domingo, 14 de abril de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

É um erro atrasar aprovação do PL das Redes Sociais

O Globo

Ao criar grupo para rediscutir texto pronto, Lira atende aos interesses de quem quer que tudo fique como está

Ao mesmo tempo que criaram uma nova praça pública, as redes sociais agravaram velhos problemas. Serviram de trampolim para violação de privacidade, golpes de todo tipo, exploração sexual de menores, bullying, racismo, neonazismo e outros crimes de ódio, fomentaram vícios, abusos, ameaças, problemas de saúde mental, intolerância política e religiosa, circulação de desinformação. Diante da incapacidade reiterada das grandes plataformas digitais de resolver os problemas que criaram, a União Europeia adotou leis para que ao menos assumam responsabilidades pelos crimes cometidos nelas ou por meio delas. O objetivo é criar um ambiente de transparência, com mecanismos sensatos de vigilância e punição.

O principal é atribuir às plataformas o “dever de cuidado” pelo que fazem circular. Trata-se de um incentivo à atuação diligente para que previnam ou mitiguem conteúdos ilegais ou que tragam riscos — como conspirações criminosas, ameaças à saúde pública ou auxílio a suicídio — sem que seja necessária a ação da Justiça a todo momento. O Brasil esteve a um passo de seguir o mesmo caminho.

Depois de longo debate, o Projeto de Lei (PL) de Regulação das Redes Sociais, aprovado pelos senadores, estava maduro na Câmara no início do ano passado. A última versão do relator, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), prevê a responsabilização de empresas digitais por conteúdos criminosos publicados por usuários, desde que comprovada negligência. Também estabelece prazos para cumprimento de decisões judiciais, promove transparência nas decisões e dá aos afetados pelas decisões o direito de contestá-las. Para evitar censura arbitrária, atribui às próprias plataformas a formulação de regras e da estrutura de governança necessária para fazê-las cumprir. O texto alcança um equilíbrio virtuoso entre as necessidades de proteger a livre expressão e de coibir abusos.

Por isso é incompreensível a decisão do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de abandoná-lo depois da crise entre Elon Musk, dono da plataforma X (ex-Twitter), e o Supremo Tribunal Federal. Não se podem confundir as decisões controversas da Corte com a necessidade imperativa e urgente de regular as redes. E, se há um foro com legitimidade para isso, é o Congresso.

Os argumentos usados para criticar o PL das Redes Sociais não param de pé. Seus opositores confundem propositalmente seu objetivo. Acusam-no de promover censura, quando o texto não impõe nenhuma restrição à liberdade de expressão além das já previstas em lei há décadas. Decisões duras da Justiça ao suspender contas e posts surgem num vácuo jurídico. Falta uma lei atribuindo às plataformas o dever de zelar pelo conteúdo. É disso que se trata.

Nenhuma das previsões apocalípticas feitas antes da aprovação da legislação europeia, em que o texto de Silva se espelha, se confirmou. Lira anunciou a criação de um grupo de trabalho para debater a questão. Na prática, isso atende apenas aos interesses das plataformas, que preferem deixar tudo como está. A Câmara deve acelerar a aprovação do PL. É irrealista exigir que as autoridades deem conta de coibir abusos no meio digital sem que as plataformas passem a agir de forma diferente. A atenção para evitar excessos da legislação é legítima e necessária, mas não pode servir de escudo para preservar as redes como paraíso de bandidos, golpistas, racistas e caluniadores.

Brasil modernizou costumes e abriu mais espaço para as mulheres

O Globo

Pesquisa do IBGE constatou conquistas expressivas em campos como casamento e guarda dos filhos

A sociedade brasileira desenhada pela pesquisa Estatísticas do Registro Civil, do IBGE, está em sintonia com a evolução comportamental em curso no mundo todo, inclusive em países em estágio mais avançado de desenvolvimento. Desde os anos 1970, quando a pesquisa começou a ser feita, cai o número de nascimentos, reduzindo a taxa de crescimento populacional, tendência generalizada no planeta. A população tende a envelhecer e, dentro desse novo quadro, as mudanças comportamentais se consolidam.

A mudança para melhor no lugar da mulher na sociedade brasileira é um dos destaques da pesquisa. Nos últimos anos houve queda expressiva na proporção de jovens que se tornaram mães com 20 anos ou menos. Em 2000, elas eram 21% das mães que registraram seus filhos. Dez anos depois, a proporção caíra para 18,5%. Há dois anos, estava em apenas 12%.

