segunda-feira, 13 de março de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Impostos sobre exportações são péssima ideia

O Globo

Empresas que produzem petróleo no Brasil já entraram na Justiça contra a criação do novo tributo

Quando o governo anunciou o imposto de 9,2% sobre as exportações de petróleo bruto de março a junho, era esperada reação nos tribunais. Não demorou. Na quarta-feira, Shell, Equinor, Petrogal, Repsol Sinopec e TotalEnergies entraram com pedido de liminar contra a cobrança na Justiça Federal. Outras empresas do setor avaliam fazer o mesmo. O PL entrou com Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo para suspender a cobrança.

Não se sabe o destino que a Justiça dará ao imbróglio, mas ele oferece uma boa oportunidade para entender por que taxar vendas ao exterior costuma ser péssima ideia. Por dois motivos. Primeiro, as exportadoras de petróleo se sentem prejudicadas por considerar o novo imposto uma quebra de contrato. Quando analisaram investir no Brasil, não havia imposto de exportação. Fizeram seu planejamento de resultados com base nessa realidade. Agora terão de entregar parte do que lucrarem no primeiro semestre ao governo (isso se o imposto temporário não virar permanente, como costuma acontecer).

Segundo motivo: o novo tributo transmite insegurança a todo o ambiente de negócios por ferir a previsibilidade. De agora em diante, quem pensar em investir no Brasil terá de pôr na conta a possibilidade de surgirem novos tributos da noite para o dia. Cálculos de riscos regulatórios e jurídicos ficarão mais complexos. Muitas empresas podem adiar investimentos ou até desistir de se instalar aqui.

Na superfície, o discurso em favor de impostos sobre a exportação de produtos primários é tentador. Em geral, eles incidem sobre setores com receitas robustas e têm um ar de medida Robin Hood, que redistribui dinheiro dos ricos aos pobres. Invariavelmente, se tornam contraproducentes. Vários casos ilustram essa realidade. O Brasil era o maior fornecedor de algodão para as incipientes fábricas de tecidos da Inglaterra no início da Revolução Industrial. Décadas depois, os produtores do Maranhão e de Pernambuco foram ultrapassados pelos do Sul dos Estados Unidos. Motivo? Um tributo alto sobre exportação, segundo concluiu um estudo do historiador econômico Thales Zamberlan Pereira, da FGV de São Paulo.

Na Argentina, vasta produção acadêmica comprova o impacto nefasto dos impostos sobre as vendas externas de produtos primários. Apesar disso, o agronegócio tem sido alvo rotineiro até hoje. Diferentes governos elevam e abaixam as alíquotas sem muita lógica. Em 2008, os impostos sobre exportações representaram mais de 10% da arrecadação do governo argentino, segundo a OCDE.

Impostos sobre a exportação desincentivam o aumento da produção porque reduzem a lucratividade e corroem a competitividade (é o que acontecerá com as produtoras de petróleo). Concorrentes no mercado internacional são isentos desse tributo e ainda podem receber subsídios dos locais onde se estabelecem. Resultado: deixa de valer a pena produzir no Brasil.

O tributo sobre a exportação de petróleo foi criado para que fosse possível, ao reonerar os combustíveis, cobrar menos imposto sobre a gasolina e o etanol sem prejudicar o caixa do Tesouro. Foi um cálculo da ala política do governo para evitar que a alta nas bombas provocasse queda na popularidade de Lula. Agora é provável que o governo tenha de voltar atrás por decisão judicial.

Sistema de cotas nas universidades públicas precisa passar por revisão

O Globo

Objetivo deve ser eliminar distorções que tornam o acesso mais difícil para cotistas do que para não cotistas

Dez anos depois da adoção das cotas para preencher vagas na universidade pública, elas foram renovadas sem a revisão que estava prevista na lei. Foi um erro, pois são abundantes as evidências de que ela se faz necessária. Mesmo que não chamem tanto a atenção, há sinais de alerta. O próprio sistema adotado começa a impedir o acesso de filhos de famílias marginalizadas ou vulneráveis ao ensino superior.

