O Estado de S. Paulo
Qualquer projeção se torna especialmente
insegura no ambiente de incerteza imposto por Trump, mas a expectativa de
negociações parece justificar, por enquanto, um moderado otimismo
Passados mais de 40 anos do desastre econômico do final dos anos 70 e início dos 80, o Brasil enfrenta mais um desarranjo global nos mercados de câmbio, com novas incertezas no comércio internacional. Agora, como naquele tempo, Washington é o centro e a origem da turbulência, mas com importante diferença política. Desta vez, o abalo foi imposto como demonstração de poder pelo presidente americano, Donald Trump, numa violação das normas internacionais de comércio e de padrões de convivência econômica. Tarifas comerciais irregulares foram impostas a países de todos os continentes, em alguns casos com revisão e ampliação dos novos valores, como se o presidente dos Estados Unidos estivesse acima de todas as limitações e pudesse agir como imperador absoluto do mundo.
Autoridades da China e da União Europeia
anunciaram ações de retaliação, enquanto alguns governantes propuseram
negociações com Washington. Também o Brasil foi atingido, embora menos
severamente do que outros países, e o governo federal se dispôs a negociar,
evitando um conflito aberto com um adversário muito mais forte. Por enquanto,
as condições econômicas parecem justificar, em parte, a tranquilidade exibida
pelo governo. O País dispunha na primeira semana de abril de US$ 338,6 bilhões
de reservas internacionais, no ano, o superávit comercial é de US$ 11,75
bilhões e a perspectiva é de fechar 2025 com saldo positivo de US$ 70,20
bilhões.
Qualquer projeção se torna especialmente
insegura, no ambiente de incerteza imposto por Donald Trump, mas a expectativa
de negociações parece justificar, por enquanto, pelo menos um moderado
otimismo. Moderado é a palavra certa, embora alguns empresários e analistas
tenham apontado boas possibilidades de maiores vendas à China. Mas o mercado
chinês, é prudente reconhecer, poderá ser disputado mais duramente, a partir de
agora, por causa das condições mais difíceis de acesso ao mercado americano.
Talvez até o acesso aos Estados Unidos seja relativamente mais fácil para
empresas brasileiras, fornecedoras habituais de insumos, como aço, alumínio e
componentes, mas também isso terá de ser verificado na prática.
Por enquanto, Donald Trump controla o jogo,
embora o governo chinês tenha começado a agir. Mesmo com a reação chinesa e com
possíveis concessões americanas, o quadro é desastroso. O presidente Luiz
Inácio Lula da Silva mencionou, em discurso, o ponto mais importante: está
sendo ameaçada a ordem global construída em muitos anos de negociações, de
conflitos, de trocas de concessões e de reorganização global. No lugar dessa
ordem, tenta-se impor o domínio da força econômica e militar.
Trump tende a rejeitar, segundo observou um
comentarista, o uso da força militar, mas age em outro sentido quando apoia a
ação do governo israelense contra o Hezbollah. Talvez seja o único meio, poderá
dizer algum analista, de realizar seu sonho pacifista de converter a Faixa de
Gaza num paraíso turístico sob seu comando. O sonho parece envolver a
transferência de uma enorme população para outra área, provavelmente em países
da vizinhança.
Quando esse ponto é mencionado, a resposta
trumpista inclui referência a áreas hospitaleiras confortáveis para abrigar os
migrantes. Movimentos populacionais também consideráveis foram planejados e
executados em mais de uma ocasião por governos antidemocráticos, sempre de
forma violenta. A promessa de Trump é agir de modo mais amigável. E se os
atuais habitantes daquelas áreas preferirem continuar onde estão? Tudo se
resolverá gentilmente com uma boa indenização?
Pelos padrões trumpistas, o mundo é um grande
mercado e como tal deve ser entendido quando se trata da chamada ordem global.
Instituições como a Organização das Nações Unidas, a Organização Mundial do
Comércio e o Fundo Monetário Internacional só terão alguma utilidade se
entenderem os fatos a partir dessa perspectiva, favorecendo a competição
integral. Essas noções talvez nunca tenham sido explicitadas por Donald Trump,
mas transparecem claramente em sua forma de buscar o equilíbrio das contas
externas de seu país.
Deficitário no comércio com os Estados
Unidos, o Brasil foi menos prejudicado do que outros países pelas medidas de
Trump, mas também foi atingido por tarifas. O governo brasileiro preferiu
reagir com moderação e negociar as condições de intercâmbio com Washington.
Os mais otimistas mencionaram novas
oportunidades de comércio com a China e com outros mercados, mas parecem ter
menosprezado alguns detalhes. Exemplo: a concorrência pelo mercado chinês – e
por outras destinações – será provavelmente mais intensa, com menos lucros e
menor crescimento. O Brasil poderá ter boas condições para negociar a
manutenção do comércio com os Estados Unidos, mas o ponto de partida será um
quadro de tarifas elevadas. Também será necessário um grande empenho
diplomático para preservar, pelo menos em parte, a segurança de um sistema
internacional de regras, além de um maior esforço governamental para manter
contas em ordem e inflação controlada.
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