A explicação mais óbvia para a queda é o avanço da educação formal das mulheres, movidas por outras aspirações além da maternidade, em especial no campo profissional. Talvez por isso, a idade das mães esteja em alta. Há 23 anos a faixa etária entre 20 e 29 anos representava 54,5% do total. Em 2022 o peso dessa faixa caíra para 49%. Ao mesmo tempo, a proporção de mães com mais de 30 anos subiu para 34,5%. O segmento de 40 anos ou mais dobrou de 2% para 4% em pouco mais de uma década.

Outra tendência verificada em 2022 foi a retomada dos casamentos, depois de um período de queda associado à pandemia. Desta vez, os casais são mais velhos. Em 2010, os noivos tinham em média 29 anos e as noivas 26. Passados 12 anos, os homens casavam em média com 31 anos e as mulheres com 29. O enlace de casais mais maduros costuma evitar dificuldades no relacionamento, comuns quando casais mais jovens passam a morar sob o mesmo teto.

Mesmo assim, as separações se tornaram mais frequentes. Em 2022 o total ficou quase 9% acima de 2021. Os divórcios com dez anos ou menos de união passaram, entre 2010 e 2022, de 37,4% para 47,7% do total. Está nesta faixa a maioria das separações. Em nenhuma região do país, mesmo nas que possam ser consideradas mais conservadoras, houve queda nas separações.

A guarda dos filhos menores depois do divórcio costuma ser motivo de desentendimento. De 2014 a 2022, porém, cresceu a proporção da guarda compartilhada (de 7,5% para 37,8%), a solução mais equilibrada que reflete o amadurecimento da sociedade. Há dez anos, o encargo dos filhos, em 85,1% das separações, ficava exclusivamente com a mãe.

O Brasil em seu caminho inexorável de transformação numa sociedade urbana, apesar de todas as disparidades, amplia o conceito de família, incluindo as formadas por casais do mesmo sexo, e abre mais espaço para as mulheres. A modernização dos costumes deve ser celebrada.

Censura promovida por Moraes tem de acabar

Folha de S. Paulo

Impedir alguém de se expressar nas redes sociais viola Constituição; puna-se o que for dito, após devido processo legal

Constituição, no nobilíssimo artigo dos direitos fundamentais, dispõe ser "livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença".

Como se o comando fosse insuficiente, a Carta o reforça no capítulo em que trata da comunicação social, ao vedar qualquer tipo de restrição à manifestação do pensamento, à criação, à expressão e à informação. O ordenamento, em suma, impede o Estado de calar um cidadão sob qualquer pretexto.

A ampla liberdade, no Brasil como no cânone democrático, caminha ao lado da responsabilidade individual. Uma pessoa pode dizer o que quiser sem ser amordaçada, mas estará sujeita a sanções penais caso o seu discurso configure crime, ou pecuniárias se conspurcar a imagem de alguém.

Quaisquer intervenções repressivas do poder público, portanto, deveriam sobrevir somente após algo ser expresso, nunca antes.

Pois um ministro do Supremo Tribunal Federal, com decisões solitárias em inquéritos anômalos —conduzidos pelo magistrado e não pelo Ministério Público, o órgão competente—, reinstituiu a censura prévia no Brasil. Ordens secretas de Alexandre de Moraes proíbem cidadãos de se expressarem em redes sociais.

O secretismo dessas decisões impede a sociedade de escrutinar a leitura muito particular do texto constitucional que as embasa. Nem sequer aos advogados dos banidos é facultado acesso aos éditos do Grande Censor. As contas se apagam sem o exercício do contraditório nem razão conhecida.

Urgências eleitorais poderiam eventualmente justificar medidas extremas como essas. O pleito de 2022 transcorreu sob o tacão de um movimento subversivo incentivado pelo presidente da República. Alguns de seus acólitos nas redes não pensariam duas vezes antes de exercitar o golpismo.

Mas a eleição acabou faz mais de 17 meses e seu resultado foi, como de hábito no Brasil, rigorosamente respeitado. O rufião que perdeu nas urnas está fora do governo e, como os vândalos que atacaram as sedes dos três Poderes em 8 de janeiro de 2023, vai responder pela sua irresponsabilidade.

Escapa qual seja o motivo para sustentar os silenciamentos, que violam um direito fundamental. Alexandre de Moraes tem, no mínimo, o dever de publicar todas as decisões que o levaram a exercer esse poder extraordinário.

