A polarização ultrapassa a fronteira da política, acirra os ânimos e se desdobra em diferentes frentes
A renúncia ao diálogo
Por Laura Greenhalgh | Valor Econômico / Eu &Fim de Semana
SÃO PAULO - Semanas atrás, um manifestante em Salvador atirou um ovo contra o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB). O político reagiu. Classificou o ato como agressão daqueles "que querem fazer do Brasil uma Venezuela". Na mesma época, o presidente americano Donald Trump provocou indignação ao afirmar que "os dois lados cometeram abusos", referindo-se ao conflito de rua entre supremacistas raciais e ativistas antirracismo em Charlottesville, Virginia. Ainda tratando do ocorrido, Trump defendeu no Twitter "esses monumentos que embelezam nosso país". Ou seja, reprovou que jovens em embate com grupos de extrema direita tenham destruído uma estátua como a do general Robert E. Lee, figura de destaque na Guerra Civil Americana (1861-1865). Lembrar as duas situações não significa ceder à tentação de superficialmente comparar Doria e Trump, ainda que ambos sejam estreantes como mandatários. A ideia aqui é ver como, em situações de confronto, até os objetos são (re)ideologizados - no caso, o ovo "venezuelano" e a estátua confederada.
Os manifestantes anti-Doria, pelo que se apurou, são ligados a partidos como PT, PSol, ao movimento sem-teto e outros. Mas o ovo voador, que atingiu a testa do prefeito, ganhou atributo simbólico ao ser associado a pessoas supostamente favoráveis a Nicolás Maduro, o mão de ferro de Caracas. Também ganham novo status as estátuas confederadas. Elas estiveram presentes no espaço público americano, lembrando o lado perdedor da Guerra Civil, as forças sulistas do general Lee. A estátua derrubada em Charlottesville, assim como outras 1.500 espalhadas por logradouros públicos, saem de forjas no Norte do país e depois são vendidas a bom preço para praças e parques do Sul americano. Não raro homenageiam o soldado anônimo. Hoje cidades em Estados como Geórgia, Carolina do Norte, Tennessee e Maryland tratam de recolher seus monumentos, para não acirrar os ânimos.
A questão é que os ânimos continuarão acirrados tanto lá quanto cá, pelo que avaliam estudiosos de um fenômeno contemporâneo ainda pouco investigado - a polarização. Para o cientista político uruguaio Juan Andrés Moraes, pesquisador do Kellog Institute for International Studies, da Universidade de Notre Dame, em Indiana (EUA), "ainda não se consolidaram teorias a esse respeito, nem mesmo foram sistematizadas as evidências". Contudo, o professor registra que a polarização sempre agiu fortemente no contexto latino-americano, ao qual se dedica como investigador: ela viabilizou rupturas democráticas nos anos 1960 e 1970, inclusive no Brasil; impossibilitou arranjos políticos nos anos 1990, necessários à implementação de reformas no Estado e na economia; ao longo dos anos 2000, patrocinou a ascensão e depois a queda de governos de esquerda, mais ou menos populistas. E hoje? Para onde a polarização nos leva?
Talvez o mais correto seja falar em "polarizações", tensionamentos que se desdobram a partir de um "gap" ideológico - tomando-se ideologia por um sistema de ideias, crenças e/ou visões de mundo. Ou um fosso de profundidade muitas vezes desconhecida, diante do qual os contrários empacam. O fato é que hoje polariza-se em diferentes linhas - ricos e pobres, brancos e não brancos, gays e héteros, liberais e conservadores, esquerdistas e direitistas, nacionalistas e globalistas etc. São muitos os pretextos para um racha.
Moraes ensina que, conceitualmente, a polarização não é uma anomalia, mas uma variável sistêmica. Cita um caso clássico: "Vemos a erosão dos partidos políticos em muitas partes do mundo, não só na América Latina, embora aqui pareça constituir fenômeno crônico. E por quê? Porque temos líderes que só conseguem operar no jogo amigo x inimigo, tornando difícil a competência política e mais difícil o consenso". Matthew Levendusky, do Departamento de Ciência Política da Universidade da Pensilvânia, autor de "How Partisan Media Polarize America" ("Como a Imprensa Partidária Polariza a América", lançado pela editora da Universidade de Chicago), juntou-se a um grupo de pesquisadores para medir como as polarizações afetam o comportamento econômico na sociedade. O trabalho sinaliza a executivos do mundo corporativo que não deixem entrar interesses político-partidários nas empresas, se quiserem preservar o negócio. Porque são lógicas inconciliáveis.
