O Globo
Não havia dúvida em Brasília de
que Luiz Inácio Lula da
Silva enfrentaria testes de estresse com o Congresso Nacional, nem de que o
resultado seria decisivo para seu governo. Quem analisava a discrepância entre
o discurso de campanha e a prática das gestões petistas também podia prever,
sem grande dificuldade, que em algum momento a “frente ampla” formada para
derrotar Jair
Bolsonaro começaria a claudicar.
Mas nem o observador mais pessimista
poderia supor que a boa vontade política com que Lula começou seu mandato,
turbinada pelos atos golpistas de 8 de janeiro, degringolaria tão rápido.
O governo ainda nem completou seis meses e, só na última semana, já foi derrotado na votação do marco temporal das terras indígenas, e sua proposta de reorganização da Esplanada dos Ministérios foi desfigurada — especialmente na área ambiental, grande diferencial de Lula, que ajudou a lustrar sua reputação de “reconstrutor” das instituições brasileiras.
Como se não bastasse, ele aproveitou um
encontro de presidentes para empenhar seu capital democrático em aval
entusiasmado à ditadura de Nicolás
Maduro. Num discurso repleto de elogios, exortou o colega a falar para sua
“imprensa livre”, como se tal coisa existisse na Venezuela.
Afirmou sem corar que não é possível que o regime de Maduro “não tenha um
mínimo de democracia”.
Calou-se quando os seguranças do Planalto
agrediram a repórter Delis Ortiz em meio à confusão provocada pela tentativa de
blindar Maduro do acesso da imprensa. E acabou criticado por quatro outros
presidentes latino-americanos, do esquerdista Gabriel Boric ao
direitista moderado Lacalle Pou, todos reconhecendo que as violações de
direitos humanos sob o regime venezuelano não são narrativa, e sim realidade.
Enquanto o mico internacional se
desenrolava, na seara doméstica a coisa ficou tão desorganizada que o Palácio
do Planalto chegou ao final do prazo de vencimento da MP reconfigurando toda a
máquina federal sem saber com quantos votos poderia contar — e sem saber,
portanto, quantos ministros teria no final da semana.
No Centrão, proliferavam queixas sobre
verbas represadas, pedidos de cargos e chantagens variadas, mas também imperava
o diagnóstico de que falta a Lula conversar com os parlamentares. “ O problema
está no governo, na falta ou ausência de articulação”, resumiu o presidente da
Câmara, Arthur
Lira, cara e voz do Centrão.
Diante de tamanha confusão, o que mais se
perguntava, tanto no Planalto quanto na oposição, era o que teria levado o
presidente da República, do alto da experiência de um terceiro mandato e
reconhecido pelo tirocínio político, a cometer tantos erros em série. Como Lula
deixou as coisas chegarem a esse ponto?
Da mesma forma que nas tempestades
perfeitas, crises assim nunca têm uma única razão ou um único culpado. Mas não
estará errado quem disser que, se Lula 3.0 estivesse em plena forma, o cenário
provavelmente não seria tão caótico. Tampouco estará enganado quem concluir
que, assim como o Lula que assumiu em 2003 era bem diferente da campanha de
2002, não se deve esperar que o Lula de 2023 seja o dos palanques de 2022.
Quem conhece a trajetória do petista sabe
que, quando se instala o conflito entre as forças econômicas e as autoridades
ambientais, ele costuma desempatar a favor dos empresários. Da mesma forma,
apesar de sempre ter respeitado as regras do jogo democrático em seus dois
mandatos, nunca se furtou a elogiar os ditadores de países amigos.
E, se o assunto é Centrão, Lula também
nunca se furtou a negociar. Em 2004, quando seu governo ficou emparedado pelo
mesmo PP hoje
comandado por Lira, ele baixou uma ordem na Petrobras para
que se entregasse logo a diretoria que o partido queria — e foi governar. O
resultado foi o petrolão, mas isso é outra história.
É claro que os tempos hoje são outros. O
Centrão se acostumou a Bolsonaro, que lhes entregou o orçamento secreto e a
gestão de sua articulação política, e agora quer compensar as perdas. Mas Lula
também é outro.
Tem cada vez menos paciência para a
política do dia a dia de Brasília e parece convencido de que atingiu um status
extraordinário, como se tivesse recebido nas urnas um salvo-conduto para dizer
o que pensa sem se preocupar com as consequências, ou para delegar aos
auxiliares negociações complexas.
Infelizmente para Lula, o eleitorado está cada vez mais radical, mas a política de cada dia continua necessária, por mais repugnante que possa se apresentar. Negar isso não só não levará seu governo muito longe, como poderá empurrá-lo para novas crises e tempestades.
Um comentário:
Uma vergonha!
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