Melhor mesmo seria que suspendesse as proibições. É um direito inalienável dos imbecis do bolsonarismo propagar as suas asneiras. Expostas à luz do sol, elas tendem a desidratar-se. Silenciadas, apenas alimentam o vitimismo hipócrita dessa franja de lunáticos.

Puna-se o que houver de crime no que for dito, mas sem recorrer ao instrumento inconstitucional e autoritário da censura prévia.

Limites à polícia

Folha de S. Paulo

STF impõe critérios para diminuir arbitrariedade em ações de forças de segurança

Em duas decisões proferidas na última quinta (11), o Supremo Tribunal Federal reafirmou o óbvio: no Estado democrático de Direito, há limites para a atuação policial.

A corte definiu que o poder público deve ser responsabilizado civilmente por morte ou ferimento de cidadãos em operações de segurança e quais critérios não justificam abordagens feitas por agentes.

A letalidade policial no Brasil é notória e vergonhosa. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 6.430 pessoas foram mortas por forças de segurança em 2022. São 18 mortes por dia.

Para se ter ideia da dimensão, no mesmo ano foram 1.176 óbitos nos EUA, sendo que lá há 130 milhões de habitantes a mais do que aqui.

Há também as vítimas das balas perdidas. Entre 2007 e agosto de 2023, foram 101 crianças mortas por disparos oriundos de operações policiais ou disputas entre facções criminosas no estado do Rio, segundo dados da ONG Rio da Paz.

Em relação a essas mortes, o STF determinou que perícias inconclusivas sobre a origem do disparo fatal —principal entrave para o ressarcimento da população afetada— não são mais um óbice para atestar a responsabilidade civil do Estado de indenizar as vítimas.

No outro julgamento, o Supremo proibiu abordagem policial motivada por critérios não objetivos, como raça, sexo ou aparência física.

O Código de Processo Penal exige a chamada fundada suspeita para que cidadãos sejam revistados. No entanto, como a lei não estipula com exatidão esse preceito, os policiais acabam decidindo o que seria um comportamento duvidoso, o que pode dar margem a preconceitos, notadamente o racial.

As decisões representam avanços. Contudo deve-se cuidar para que não sirvam apenas para a responsabilização do Estado, no caso de operações letais, ou anulação de processos, no caso da abordagem.

Tais medidas precisam ser internalizadas por agentes e autoridades para diminuir o número de vítimas da arbitrariedade e da brutalidade das forças de segurança.

A legítima crítica ao Supremo

O Estado de S. Paulo

No seu transe salvacionista, o STF vê extremistas por toda parte, mas nem sempre a crítica é golpismo; ao contrário, há razões genuinamente democráticas para questionar o Supremo

Ao contrário do que parecem pensar alguns ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), criticar instituições democráticas não é necessariamente atacá-las ou ameaçá-las. Tampouco exigir sua autocontenção é ser extremista, e demandar que atuem conforme a lei não é deslegitimá-las. Ao contrário, quem faz tudo isso de boa-fé quer aperfeiçoá-las, isto é, quer instituições que não sejam ativistas, partidárias, arbitrárias, corporativistas ou pessoais.

Pode parecer ocioso dizer que o debate público num ambiente genuinamente democrático presume total liberdade para questionar o poder, mas nos tempos que correm, em que as críticas aos exageros do STF são tomadas como atentados ao Estado Democrático de Direito, é o caso de relembrar que a opinião não pode ser criminalizada.

É evidente que os liberticidas instrumentalizam a liberdade de opinião para propósitos indisfarçavelmente antidemocráticos. Quando um Jair Bolsonaro fala em “liberdade”, obviamente não é a liberdade no sentido liberal democrático, que garante a todos, indistintamente, o direito de questionar o Estado e suas instituições a qualquer tempo, e sim a “liberdade” de desmoralizar os pilares dessas instituições porque estas são um obstáculo para seus projetos autoritários de poder. Quando Bolsonaro invocava a liberdade de expressão para deliberadamente desacreditar o sistema de votação para presidente, a intenção evidente era atacar a alma da democracia, isto é, a ideia de que numa eleição comprovadamente limpa e justa os derrotados aceitam o resultado, reconhecendo a legitimidade do vencedor e de todas as instituições que corroboraram a vitória.