Reportagem do GLOBO com base em dados do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), do MEC, revelou que, no ano passado, 81% das 410 disputas mais acirradas foram travadas entre cotistas. Isso acontece em razão da quantidade de subcotas criadas, que acabam tornando o acesso às vagas mais concorrido como cotista do que como não cotista.

As vagas disponíveis nas universidades públicas estão divididas em cotas raciais (pretos, pardos e indígenas), subdivididas segundo o histórico escolar do candidato (oriundo de escola pública ou particular), renda familiar (igual ou inferior a 1,5 salário mínimo) e ainda repartidas entre deficientes e não deficientes. As diversas combinações possíveis acabam por reduzir o número de vagas para cada tipo de cotista, aumentando a competição.

Não é incomum o vestibulando não cotista enfrentar menos concorrência que o cotista. Aconteceu no ano passado na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Acre. Entre cotistas egressos de escola pública havia 289 candidatos por vaga; entre não cotistas, apenas 38.

Em 2019, inscreveram-se 2.584 cotistas para preencher apenas quatro vagas no curso de licenciatura em geografia do Instituto Federal do Pará, no turno da noite, ou 646 para cada uma. Na ampla concorrência, entre não cotistas, a relação era de 256 candidatos por vaga. No Sisu de 2019, um estudo de Inácio Bó e Adriano Senkevics identificou 10 mil “reprovações injustas”, em que cotistas perderam a vaga mesmo com nota superior a não cotistas. A nota de corte, calculada em função da procura pelo curso, foi maior para cotistas que para não cotistas. Bó sugere que a competição entre cotistas de vários tipos poderia funcionar para tornar a disputa mais justa.

É indiscutível que as cotas no ensino superior transformaram a universidade, que passou a espelhar melhor a sociedade brasileira. Também é inegável que, graças a elas, muitas famílias dos estratos mais baixos da sociedade puderam comemorar a entrada do filho no ensino universitário, passo fundamental para mudar o futuro das novas gerações.

Mas uma década também é tempo suficiente para fazer uma avaliação serena e desapaixonada da política de cotas, com base nas evidências. O objetivo precisa ser manter seu caráter inclusivo, não transformá-la em obstáculo ao acesso. Para isso, é fundamental acabar com as distorções que afastam da universidade aqueles que mais necessitam das cotas.

Viés de baixa

Folha de S. Paulo

Plano fiscal e melhora da inflação são necessários para declínio dos juros do BC

O fato econômico mais marcante deste início de março foi a queda das taxas de juros que definem o ônus de financiamento do governo e servem de piso para o custo dos empréstimos de todo o mercado.

As taxas de prazo inferior a dois anos se aproximaram daquelas registradas no início de novembro do ano passado —isto é, pouco antes de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) começar a campanha de discursos que pôs em dúvida o controle da dívida do governo e a autonomia do Banco Central.

A queda é sinal de que, ao menos para agentes do mercado, a Selic —taxa fundamental definida pelo BC— pode baixar antes do previsto e mais do que se imaginava.

Na última reunião do seu Comitê de Política Monetária, o BC passou mensagem dura. Dadas a expectativa de inflação em alta e a incerteza sobre a política econômica, talvez a Selic fosse mantida nos atuais 13,75% até dezembro, pelo menos.

Operadores e especialistas não corroboravam a projeção do BC, pois contavam com uma Selic menor em dezembro. Nesta semana, entretanto, os indicadores apontavam corte maior e mais precoce, talvez em meados do ano.

Entre os motivos da mudança de rumos parecem estar os sinais de desaceleração da economia, contida pelo arrocho monetário e pelas dificuldades ainda maiores de financiamento das empresas. A fraude nas Americanas e outros pedidos de recuperação judicial abalaram o mercado de crédito.

Ademais, difundiu-se a impressão de que o Ministério da Fazenda apresentará, ainda neste março, um plano aceitável de contenção da dívida pública.