Outra pesquisa em compartilhamento por investigadores de duas universidades, Stanford e Brown, sugere que é precipitado atribuir às redes sociais o motor das polarizações atuais - até porque são pessoas de mais idade, e não os jovens, as mais propensas aos extremismos ideológicos. Por outro lado, são os usuários das redes sociais os que mais procuram se inserir nas chamadas "câmaras de eco", espaços virtuais onde convivem com pessoas que pensam exatamente como eles. Esta situação foi analisada por Cass Sustein, professor de direito em Harvard e autor de "#Republic: Divided Democracy in the Age of Social Media" ("#República: Democracia Dividida na Era de Mídia Social", editora da Universidade Princeton).
"Quando pessoas usam o Facebook para ver só o que elas querem ver, sua compreensão da realidade pode ser muito afetada." Para Sustein, a convergência dos iguais cria uma espécie de arquitetura social do controle, em que o diferente passa a representar risco ou ameaça, quando, na verdade, o que está em perigo é a liberdade individual e a própria democracia.
Estudos sobre a polarização no contexto social e econômico, mais do que no político, vêm sendo feitos no Canadá, onde se coloca uma questão inquietante: por que um país de primeiro mundo, visto como modelar sob vários aspectos, demonstra crescentes índices de desigualdade? Alan Walker, diretor do Cities Centre da Universidade de Toronto, é o coordenador do projeto Desigualdade de Renda e Polarização no Canadá. Investigando no plano nacional, mas aprofundando-se nas áreas metropolitanas de Toronto, Montreal e Vancouver, Walker traça as linhas de clivagem de uma sociedade bem diferente da imagem que exporta: a forte inserção do país na economia global trouxe desindustrialização, eliminação de postos de trabalho, especialmente os de padrão salarial médio, e desorganização de setores produtivos numa economia ainda atrelada a uma fonte de riqueza de futuro incerto: o combustível fóssil.
Como consequências sociais, explodem conflitos entre brancos e os "outros" (onde se incluem os imigrantes), idem para as tensões étnico-raciais (comunidades indígenas tradicionais com altos índices de suicídio), a segregação urbana complica a vida nas cidades (com a população dividida em vizinhanças ricas e pobres) e os sem-teto se multiplicam. Em 2015, o jovem, charmoso e bem-nascido Justin Trudeau foi eleito líder do Partido Liberal e designado primeiro-ministro do Canadá. Ganhou o apelido de "Anti-Trump" por seu discurso aberto ao multiculturalismo. Hoje vê seus índices de popularidade declinarem: em 2016, 62% dos canadenses avaliavam seu desempenho como ótimo, e 32%, como muito ruim. Hoje esses percentuais são de 52% e 39%, respectivamente.
As últimas eleições presidenciais nos Estados Unidos e no Brasil constituem campo fértil para estudos da polarização - e não apenas no plano político. No contexto americano, a era Trump tem sido esmiuçada por analistas, que por sua vez se debruçam quase que minuto a minuto sobre pesquisas de opinião pública. Tudo está sendo medido. Um exemplo: segundo o Pew Research Center, há 50 anos era irrisório o percentual de americanos que ficariam chateados se seu filho ou sua filha se casassem com alguém do "outro" partido. Hoje, recolocada a pergunta, tem-se o seguinte: "sim, seria péssimo" para 30% dos democratas e 50% dos republicanos entrevistados. Esses índices combinam com dado levantado anteriormente pela YouGov Poll, mostrando que 50% dos americanos entraram, pelo menos uma vez, em uma briga feia com amigos, parentes ou colegas de trabalho, durante a corrida presidencial de 2016.
Novos índices aparecem e vão fatiando a sociedade americana: a confiança no futuro da nação caiu para as mulheres democratas, entre 2015 e 2017 - de 48% para 20% -, ao passo que subiu para mulheres republicanas no mesmo período - de 36% para 44%. Ou seja, não há só polarização de gênero, mas polarização intragênero. Semanas atrás, a propósito da revisão das práticas para interrogatório de suspeitos de terrorismo na administração Trump, a mesma sociedade se fraturou espantosamente: 48% dos entrevistados acham a tortura aceitável em algumas circunstâncias, ao passo que 49% afirmam ser inaceitável em qualquer situação. Ainda que 62% dos americanos sejam contrários à construção do muro de fronteira separando México e Estados Unidos, promessa de campanha de Trump, 35% acham que isso está 100% correto. Ou seja, um número razoável de pessoas ecoa o presidente raivoso, que qualificou mexicanos que vivem ilegalmente nos EUA como "criminosos e estupradores".