Do mesmo modo, não cabe ingenuidade a propósito das acusações do empresário Elon Musk a respeito de supostas arbitrariedades cometidas pelo Supremo contra sua rede social, o X (antigo Twitter), e seus usuários. Alinhado a extremistas de direita mundo afora, Musk se apresenta como um “absolutista da liberdade de expressão”, mas isso só vale quando lhe interessa – basta lembrar que ele condescendeu à exigência da ditadura turca de suspender perfis e tolera em sua rede perfis falsos a serviço da propaganda do governo chinês, com quem tem vultosos negócios. Suas contradições, contudo, não importam nem um pouco para a tropa bolsonarista, que o elevou à categoria de “mito da nossa liberdade”, nas palavras de Bolsonaro.

Essa algaravia bolsonarista, que é de fato golpista e antidemocrática, tem sido usada pelos mais loquazes ministros do Supremo como prova de uma alegada ameaça permanente e generalizada à democracia, justificando dessa forma medidas juridicamente exóticas, quando não inteiramente desprovidas de base legal, para conter essa ameaça. Num ambiente assim, qualquer opinião mais contundente em relação ao Supremo é logo caracterizada como “bolsonarista” e, por conseguinte, “golpista”.

É o caso, portanto, de insistir que nem toda crítica ao Supremo tem, subjacente, a intenção de destruir a democracia. Exigir que o Supremo seja mais claro a respeito dos parâmetros que adota para as medidas drásticas que tem tomado em sua missão autoatribuída de salvar a democracia brasileira não é, nem de longe, minar sua legitimidade. Ao contrário, é constranger o Supremo a seguir o que vai na Constituição, como se isso já não fosse sua obrigação precípua, justamente por ser o guardião do texto constitucional.

Portanto, quem tem minado a legitimidade do Supremo é o próprio Supremo, quando atropela sua própria jurisprudência, atua de modo claramente político, colabora para a insegurança jurídica e imiscui-se em questões próprias do Legislativo.

O Brasil testemunhou um surto de golpismo no 8 de Janeiro, mas hoje as instituições estão, como se diz, funcionando: o governo está governando; o Legislativo, legislando; e a imprensa, publicando; enquanto a polícia está nas ruas e o Exército, nos quartéis. Por que o Supremo segue em mobilização permanente, como se o País vivesse num 8 de Janeiro interminável? São questões legítimas, que nada têm de extremismo. Demandar a contenção do Supremo não é ser golpista, é só ser republicano.

Opulência e miséria amazônicas

O Estado de S. Paulo

Nunca se falou tanto da Amazônia, mas ela só será de fato protegida e valorizada quando o País conhecê-la melhor e garantir progresso também para a população que vive nela

Pela urgência climática ou por oportunismo, por um eventual despertar ambiental ou simplesmente modismo, é provável que nunca na história do Brasil se tenha ouvido tanto falar da Amazônia – mas é espantoso o quanto a expansão do debate sobre a maior floresta tropical do planeta parece inversamente proporcional ao conhecimento sobre sua realidade. Esse paradoxo é reafirmado diante da série de reportagens Êxodo na Amazônia, publicada pelo Estadão em 7 de abril e, antes, em três capítulos na versão online. Os repórteres Vinícius Valfré e Wilton Junior percorreram 3 mil quilômetros e descreveram como a violência e a escassez empurram brasileiros para longe da floresta; como o êxodo na floresta agrava a favelização em Manaus e abre brechas para o tráfico e a milícia; e como indígenas dividem rotas fluviais com invasores e traficantes de drogas e armas em viagens de busca por assistência. Tem-se ali uma porção do País incrivelmente conhecida e ao mesmo tempo terrivelmente ignorada.

Essa dissonância demonstra o que deveria ser uma cláusula pétrea nacional, aquela segundo a qual não há riqueza natural ou desenvolvimento de uma região sem existência de progresso real para a sua população. Tampouco há pleno mérito na ampliação do debate sobre a Floresta Amazônica sem que se cumpram requisitos mínimos de dignidade para quem vive nela. Símbolo dos superlativos, ela é também a representação do quanto nos resignamos a conviver com profundas disparidades. A opulência amazônica, afinal, é também a miséria amazônica. O grande potencial da biodiversidade brasileira é também o espaço de pobreza, do perigo e da escassez de toda sorte. No balanço entre perdas e ganhos, como se viu nas reportagens, o saldo é desolador.

Tais problemas não são obra do acaso. Vêm da Marcha para o Oeste, política de ocupação implementada por Getulio Vargas na década de 1940; da fórmula criada durante o governo Café Filho (1955) para atrair a imigração europeia à “terra sem gente” que o Brasil representava – a Região Norte em especial; do projeto de integração nacional do regime militar, nos anos 1960 e 1970, para a ocupação dos vazios demográficos da Amazônia; até os problemas ambientais intensificados nas duas décadas seguintes. Esses modelos ignoraram que o desenvolvimento exigia tanto a proteção e a sustentabilidade da floresta como a produção de riquezas, renda, emprego e alimentos para as populações locais.

