O ex-presidente enfrenta o maior perigo que pode surgir para um chefe, que é a delação de um auxiliar próximo e até cúmplice, como Antonio Palocci
Ensinam a crônica e a literatura policiais que o maior perigo para o chefe está muito próximo a ele. O drama é enfrentado por Lula, desde que um dos seus mais próximos auxiliares — coordenador de campanha, ministro e conselheiro —, Antonio Palocci, decidiu acelerar seu acordo de colaboração premiada e, ao testemunhar em processo perante o juiz Sergio Moro, confirmou, com outras palavras, ter sido o ex-presidente o chefe da organização criminosa que desde o seu primeiro governo patrocinou o desvio de dinheiro público de estatais. Para o projeto político e de poder do PT, mas também para enriquecimento pessoal.
A sombra do presidente pairou sobre o mensalão. Quando, depois que o escândalo explodiu, Lula se declarou “traído”, pensou-se que o principal acusado, o chefe da Casa Civil José Dirceu, apontaria o dedo para cima. Fora um ou outro comentário de que nada fazia sem que Lula soubesse, o militante cumpriu o pacto de silêncio das organizações mafiosas. O mesmo ocorreria tempos depois, e continua a ocorrer, com o tesoureiro do partido João Vaccari Neto, preso em Curitiba, condição na qual também está Antonio Palocci.
Lula se acostumou a deixar companheiros pelo caminho, sem abrir a boca para proteger o líder supremo, característica de grupos contaminados pelo fanatismo dogmático. Têm uma certeza granítica de que o chefe não comete crimes, a mesma convicção dos que acham que o homem não foi à Lua. E, se os comete, é em nome de “boa causa”.
Lula, quarta-feira, ao se defrontar com Moro, também devido a processo, resolveu responder a Palocci, a quem sempre elogiou nos bons tempos. Não fugiu ao script dele mesmo, quando se vê denunciado, e dos acusados em geral — vide Temer —, e passou a desqualificar o ex-ministro e conselheiro: “frio e calculista”; “tão esperto que é capaz de simular uma mentira mais verdadeira que a verdade.”
Mas o ex-presidente jamais enfrentou denúncias de alguém de casa, e, pior, denúncias que confirmam delações premiadas de que desdenha. Como o “pacto de sangue”, termo de Palocci, fechado entre ele e Emilio Odebrecht, cujo filho, Marcelo, já relatou à Lava-Jato detalhes deste entendimento entre os dois.
O grande problema para quem se defende com a tática da desqualificação do denunciador é que não consegue responder de forma objetiva a acusações substantivas. E Palloci, por tudo que fez ao lado de Lula, sabe muito.
Na atual edição de “Veja”, o ex-ministro aparece referindo-se às vezes que, em 2010, levou pessoalmente a Lula pacotes de R$ 30 mil, R$ 40 mil, R$ 50 mil, em dinheiro vivo. Quando era mais, despachava o “faz-tudo” Branislav Kontic para o Instituto Lula, do qual também era desviado dinheiro para o ex-presidente.
Lula entra, assim, na fase mais difícil de sua vida pública, que é enfrentar a delação de quem o ajudou a ser, por um tempo, o mais popular político brasileiro. Um arquivo vivo.
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