"Em matéria de política externa, nosso presidente é um iletrado", reage o historiador Kenneth Serbin, professor da Universidade de San Diego. "Ao se expressar em termos absurdos, Trump permite que grupos radicais, polarizadores, se organizem. E esse é o nosso maior risco." Serbin lembra como EUA e México são países umbilicalmente ligados, formando algo que o antropólogo argentino Néstor Canclíni chama de "cultura híbrida". "O que o americano gosta de fazer quando vai ao estádio?", pergunta e responde Serbin. "Ele primeiro passa num quiosque para comprar uma bebida e uma porção de guacamole com tortillas. É o que faz essa cultura híbrida". Para Canclíni, as trocas humanas entre Tijuana e San Diego, cidades separadas pela fronteira, constituem o grande laboratório da pós-modernidade. Num de seus estudos, clarificou a ideia com a saborosa entrevista de um mexicano residente nos EUA a um jornalista de Tijuana:
Repórter: "Se ama tanto o nosso país, como diz, por que o senhor vive na Califórnia?"
Sr. Gómez-Peña: "Estou me desmexicanizando para mexicompreender-me".
Repórter: "E o que o senhor se considera, então?"
Sr. Gómez-Peña: "Pós-México, pré-chicano, panlatino, transterrado, arteamericano... Depende do dia da semana e do projeto em questão".
Então, convenhamos, por que polarizar? Nascido em Ohio e casado há 25 anos com uma brasileira, Serbin vê a si mesmo como um cidadão entre dois mundos, daí sentir-se à vontade para traçar paralelos entre os dois países. Calcula que é incerto o cenário americano, porém mais incerto ainda o do Brasil. Faz um recuo no tempo antes de seguir em considerações: "Penso que os processos atuais de polarização parecem uma reação tardia, espasmódica, da Guerra Fria. Achávamos que como o capitalismo ganhou, os soviéticos foram para o espaço, o muro de Berlim ruiu e a história, como disse [Francis] Fukuyama, chegara ao fim, estava tudo resolvido. Bobagem. Embates direita x esquerda mostram que ainda não nos libertamos do sistema dual".
No paralelo entre EUA e Brasil, destaca um fenômeno comum -- o enfraquecimento da classe média. "A pirâmide social americana mudou muito. Uma parcela pequena da classe média conseguiu ir para o topo, mas uma parcela bem maior despencou para a base, a classe baixa. A distância entre ricos e pobres aumentou consideravelmente, algo que também tem sido dramático para o Brasil e se aprofundou bastante no período Dilma".
No contexto americano, prossegue Serbin, essa distância continuou a crescer nos anos Obama, num panorama de recuperação econômica que pode ter se dado no plano macro, mas não no plano que toca a vida das pessoas. O resultado veio em seguida: a desigualdade social mostrou sua face ao sorrir para um discurso político aventureiro - o "America First", lema de Donald Trump -, em ambiente culturalmente propício às fragmentações. "Quer ver outro engano?", indaga Serbin. "Com a eleição de Obama, acreditamos que havíamos entrado na era pós-racial. Errado. Avançamos ao ter tido um presidente negro, sim, porém, existe hoje uma parcela de 3% da população identificada com o ideário racial, segregacionista e fascista, com potencial de crescimento".
Na arena política, em que republicanos divergem abertamente entre si, o campo democrata tenta se rearticular: Bernie Sanders, que disputou com Hillary a indicação do partido para concorrer à Presidência, trouxe uma crítica social que ainda ecoa; Hillary pode perder espaço para uma democrata como a senadora Elizabeth Warren, de centro-esquerda; o governador da Califórnia, Jerry Brown, ao romper com Trump na questão da mudança climática, administra seu Estado como fosse um país à parte; e o Partido Democrata finalmente percebeu que precisa sair dos grandes centros para encontrar o fundão americano. Vale uma visita ao website do partido, democrats.org. A guinada é nítida.