É certo que a atividade desacelera, que há escassez de crédito e empresas em dificuldades. As expectativas de inflação pararam de aumentar. Mas é preciso que baixem e que a inflação dê sinais de que vá declinar antes que o BC tome uma atitude em relação à Selic.

Se o plano fiscal de Fernando Haddad se mostrar de fato crível e se permanecerem indícios de arrefecimento de PIB e preços, é possível que a autoridade monetária corrobore o movimento do mercado e a baixa de juros ganhe impulso.

Também é preciso levar em conta o contexto externo. Ainda é incerto o ritmo de alta de juros nos EUA, e a crise no setor de tecnologia gera danos e acidentes, como a quebra do banco SVB, que atendia firmas inovadoras —o clima de desconfiança abalou Bolsas e afetou a onda de valorização nos mercados financeiros brasileiros.

O cenário é turbulento; a inflação no Brasil e no mundo é resistente. Um bom plano fiscal, comedimento do governo e controle de riscos nos mercados de crédito podem contribuir para que se consolide a tendência de queda de juros.

Apresente o preso

Folha de S. Paulo

Exigir audiência de custódia para todas as prisões é um avanço civilizatório

O Supremo Tribunal Federal deu um passo importante rumo à humanização do tenebroso sistema penitenciário brasileiro, ao exigir que as audiências de custódia ocorram em todos os casos de prisão.

Essas audiências, praticadas desde 2015 no país, constituem direito fundamental da pessoa encarcerada. O instituto é tido como obrigatório no chamado pacote anticrime (lei 13.964, de 2019) e é reconhecido em tratados internacionais ratificados pelo Brasil, como a Convenção Americana de Direitos Humanos e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.

Conforme a norma, o preso deve ser apresentado a um juiz em até 24 horas, na presença de advogado ou defensor público. O objetivo é avaliar a legalidade da prisão e do flagrante, verificar eventuais maus-tratos ou tortura e definir se é o caso de medidas cautelares.

Embora ainda haja subnotificação, mais que dobrou o número de denúncias de maus-tratos praticados por policiais em tais circunstâncias desde o início das audiências no país (de 2,4% dos casos em 2015 para 6,2% em 2019).

No período também houve redução de 11% no número de presos provisórios. Evitaram-se 277 mil encarceramentos, com economia de ao menos R$ 13,8 bilhões.

O que o STF definiu agora foi que as audiências de custódia devem ser realizadas não apenas em prisões em flagrante mas também nas temporárias e preventivas. A unanimidade da decisão confirma a solidez do instituto.

Estudo da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) aponta que a maioria dos juízes e desembargadores apoia a prática —que, no entanto, acabou enfraquecida durante a pandemia. Segundo dados da Rede Justiça Criminal, o número de audiências caiu de 222 mil em 2019 para 66 mil em 2020.

Passada a crise sanitária, com a retomada das atividades presenciais, e diante da decisão do STF, o desafio recai sobre a qualidade. De acordo com a Associação para a Prevenção da Tortura (APT), as reuniões por vezes ainda descumprem requisitos mínimos —ocorram fora dos Tribunais de Justiça, presos permanecem algemados ou o exame de corpo de delito não chega a tempo ao juiz.

Diante da obrigatoriedade, cumpre que os tribunais conduzam esses atos processuais com a seriedade e a imparcialidade que impõem os ditames do Estado de Direito, ainda distantes da realidade de calabouços brasileiros.

Educação ruim faz mal ao PIB

O Estado de S. Paulo.