A situação agravou-se com Jair Bolsonaro e sua política de terra arrasada na área ambiental, que enxergava as árvores como seus inimigos. Já Lula da Silva, com sua persona camaleônica, trafega entre a tentativa de se exibir como protetor da floresta e o histórico de quem nunca se entusiasmou de fato com o meio ambiente. Em 2010, convém lembrar, Lula entretinha plateias contando a história da perereca impertinente que atrasava obras. “Não podemos parar tudo por causa de uma perereca”, dizia ele, provocando gargalhadas enquanto criticava órgãos de proteção ambiental.

“Nacionalizar a Amazônia e amazonizar o mundo” foi o lema concebido pelo Grupo de Trabalho Amazônico, rede de organizações criada no marco da Rio-92, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Nacionalizar tinha e tem um bom sentido: fazer o restante do Brasil despertar para o bioma, compreender suas realidades, carências e potencialidades, deixar de ver a floresta a partir de imagens extremas. São duas visões radicalmente diferentes em nosso imaginário: uma enxerga a floresta como inferno; a outra, como paraíso.

Conhecer de fato a Amazônia pode ajudar não só a escapar dessa dicotomia, como deflagrar um modelo de desenvolvimento que concilie a valorização da floresta em pé com possibilidades econômicas reais para a região. Só assim o País deixará de vê-la como um ônus de conflitos e desmates que afetam o clima do planeta para concentrar-se no bônus de uma riqueza natural relevante para o planeta, mas capaz de garantir condições básicas para os povos da floresta e das cidades amazônicas.

Vem aí outro penduricalho adquirido

O Estado de S. Paulo

Senadores querem constitucionalizar mais um privilégio para juízes e procuradores

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e seu antecessor, Davi Alcolumbre, manobram para constitucionalizar mais um privilégio para juízes e procuradores: um adicional automático de 5% ao salário a cada cinco anos. A PEC do Quinquênio é uma iniciativa ultrajante do Congresso cultivada por decisões ultrajantes do Judiciário.

Os proponentes alegam que não faz sentido um servidor no final de carreira receber quase o mesmo que um iniciante, que é preciso atrair talentos e que não haverá impacto fiscal porque a PEC está “associada” ao projeto de lei que barra supersalários além do teto. É sempre o mesmo estratagema: diagnosticamse seletivamente distorções para propor remédios que consolidam mais privilégios e ampliam a distorção sistêmica.

Não faz sentido salários similares no início e no fim de carreira. Mas a distorção na Justiça não é uma renda baixa no fim, e sim uma renda alta no começo. Justo e racional seria reduzir a remuneração inicial e condicionar a progressão à produtividade e mérito.

A carreira pública precisa ser atrativa. Muitos servidores da base e alguns do primeiro escalão são mal remunerados. Na média, contudo, os servidores federais recebem quase 70% acima de seus pares na iniciativa privada. Juízes e promotores já são campeões em renda, auxílios e privilégios e estão confortavelmente instalados até o último dia de suas vidas no 0,1% do topo da pirâmide social, com risco zero de deslizar. Num dos países mais desiguais do mundo, se já há desigualdade entre o setor público e o privado, a desigualdade dentro do público é maior, e a concentração de renda por suas elites é o que impede tantos na base de receber melhor.

Pacheco alega que haverá economia, porque o quinquênio “está associado” ao projeto para barrar os supersalários. Mas nada garante esta conexão entre alhos e bugalhos. Se se chega ao absurdo de ter de fazer uma lei para garantir que a lei constitucional do teto seja cumprida, é só porque esse limite é burlado dia sim e outro também, sobretudo pelo Judiciário. O quinquênio, por exemplo, foi sepultado em 2005, mas à base de canetadas casuísticas da Justiça foi exumado em 2022, e está sendo pago retroativamente. A probabilidade é que o projeto de contenção de supersalários fique numa gaveta e o quinquênio vá para a Constituição. O trigo aos juízes, o joio ao contribuinte. Imoral no conteúdo, essa partilha é viciosa na forma: faz sentido fixar mais uma regalia corporativa numa Constituição já irremediavelmente prolixa?

