezado alguns detalhes. Exemplo: a concorrência pelo mercado chinês – e por outras destinações – será provavelmente mais intensa, com menos lucros e menor crescimento. O Brasil poderá ter boas condições para negociar a manutenção do comércio com os Estados Unidos, mas o ponto de partida será um quadro de tarifas elevadas. Também será necessário um grande empenho diplomático para preservar, pelo menos em parte, a segurança de um sistema internacional de regras, além de um maior esforço governamental para manter contas em ordem e inflação controlada.

 

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