Ao evidenciar que a baixa aprendizagem dos estudantes impacta negativamente o crescimento econômico, estudo da FGV reforça a urgência da melhoria da qualidade do ensino no País

A falta de qualidade do ensino, notadamente na educação básica, freia o crescimento econômico e é um entrave para que o Brasil deixe o subdesenvolvimento para trás. Como noticiou o Estadão, um estudo da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV) forneceu números impressionantes a respeito dessa triste realidade. Uma das estimativas, por exemplo, indica que o Produto Interno Bruto (PIB) nacional ganharia dois pontos porcentuais se os estudantes brasileiros atingissem, aos 15 anos de idade, o mesmo nível médio de aprendizagem dos alunos de países desenvolvidos. Por óbvio, um desafio que não se alcança do dia para a noite. Mas cabe indagar: até quando o País está disposto a abrir mão de tamanha riqueza?

O estudo analisou dezenas de pesquisas dedicadas a investigar as relações entre educação e crescimento econômico, tendo como referência o desempenho dos alunos em avaliações internacionais. A conclusão, claro, foi que tal relação existe e é capaz de gerar um círculo virtuoso, com efeitos positivos inclusive em áreas como saúde e segurança pública. A propósito, países nos quais os estudantes experimentam avanços significativos de aprendizagem tendem a ver crescer suas economias. Foi assim, nas últimas décadas, em Cingapura, Coreia do Sul, Portugal e Polônia. Infelizmente, um salto ainda distante para o Brasil.

Isso fica claro quando se observa o desempenho dos alunos brasileiros no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês), da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) − que serviu de fonte para diferentes pesquisas analisadas no estudo da FGV. Ora, o Brasil não só costuma figurar entre os últimos colocados a cada edição do Pisa, aplicado a adolescentes de 15 anos, como a maioria dos alunos brasileiros não alcança sequer o nível básico de desempenho nas provas de Leitura, Matemática e Ciência. Uma lástima.

Responsável pelo estudo da FGV, o professor André Portela afirmou ao Estadão que um aumento de cerca de 50 pontos na nota brasileira do Pisa, o equivalente à metade do caminho até a média dos países desenvolvidos, já resultaria na elevação anual de 1 ponto porcentual do PIB. Para ilustrar o que isso representa, basta lembrar que o crescimento médio do PIB brasileiro na última década (2011-2020) ficou no irrisório patamar de 0,26% ao ano. Ou seja, um incremento de 1 ponto porcentual equivaleria a quase três vezes mais que a média da última década. Dinheiro para alavancar investimentos e corrigir desigualdades históricas.

O diretor de Conhecimento, Dados e Pesquisa da Fundação Lemann, Daniel De Bonis, fez um diagnóstico certeiro: “O verdadeiro motor da economia não é a taxa de juros, é o capital humano”, disse ele ao Estadão, enfatizando as consequências de longo prazo da baixa aprendizagem nas escolas do País. De fato, a incapacidade do Brasil, até hoje, de ofertar ensino de qualidade em larga escala priva a população de um direito fundamental sem o qual não há saída. Algo que transborda das salas de aula para as demais esferas da sociedade, no campo ou nas cidades, em qualquer ambiente profissional. Em outras palavras, uma falha crônica que condena o País ao atraso.

Como já tivemos a oportunidade de defender neste espaço, o Brasil deve priorizar a oferta de educação básica de qualidade − e para todos. Trata-se da insubstituível formação escolar que se inicia antes mesmo da alfabetização e vai até o ensino médio, alicerce do desenvolvimento pessoal, da formação cidadã e da preparação para o mundo do trabalho. Só assim será possível destravar o potencial de crescimento da nação, superando gargalos econômicos e sociais.

Governos vêm e vão − e se perdem no imediatismo das suas ambições. Não veem que planos de desenvolvimento nacional precisam envolver as escolas de norte a sul do País, qualificando a formação de professores e oferecendo ensino em tempo integral. Não há milagres nem atalhos: essa é uma agenda que deve unir governantes de todas as cores partidárias, com apoio da sociedade. A miopia do País em relação a algo tão evidente já custou caro demais.

Pacificar não é contemporizar

O Estado de S. Paulo.

