Valor Econômico
O mundo dos negócios e do comércio está
mudando de maneiras que não têm relação com as ameaças tarifárias do presidente
dos EUA
O vaivém das ameaças tarifárias de Donald
Trump está agitando os mercados dos Estados Unidos e irritando tanto aliados
como adversários. Entretanto, vale lembrar que muitas das mudanças no comércio
global e nas cadeias de abastecimento já estavam em andamento há algum tempo e
têm pouca relação com as artimanhas do presidente americano. Além disso, as
grandes tendências nem sempre são as que parecem à primeira vista.
Tomemos, por exemplo a ideia de “nearshoring”. Esse movimento está, de fato, acontecendo na América do Norte, onde uma relação comercial mais estreita entre os EUA, México e Canadá nos últimos anos reduziu a dependência da China (o que, naturalmente, levanta a questão de por quê Trump iria querer tumultuar algo que está funcionando bem). No entanto, no âmbito global, a distância geográfica média do comércio aumentou cerca de 10 quilômetros por ano ao longo da última década, segundo uma nova pesquisa do McKinsey Global Institute (MGI). A distância média que um dólar em transações comerciais percorre agora é de cerca de 5.200 km.
Isso ocorre em grande parte porque o
“friendshoring” não é necessariamente feito localmente. Os EUA mudaram o
fornecimento para o México, sim, mas também para o Vietnã. A Europa se afastou
da energia russa e se aproximou dos EUA - pelo menos por enquanto. Enquanto
isso, potências médias como Brasil, Índia e membros da Associação das Nações do
Sudeste Asiático (Asean) estão encontrando novos aliados comerciais ao redor do
mundo. Apesar da ênfase de muitos governos na redução da pegada de carbono - o
que em tese favoreceria cadeias de abastecimento mais curtas, já que transporte
e logística são a segunda maior fonte de emissões dos gases do efeito estufa,
depois da própria China -, o comércio mundial continua tão disperso quanto
sempre foi.
Dito isso, há blocos comerciais discretos se
formando, mas em uma base geopolítica e não geográfica. Em maio do ano passado,
um estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI) constatou que três grandes
blocos comerciais politicamente alinhados estavam surgindo. O primeiro gira em
torno dos EUA e inclui Europa, Canadá, Austrália e Nova Zelândia. O segundo,
gira em torno da China e inclui Rússia, Belarus, Síria e Eritreia. Por fim, há
um terceiro bloco, composto por países como Índia, Estados da Asean e outros do
Sul Global que mantêm uma posição não alinhada ou neutra em relações aos EUA
e/ou China.
Segundo o MGI, houve um declínio no comércio
entre países não alinhados politicamente de cerca de 7% entre 2017 e 2024.
Embora as tarifas e as guerras comerciais desempenhem um papel, uma boa parte
disso se deve ao choque da invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022.
Isso está longe da fragmentação comercial
vista durante a Guerra Fria, mas tem um impacto econômico mais significativo,
porque naquela época o comércio mundial de bens representava 16% do PIB
mundial, enquanto hoje ele representa 45%. Além disso, como destacou a primeira
vice-diretora-gerente do FMI, Gita Gopinah, durante a Guerra Fria, os países
dentro de cada bloco comercial estavam se integrando, enquanto agora eles na
verdade parecem estar se voltando para dentro. Isso é particularmente evidente
no caso dos EUA, que ameaçam impor tarifas justamente aos países com os quais
estreitaram os laços nos últimos sete anos.
Segundo o MGI, houve um declínio no comércio
entre países não alinhados politicamente de cerca de 7% entre 2017 e 2024.
Embora as tarifas comerciais desempenhem um papel, uma boa parte disso se deve
ao choque da invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022
Mas para realmente entender o que está
mudando em qualquer país, é preciso se aprofundar nas nuances de cada setor.
Considere, por exemplo, o grande aumento das importações de equipamentos de
transporte do México pelos EUA. Pode parecer que isso reflete uma menor
dependência da China, mas, na realidade, está mais ligado a uma redução do
comércio com o Canadá. Do mesmo modo, embora o comércio bilateral EUA-China
tenha diminuído, o valor das importações americanas que dependem da China não
caiu tanto. Isso se deve, em parte, ao fato de que os produtos originários da
China estão sendo enviados para outros países antes de chegar aos EUA. Como
sempre, medir a realidade do comércio global é um desafio complexo.
Como as empresas estão se adaptando a esse
novo mundo? Em vez de escolher um único bloco, a maioria começa a mudar para um
modelo diferente, incorporando custos extras para operar nos três. Elas também
estão buscando meios de reduzir o risco geopolítico no desenvolvimento de
produtos. A Unilever, por exemplo, vem reduzindo a personalização em mercados
específicos e apostando mais em especificações padronizadas da indústria, o que
lhe permite realocar produtos rapidamente de um mercado para outro conforme o cenário
político muda.
Muitas empresas também estão usando a
inteligência artificial (IA) para prever onde novas disputas comerciais poderão
acontecer e automatizar planos de ação mais complexos para suas cadeias de
abastecimento. A companhia francesa Schneider Electric, por exemplo,
desenvolveu uma “torre de controle” baseada em software que monitora toda a sua
rede de fornecedores em múltiplos níveis e redireciona automaticamente os
pedidos para diferentes partes da rede, se uma determinada empresa ou país
puder atendê-los.
Certamente as tarifas e contratarifas de
Trump impactarão o modelo do comércio nos próximos anos - muitas companhias
internacionais já correm para se adequar e aumentar a capacidade de produção
nos EUA -, mas há tendências maiores que continuarão se desenrolando por muito
tempo depois que o atual governo terminar.
A China, por exemplo, recentemente anunciou
propostas para acelerar seus próprios planos de desacoplamento de tecnologia,
que foram lançados em 2015, antes mesmo de Trump ser eleito. Em relatório
recente a consultoria Boston Consulting Group previu que o comércio
bidirecional entre o Ocidente e a China vai contrair em US$ 221 bilhões até
2033, uma queda de 1,2%. Sempre pensei que o mundo dá muito crédito aos EUA
pelo que realmente acontece no comércio mundial. O paradigma está mudando, com
ou sem Trump. (Tradução
de Mário Zamarian)
*Rana Foroohar é editora do
Financial Times em Nova York.
Nenhum comentário:
Postar um comentário