quinta-feira, 1 de junho de 2023

Mario Mesquita* - Sobre o pessimismo crônico

Valor Econômico

Boas surpresas podem ser o efeito defasado e cumulativo de reformas implementadas desde 2016

Ao final de 2022 os economistas (me incluo no grupo) consultados pelo Banco Central na pesquisa Focus projetavam expansão de 0,8% do PIB brasileiro em 2023. Na divulgação mais recente da pesquisa, a mediana das expectativas já tinha subido para 1,3%, e tende a seguir em alta. De fato, desde meados de 2020, no momento mais dramático da pandemia, o PIB tem recorrentemente surpreendido de forma favorável.

Em junho de 2020, a expectativa para contração da economia encontrava-se em 6,6% (o FMI esperava um colapso de 9,1%). A recessão atingiu 3,3%, um impacto severo, mas longe do desastre que muitos temiam. Ao final de 2020, o consenso era que o PIB cresceria 3,4% em 2021, e a expansão atingiu 5%. Em dezembro daquele ano, a expectativa consensual de crescimento para 2022 era de parcos 0,4%, e o crescimento atingiu 2,9%. E, como visto acima, o fenômeno ameaça se repetir em 2023.

O debate sobre esses erros de projeção segue intenso, e vale tentar resumir a discussão. Uma primeira explicação seria o peso de eventos extremos na formação de expectativas. Por essa lógica, o forte crescimento do PIB em 2007, 2008 e 2010 (brevemente interrompido pela grande crise financeira global) teria ocasionado um viés otimista entre os analistas, que persistiu por alguns anos. Na outra ponta, a profunda recessão de 2014-2016, seguida por uma recuperação lenta em 2017 e 2018, teria criado um condicionamento negativo entre os economistas, que os levaria a subestimar o crescimento de forma recorrente nos últimos anos.

Outra explicação seria de modelagem. Os modelos econométricos agregados não anteciparam adequadamente a queda livre da economia entre 2014 e 2016, talvez por darem peso excessivo à taxa de juros como determinante da atividade. Eventos idiossincráticos também influenciam o ciclo de negócios, e podem compensar ou até superar os efeitos da política monetária.

Apesar de sua importância global, o setor agropecuário responde, diretamente, por apenas 7% do PIB brasileiro, ante 21% para a indústria e 59% para o setor de serviços (dados de 2022, o resíduo refere-se a impostos). Ocorre que o setor agropecuário pode ter impacto indireto bem mais significativo, seja em atividades correlatas (produção das máquinas agrícolas e transporte da safra, por exemplo), ou pelo efeito sobre a renda e o consumo nas regiões produtoras.

Aprimorar a modelagem do efeito da agropecuária no PIB (que em parte reflete a evolução de preços de commodities) poderia ajudar a limitar as surpresas. Uma explicação para o crescimento baixo verificado na década de dez é climática; níveis de precipitação abaixo do normal teriam encarecido o custo da energia (pela necessidade de acionar termelétricas) e impactado atividades agrícolas.

Essa hipótese pode ajudar a explicar as surpresas negativas ocorridas na década passada, mas não as surpresas de PIB positivas mais recentes, visto que a precipitação pluvial ficou ainda mais abaixo da média a partir de 2019.

Outra possibilidade tem a ver com a variação do investimento. O investimento teve quedas fortes entre 2014 e 2017, e se recuperou posteriormente, a despeito da redução temporária observada em 2020. A taxa de investimento em relação ao PIB subiu em 4 pontos percentuais, em média, desde meados da década de 2010. Tal elevação da taxa de investimento pode ter ocasionado um aumento temporário do crescimento do PIB, que não teria sido capturado pelos modelos usuais. O efeito da evolução dos preços das exportações sobre o investimento, por sua vez, pode estar subestimado, o que também ajudaria a explicar as surpresas recentes.

A economia tem recebido doses importantes de estímulo fiscal nos últimos anos, com exceção de 2021. E esse estímulo tem sido caracterizado por uma importância crescente das transferências diretas para camadas de baixa renda, com alta propensão a consumir. É possível, assim, que estimativas do multiplicador fiscal baseadas em séries longas não estejam capturando um aumento, ainda que temporário, do impacto da elevação de gastos sobre a atividade econômica. Ainda assim, o PIB surpreendeu para cima em 2021, ano de austeridade.

Finalmente, mas quiçá mais importante, as surpresas podem refletir o efeito defasado e cumulativo de reformas implementadas desde 2016. Se nós economistas divergimos sobre os lags da política monetária, temos menos informação ainda sobre a defasagem entre a aprovação e implementação de uma reforma e seu impacto na taxa de crescimento da economia.

Desde 2016, o Brasil aprovou importantes reformas, voltadas para aumentar o potencial de crescimento de uma economia de mercado, como a trabalhista, do BNDES (que foi, na prática, uma reforma do mercado de capitais), marcos regulatórios de setores como saneamento, gás natural e distribuição de energia, o PIX e várias outras medidas voltadas para a inclusão financeira da população, entre outras. É possível que o efeito das reformas tenha começado a aparecer. Teremos mais evidências disso com o passar do tempo, caso as reformas não sejam revertidas.

*Mario Mesquita é economista-chefe do Itaú Unibanco

 

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