Se o governo brasileiro quer buscar soluções para o conflito entre o regime e a dissidência venezuelana, é mau começo deixar-se usar pelo primeiro para deslegitimar as demandas da última

Na última quarta-feira, 8, o Brasil foi surpreendido por um tuíte do ditador venezuelano Nicolás Maduro celebrando um encontro com o chefe da assessoria especial da Presidência da República, Celso Amorim.

A retomada das relações diplomáticas com a Venezuela, erodidas durante o governo Jair Bolsonaro, não surpreende. Ao contrário. O presidente Lula da Silva já a havia anunciado, e fez muito bem. Para o bem ou para o mal, o fato é que os esforços internacionais envidados em 2019 para legitimar um governo interino do então presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, com vistas a reconduzir o país a eleições limpas, malograram.

Brasil e Venezuela têm muitos interesses bilaterais a serem defendidos e promovidos, e eles não podem ficar à deriva. Os dois países compartilham mais de 2 mil km de fronteiras na região delicada da Amazônia. O Brasil exporta para a Venezuela mais de US$ 1 bilhão, sobretudo em produtos agrícolas, e importa quase US$ 500 mil, especialmente em petroquímicos e derivados. Os mais de 20 mil brasileiros que vivem na Venezuela precisam de uma devida representação, assim como os cerca de 340 mil imigrantes e refugiados venezuelanos no Brasil.

Tampouco surpreende que o encontro tivesse um caráter, por assim dizer, secreto. Em relações internacionais, frequentemente o segredo ajuda a enfrentar problemas cujas soluções se tornarão, no seu devido tempo, públicas e perenes. Durante anos, por exemplo, Israel e Jordânia, mesmo em estado de guerra, estabeleceram tratativas sigilosas para amadurecer acordos que depois foram oficializados e duram até hoje.

Justamente porque a Venezuela vive uma aguda crise político-institucional, com uma oposição reprimida e um governo isolado pela comunidade internacional em razão de seus crimes contra a humanidade e violações à ordem democrática, e justamente porque o governo brasileiro se propõe a colaborar com a solução a esses conflitos não pelo confronto, como o governo anterior, mas mediando recomposições entre as partes, era razoável que o representante da Presidência brasileira iniciasse tratativas com ambos os lados nos bastidores.

O que surpreende é que justamente Nicolás Maduro tenha quebrado essa discrição, utilizando o encontro para legitimar sua posição, como se não houvesse uma situação de exceção a ser normalizada, mas, ao contrário, como se a crise já tivesse sido plenamente superada. Assim, o Brasil deu de bandeja ao ditador a foto que ele queria para propagandear que não está isolado.

É mais um caso em que o voluntarismo lulopetista emprega o capital diplomático nacional para prestigiar tiranos que destroem a democracia de seus países e ameaçam a ordem global baseada em regras, como quando Lula, contra todas as pressões da comunidade internacional para que o Irã encerrasse seu programa de armamento nuclear, fabricou com a Turquia um acordo que, na prática, só daria tempo à teocracia dos aiatolás para avançar em seu programa nuclear.

Agora, a pretexto de defender um ideal de paz que todos desejam na Ucrânia, o governo manobra nos fóruns internacionais para um cessar-fogo sem condições. Mas, assim como há uma guerra justa (a do agredido contra o agressor), há uma paz injusta. O agredido tem todo o direito de exigir o fim da agressão (no caso, a desocupação dos territórios ucranianos saqueados pela Rússia) como condição para cessar suas operações militares de defesa.

No caso do regime bolivariano, é preciso mostrar que seus crimes e violações têm consequências na comunidade internacional. Se o Brasil quer realizar um movimento de reaproximação, primeiro, para defender seus interesses e, depois, para cooperar na solução da crise venezuelana, essa aproximação não pode ser incondicional. É possível – embora o histórico de complacência do lulopetismo com atrocidades cometidas por ditaduras de esquerda deixem uma margem oceânica para dúvida – que a intenção da delegação chefiada por Amorim fosse exatamente deliberar preliminarmente sobre essas condições. Mas não foi essa a imagem transmitida alegremente pelas redes sociais de Maduro.

