O Brasil é, por ora, o centro da disputa que pretende moldar, globalmente, o século XXI
Somos o campo de testes de uma disputa global
que tem o potencial de definir um novo mapa do poder nas relações
internacionais. Nas últimas duas semanas, a ofensiva
do governo de Donald Trump contra o Brasil não ocorreu por uma questão
tarifária. Não estão em jogo nem o café nem o suco de laranja. Esses são danos
colaterais.
Abalar a estabilidade de um governo democraticamente eleito é o principal objetivo de um movimento que precisa retirar de seu caminho forças progressistas e emergentes para costurar uma nova ordem mundial que perpetue e renove sua posição de força. A autonomia do Brasil, portanto, é intolerável. Inclusive perigosa, caso outros emergentes a usem como modelo. Desmontar a oposição que o País representa aos interesses de Trump cumpre duas funções estratégicas.
A primeira delas é a de permitir que uma
operação de grande envergadura para restabelecer a hegemonia norte-americana no
mundo e frear a China possa vingar. Robert Lighthizer, o assessor
extraoficial do departamento de Comércio de Trump e mentor das tarifas da Casa
Branca, resumiu como poucos o que a China representa: “Uma ameaça existencial
aos EUA”.
Para a Casa Branca, isso passa
necessariamente por voltar a poder chamar a América Latina de quintal. Desde
que voltou à Presidência, Trump sinalizou que recuperar a zona de influência
entre os vizinhos ao Sul do Rio Grande era uma prioridade, recuperando o espaço
que hoje é, em parte, da China. Assim, Washington passou a chantagear o
Panamá, forçou entendimentos com países da América Central e Caribe, costurou
apoios com Equador, Guiana, Paraguai e Argentina. E, de forma estratégica,
busca agora influenciar diretamente as próximas eleições no Chile e na
Colômbia. Mas nada disso terá um resultado concreto sem o Brasil.
Há, no entanto, uma segunda disputa travada e
ela é ideológica. Nos últimos dias, ao abrir mão do interesse nacional, da
renda dos brasileiros e da própria democracia em troca de um apoio externo para
proteger seu clã, o bolsonarismo foi desmascarado. Também ficou evidente
que não se trata de um grupo isolado. Teatralizadas, as demonstrações de
líderes ultraconservadores confirmaram, uma vez mais, a existência de uma
aliança internacional de uma força política que, ao longo dos últimos anos,
costurou uma estratégia globalizada para chegar e se manter no poder.
Um dos líderes que saíram no apoio do
ex-presidente brasileiro foi o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán.
“Continue lutando, Jair Bolsonaro! Ordens de silêncio, proibições de redes
sociais e julgamentos com motivação política são ferramentas de medo, não de
justiça”, disse o líder húngaro nas redes sociais. No começo de 2024, Bolsonaro
passou dois dias na Embaixada da Hungria em Brasília. O movimento ocorreu dias
depois de ele ter seu passaporte retido pela Justiça, que o investigava pela
trama golpista. O apoio também veio da extrema-direita polonesa, que agora pede
sanções na Europa contra Alexandre de Moraes. Na Itália, Matteo Salvini disse
que Bolsonaro é um “perseguido pela Justiça de esquerda”. Na Espanha, foram os
herdeiros intelectuais e políticos do ditador Francisco Franco que saíram ao
resgate do brasileiro.
Em todos os casos, as palavras de apoio se
repetiam de forma calculada. Como se tivessem sido ensaiadas. O movimento
ultraconservador no mundo sabe o que está em jogo no Brasil. E não é a
sobrevivência política de um ex-presidente indiciado por golpe de Estado. O que
está em jogo é seu projeto de poder.
Se a extrema-direita mundial sempre teve um
plano, dinheiro e objetivo, agora também tem um líder com uma bomba atômica,
com o maior mercado do mundo e determinado a reverter uma sensação de
decadência de um império. Não poderia ser mais perigoso.
Num mundo onde a velha ordem internacional se
desfez e na qual uma disputa pelo poder é travada a cada dia para determinar
quais serão as regras que vão reger as próximas décadas, o que está sendo
desenhada é a fundação de uma geografia do poder.
Seja pela busca norte-americana por
hegemonia, seja pela disputa ideológica de um grupo que quer refundar a
sociedade a partir de um novo parâmetro ultraconservador, a realidade é que o
embate, neste momento, está ocorrendo em nossa democracia.
Os golpes enviados desde Washington e ecoados
por traidores testam os alicerces de uma sociedade e os parâmetros da
civilização.
No país, a disputa é por onde passam a linhas
não tão imaginárias das fronteiras de zonas de influência e da definição de
soberania.
No Brasil, portanto, disputa-se neste momento
o século XXI.
Publicado na edição n° 1372 de CartaCapital, em 30 de julho de 2025.
Nenhum comentário:
Postar um comentário