Ao assumir a presidência do Judiciário, Luís Roberto Barroso desfiou uma “agenda para o Brasil” trazendo de tudo um pouco, do saneamento à educação, da ciência à habitação popular, com destaque para a “inclusão social” e a “luta contra as desigualdades”. É de seus representantes eleitos que o cidadão espera esses progressos. Ao Judiciário basta garantir a sua legalidade. Mas os juízes poderiam fazer muito para reparar a máquina de gerar desigualdades que é o funcionalismo público. Poderiam, se o principal combustível desta máquina não fosse o seu apetite patrimonialista.

O risco político na América Latina

Correio Braziliense

O passado recente da América Latina, que sempre flertou com o autoritarismo, mais do que justifica as preocupações do capital estrangeiro, que vê enorme potencial econômico na região

A complexidade do mundo atual requer a combinação de muito sangue-frio e bom senso das autoridades políticas, predicados cada vez mais escassos. Diante de uma polarização crescente, as ondas de turbulências têm minado a democracia e colocado em risco muitas das conquistas sociais obtidas a duras penas nas últimas duas décadas. A instabilidade é marcante, sobretudo na América Latina, em que direita e esquerda recorrem a excessos, minando a confiança do capital tão necessário para o crescimento econômico da região.

O sinal mais evidente da preocupação com os riscos políticos na América Latina veio do empresariado espanhol. Oito em cada 10 companhias que têm negócios na região apontam a possibilidade de implosão da democracia como a maior ameaça a ser enfrentada neste ano. A Espanha é a principal emissora de recursos para o grosso dos países latinos — no Brasil, em termos de estoque, fica atrás apenas dos Estados Unidos. As empresas ressaltam, ainda, que já faturam mais com as filiais latinas do que no país onde têm as suas sedes.

O sobressalto dos investidores é constante, quando deveria prevalecer a previsibilidade necessária para a ampliação das fábricas e dos empregos. O caso mais alarmante neste momento envolve o México, segunda economia latina, e o Equador. Por determinação do presidente equatoriano, Daniel Noboa, de extrema direita, policiais invadiram a sede da embaixada mexicana em Quito para prender um opositor político. Tal violação — um precedente gravíssimo — fere um acordo global de que o território diplomático é neutro. O temor é de que a porta tenha sido arrombada.

Na Venezuela, acreditava-se que o acordo fechado em Barbados, com o apoio do Brasil, seria uma garantia de eleições livres e confiáveis em 28 de julho próximo. Contudo, a realidade se impôs, e a ditadura comandada por Nicolás Maduro não só impediu que candidatos da oposição se registrassem para o pleito, como ampliou a perseguição a adversários, inclusive, com prisões, e expulsou do país funcionários da área de direitos humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). Não satisfeito, Maduro editou um decreto criando o estado de Essequibo, reforçando a disputa pela região que pertence à Guiana e é riquíssima em petróleo.

O Brasil, onde a polarização política é mais acentuada, o temor é de que a ultradireita consiga voltar ao poder apoiada por uma fábrica de mentiras que sustenta pesados ataques às instituições democráticas. Há, entre os investidores, o reconhecimento de que o poder constituído conseguiu manter as rédeas ao conter os movimentos golpistas que atacaram o coração da República em 8 de janeiro de 2023. Mas a visão é de que a instabilidade no país é grande. Esse é também o pensamento em relação à Colômbia, em que o governo de Gustavo Petro perdeu a capacidade de negociação com a ala mais radical das Forças Armadas Revolucionárias, as Farcs.

No Peru, a presidente Dina Boluarte viu o seu apoio desabar depois de a casa dela ter sido alvo de buscas e apreensões por causa de uma coleção de relógios caríssimos, como Rolex, que ela diz serem todos emprestados. O Congresso já alimenta a possibilidade de um impeachment contra a política. Na Nicarágua, o ditador Daniel Ortega tem promovido uma caça a católicos e conduzido uma matança de opositores. Chile e Argentina, que estão em dois extremos dos espectros políticos, são grandes incógnitas e se debatem em meio a dificuldades econômicas.

O passado recente da América Latina, que sempre flertou com o autoritarismo, mais do que justifica as preocupações do capital estrangeiro, que vê enorme potencial econômico na região. A maior parte dos investidores ainda acredita que, apesar de todas as ameaças que rondam os países, a sociedade organizada terá condições de manter as rédeas sob controle e evitar que, mais uma vez, a fatura dos erros recaia sobre os mais pobres — sempre eles.

 

 

 

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