Uma morte que envergonha SP

O Estado de S. Paulo.

Caso da mulher afogada em seu próprio carro em Moema resulta da incúria do poder público

Não foi ontem nem na semana passada. Não foi há um mês nem há um ano que o alerta sobre as constantes enchentes na Rua Gaivota, em Moema, na zona sul da capital paulista, começou a circular em inquéritos, planos de contingência ou ações judiciais envolvendo órgãos da administração pública, seja na Prefeitura de São Paulo, na Justiça ou no Ministério Público − enfim, em toda essa gigantesca engrenagem bancada com o dinheiro dos contribuintes e que existe, ou pelo menos assim deveria, para proteger, antes de mais nada, a vida dos cidadãos. De gente como a moradora Nayde Pereira Cappellano, de 88 anos, cuja morte dentro do próprio carro, submerso pela enxurrada que varreu a Rua Gaivota na última quarta-feira, pode ser considerada tudo menos uma fatalidade.

O Estadão informou que desde 2016 já havia um inquérito civil instaurado pelo Ministério Público de São Paulo para investigar as inundações na Rua Gaivota, esquina com a Ibijaú, em Moema − onde o carro dirigido pela sra. Nayde acabou engolfado pelas águas da chuva. Uma cena devastadora, gravada em vídeo por uma câmera de segurança e testemunhada por quem estava no local e viu, sem poder ajudar, a motorista que desesperadamente pedia socorro dentro do veículo. Até o Corpo de Bombeiros, uma vez chamado, demorou a chegar: cerca de 30 minutos, segundo o relato de uma porteira que trabalhava em um prédio em frente ao local. Moradores resgataram o corpo da vítima.

A demora dos bombeiros, claro, também deve ser apurada. Mas, se os órgãos públicos encarregados de cuidar da cidade e de zelar pela vida dos cidadãos tivessem cumprido o seu dever, tudo indica que os bombeiros nem precisariam ter sido chamados. Eis o que torna a tragédia da última quarta-feira ainda pior: as enchentes na Rua Gaivota eram conhecidas de longa data pelas autoridades. Como se viu, porém, ninguém foi capaz de tomar as medidas necessárias para solucionar o problema. Uma demora de muitos anos. As falhas e a omissão do poder público custam caro para a sociedade. Nesse caso, a vida de uma moradora que saiu de casa para ir à farmácia e à padaria.

O inquérito civil de número 14.0279.0000143/20165, instaurado pela Procuradoria de Justiça de Habitação e Urbanismo, faz menção à ocupação irregular de uma área pública por parte de condomínios. Por isso, o Ministério Público pediu à Prefeitura providências administrativas e/ou judiciais. Edifícios ao longo do Córrego Uberabinha, que atravessa a região, provocam a impermeabilização do solo, o que impede a drenagem da água, criando um cenário ideal para inundações. Havia também uma solicitação à Defesa Civil, no sentido de que preparasse um “plano de contingência para o local, com foco na atuação preventiva”, além de “propostas técnicas para solucionar o problema de enchentes”. Segundo o Ministério Público, um plano de contingência chegou a ser apresentado, mas não foi efetivado. Deu no que deu.

Agora que uma vida se perdeu, o poder estatal, mais uma vez, promete mobilizar mundos e fundos para resolver o problema. Para a sra. Nayde, é tarde demais.

Farras familiares na escolha para os tribunais de contas

Valor Econômico

A forma de corrigir essa situação aberrante e injusta é simples e uma das mais difíceis de se executar: cumprir a lei

Os Tribunais de Contas estaduais (27), de municípios dos Estados (4) e de municípios (2) tornaram-se dispendiosas sinecuras, com baixo cumprimento de suas funções principais, entre elas a de fiscalizar as contas do Executivo. Tornaram-se um clube formado por aliados políticos que são indicados pelas Assembleias Legislativas e pelos governadores, e que, entre outras regalias, têm cargo vitalício - aposentam-se aos 75 anos - e salários equivalentes ao topo do funcionalismo público (R$ 41 mil).