"Fui para os EUA fazer meu MBA nos anos 1960, como bolsista da Fundação Getúlio Vargas. Lá chegando, encontrei uma sociedade organizada, coesa, ou, como diria Durkheim, uma boa sociedade. Assisti na TV ao debate Kennedy x Nixon, candidatos à Presidência. Notei que falavam bem e pensavam muito parecido. Nos anos 1980, com a chegada de Reagan à Casa Branca e o avanço do liberalismo econômico, essa coesão americana começou a se desfazer, até chegar à decadência social e política que vemos hoje. Há quem diga: ah, mas os Estados Unidos sempre foram liberais! Conversa... Souberam muito bem fazer a dialética entre liberalismo e nacionalismo. Só mais tarde, com as crises da globalização, desviaram para esse individualismo atroz que vemos hoje". O depoimento é do economista e cientista político Luiz Carlos Bresser-Pereira, professor da FGV-SP. Ele agrega ao "individualismo atroz" a perda de dois valores fundamentais: o republicanismo e a solidariedade nacional.
Lembra-se de quando, recuperando-se de uma cirurgia nas costas, o ainda senador democrata John Kennedy escreveu (com assistentes) o livro "Profiles in Courage", ganhador de um prêmio Pulitzer. Nele, JFK contou a história de oito senadores americanos que desafiaram seus partidos (sem importar qual fosse a sigla) e apoiadores para defender causas relevantes ao país - ainda que enfrentando reprimendas e perda de popularidade. A isso Bresser-Pereira dá o nome de republicanismo. Hoje, seja no Senado americano ou no brasileiro, impossível imaginar um livro suprapartidário, para homenagear tão-somente a "coragem senatorial". Ou, talvez, a coragem senatorial agora se expresse de outra forma, não exatamente a serviço dos interesses nacionais.
Serbin e Bresser-Pereira olham para EUA e Brasil, dois grandes países sob regime presidencialista, traçando paralelos bem oportunos. Serbin diz acreditar que, apesar da ebulição mental e do destempero verbal de Trump, o sistema político americano é forte o suficiente para levar a termo uma administração instável tanto no plano interno quanto externo. Para Bresser-Pereira, o que se vê no Brasil já é um quadro mais complexo. Seria uma depressão agravada, segundo ele, por uma política econômica fiscalista, pela falta de um projeto nacional de desenvolvimento, por um capitalismo rentista que não se incomoda com a desigualdade social e pelo governo sem legitimidade. "Mesmo com críticas à presidente Dilma, que faço, não tenho dúvidas de que seu impeachment foi uma violência digna de uma republiqueta de bananas. Só vamos nos recobrar disso quando tivermos, de novo, um governo legítimo, democraticamente eleito", resume Bresser-Pereira, que tem percorrido o país para divulgar o seu Projeto Brasil-Nação, onde discute bases para a recuperação do país.
Puxando a análise para a América Latina, Juan Andrés Moraes observa que é frequente no mundo político da região que as agremiações adotem, como estratégia deliberada, a polarização. Mas que essa estratégia só funciona quando o partido é grande o suficiente para ter um caudal eleitoral. Polarizações a partir de partidos pequenos, que se colocam nos extremos, acabam não tendo ressonância. Ele diz acreditar que a polarização pode tanto resultar em diferenciação programática, algo positivo, quanto se confinar em conflitos insuperáveis entre os agentes políticos. No primeiro caso, cita o seu pequeno país, o Uruguai, cujos partidos polarizam em nível alto e, por isso, dinamizam a participação cidadã no processo político. No segundo caso, enxerga a Venezuela, cuja polarização política mais paralisa o país do que resolve suas dificuldades. Lembra também o caso da Costa Rica, onde os partidos não conseguem se diferenciar - baixa polarização, portanto -, o que desanima os eleitores. E o Brasil? "O Brasil vive um impasse. O nível de incerteza política tornou-se tão alto que a tendência ainda será de forte polarização nas próximas eleições. Mas, se estou certo em meu trabalho, essa incerteza também pode pressionar os agentes políticos a fornecer sinais mais claros aos eleitores". Algo a verificar.