Estes tribunais têm 7 membros, quatro deles escolhidos pelos Legislativos estaduais (e municipais, quando couber) e três pelo chefe do Executivo, que tem de indicar um auditor e um membro do Ministério Público, além de alguém de sua predileção. Como é corriqueiro no Brasil, ninguém é encarregado de fiscalizar o fiscal, e a perpetuação de critérios esdrúxulos de seleção, em desrespeito à Constituição, desfigura radicalmente as importantes missões para os quais foram criados.

Levantamento realizado pelo jornal O Globo (6 de março) mostram dados chocantes. Dos 232 conselheiros existentes, 30% são parentes de políticos, lá colocados por irmãos ou cônjuges governadores. À fatia nepotista dos tribunais junta-se outra um pouco maior, de 32%, que já foram condenados pela Justiça ou são objeto de investigação por crimes como peculato, corrupção, lavagem de dinheiros e outras coisas mais. O cargo de fiscalização é um manto que encobre com a legitimidade da autoridade falcatruas diversas. O restante dos membros dos tribunais fizeram carreiras políticas e foram indicados por aliados.

Os conselheiros só podem ser exonerados por má conduta e crimes diversos depois de receberem sentença transitada em julgado, o que, pelo novo entendimento do Supremo Tribunal Federal, só ocorre depois de esgotados todos os infindáveis recursos a que têm direito os acusados. Como a Justiça no Brasil é lenta, produz frequentemente situações bizarras, como as do Tribunal de Contas do Estado do Rio, em que nada menos de 5 conselheiros foram afastados pela Operação Quinto do Ouro, e foram presos junto com o presidente da Assembleia Legislativa, Jorge Picciani, em março de 2017.

Além de o tribunal não poder mais funcionar sem cinco dos 7 membros, os acusados continuaram a receber normalmente seus altos salários. Um deles, Aloysio Neves, teve pagamentos de R$ 2,3 milhões, depois de afastado, de 2017 a 2022. Aposentou-se no mês passado, com salário de R$ 41 mil e os vencimentos da aposentadoria, que serão muito maiores do que o que os demais contribuintes da Previdência receberão pelas regras vigentes. Os demais investigados, dada a demora do processo, pediram para reassumir suas funções. Um deles, Domingos Brazão, teve seu requerimento aceito pelo ministro do STF Nunes Marques. O benefício foi estendido aos demais, que ainda não voltaram ao trabalho porque outra ação por improbidade administrativa na Corte estadual os impediu.

O aproveitamento de oportunidades de emprego bem remunerado para o resto da vida não distingue partidos. Um dos homens mais poderosos do PT, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, ex-governador da Bahia, conseguiu que sua esposa, a enfermeira Aline Peixoto, fosse eleita como conselheira no tribunal do Estado. Algo semelhante ocorreu com Rejane Dias, esposa do então governador do Piauí, Wellington Dias, hoje ministro do Desenvolvimento Social do governo Lula.

Antes de ser governo, o PT era um estridente paladino da ética. No governo, adequou-se rapidamente ao figurino das demais legendas e, depois do petrolão, simplesmente se comporta como mais um partido das “boquinhas”.

A forma de corrigir uma situação aberrante e injusta como essa é simples e uma das mais difíceis de se executar: cumprir a lei. Pela Constituição, além de idoneidade moral e reputação ilibada, os candidatos a ocupar o cargo têm de possuir “notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos financeiros ou de administração pública”. Mais: precisam ter exercido por mais de 10 anos função ou atividade profissional que exija esses conhecimentos. Grande parte dos beneficiados pelo nepotismo ou indicações políticas não preenche esses requisitos. A moralização desses tribunais é urgente, mas não há interesse dos políticos, beneficiários desta situação, em fazê-lo, já que aprovam qualquer um e a Justiça e o Ministério Público não têm se metido nisso.

 

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