Em 2013, calcula-se que 12% da população brasileira, algo em torno de 24 milhões de pessoas, saíram às ruas em centenas de cidades do país, para protestar contra o aumento das tarifas de ônibus, a má qualidade dos serviços públicos e a falta de moralidade na vida pública. Com propagação viral, o movimento cresceu, ganhou tom apartidário e desfrutou de alto poder de coesão na sociedade. Por que ali a confrontação e o divisionismo não se manifestaram? Este foi o ponto de partida de um grande projeto de pesquisa de opinião pública, chamado "Polarização Política no Brasil - Antipetismo e Guerras Culturais", que continua a ser desenvolvido pela fundação alemã Friederich Ebbert. À frente dos trabalhos estão os cientistas políticos Esther Solano, da Unifesp, Paulo Orelatto e Márcio Moretto, ambos da USP. Em relação a 2013, eles construíram a seguinte hipótese: aquelas manifestações não refletiram um consenso, mas um desejo de compartilhamento. Ou, uma ocupação do espaço público atraindo grupos com repertórios diferentes. Movimentos sociais que ainda estavam em estruturação, como o Vem Para a Rua, souberam capitalizar um sentimento generalizado de frustração. No ano seguinte, 2014, o clima eleitoral passou a articular campos opostos e, a partir de 2015, a polarização político-ideológica já havia se instalado na vida brasileira. Quando sairá de cena? Não tão cedo, avaliam os pesquisadores.
"Nos protestos de junho de 2013, o PT já apareceu no centro das críticas, afinal, era o partido no poder. Depois foram se constituindo dois grandes campos antagônicos - o antipetismo e anti-antipetismo. Com a expansão da Operação Lava-Jato, alcançando políticos de várias legendas, o campo antipetista se ampliou ao incorporar a antipolítica, isto é, sejam punidos todos os corruptos, de todos os partidos", explica Esther.
Nesse monitoramento constante, os pesquisadores aplicam questionários em manifestações e acompanham cerca de 10 milhões de pessoas pelo Facebook. Conseguiram distinguir algumas poucas tendências consensuais. Por exemplo: mesmo que as denúncias de corrupção atinjam muitos políticos, Lula ainda concentra o maior número de críticas, em especial no Facebook, território politicamente conflagrado. "O PT ocupa o centro da polarização, e Lula, o epicentro", define Esther. Não se formou uma grande onda "Fora Temer", e no entanto, o presidente alcança índices espantosos de rejeição em todos os segmentos.
Nesse sentido, Temer é consenso. A apatia social face a denúncias de corrupção e fatos políticos mais recentes tem a ver com um certo pragmatismo - dar sobrevida ao presidente rejeitado em troca de alguma estabilidade econômica até 2018 - e de cálculo político-eleitoral puro - não gastar energia social com mobilizações agora. E o sentimento da descrença bate forte nos dois campos, expressando-se de formas distintas: 73% dos antipetistas dizem não acreditar nas instituições políticas; 85% dos anti-antipetistas dizem não acreditar na imprensa.
Além das polarizações político-partidárias, entram em cena o que os pesquisadores chamam de "guerras culturais". Trata-se de embates ideológicos de caráter identitário, em relação a temas que têm a ver com o "desvio da norma" e a construção de direitos. A saber, a legalização da maconha, a descriminalização do aborto, a pauta LGBT, entre outros. São campos de confrontação já bem fortes nos EUA, que se articulam de forma crescente no Brasil, especialmente a partir dos segmentos mais jovens.
"Se o PT de Lula parece um partido que já não fala tanto à juventude, como falou no passado, e se candidatos novos acabam sucumbindo à velha política, o que pode ser uma opção de Doria, abre-se a janela eleitoral para uma figura como o deputado Jair Bolsonaro. Ele pode vir a crescer no campo das guerras culturais, com um discurso ultraconservador", compara Esther, hoje bastante preocupada com o racha interno no PSDB. "É importante para o Brasil ter um partido com valores democráticos atuando no campo conservador. Se isso se desintegra, o vazio pode ser ocupado por uma direita radical".
Dado surpreendente no estudo da Fundação Friedrich Ebbert vem do mundo evangélico: trata-se do descolamento entre fiéis e líderes evangélicos. Enquanto parlamentares da bancada evangélica hasteiam bandeiras conservadoras, algumas até fundamentalistas, 60% dos frequentadores da última Marcha para Jesus em São Paulo disseram "não ligar" para o que dizem, "nem confiar" em seus representantes no Congresso. Mais que deputado empunhando a Bíblia, esses marchadores seguem as leis de sociabilidade da própria igreja, tecidas nas relações entre pastores, parentes, amigos, vizinhos... enfim, a vida como ela é. Agora os pesquisadores se preparam para baixar em outro terreiro da fé: estarão com seus questionários na grande festa do Santuário de Aparecida, no mês de outubro. Hora de ver como polarizam os católicos.
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