sábado, 26 de julho de 2025

O rato que ruge - André Gustavo Stumpf

Correio Braziliense

Crise entre Brasil e EUA se assemelha ao enredo de comédia britânica. Brasil é grande demais para tentar fazer a guerra e perder, a única alternativa restante é aguardar, com a calma necessária de bom jogador

O rato que ruge é uma comédia britânica, de 1959, simples e direta. Um país que depende da exportação de vinho para os Estados Unidos subitamente encontra poderoso concorrente. Na Califórnia, surge um produto com nome semelhante e preço mais baixo. Para evitar a falência, este pequeno país declara guerra aos Estados Unidos, com objetivo de ser derrotado e conseguir expressivos ganhos com sua derrota, como ocorreu com o Plano Marshall na Europa ocidental. Ou, com outro exemplo mais recente, o Vietnã.

A crítica é muito inteligente e atual no filme dirigido por Jack Arnold, baseado no livro homônimo de 1955 do escritor irlandês Leonard Wibberley. A história cria um país fictício na Europa, na fronteira entre França e Suíça, chamado Grão Ducado de Fenwick. O ator principal é o formidável Peter Sellers, que faz três papéis no filme. A atriz é Jean Seberg. A invasão dos Estados Unidos, por intermédio de um exército de 22 soldados, armados com arcos e flechas, é hilariante. O comandante é míope. Naturalmente, tudo resulta em equívoco monumental.

Mas, o pior acontece. O pequeno reino, por uma série de circunstâncias, vence a guerra e o governo dos Estados Unidos oferece a paz e o pagamento de um milhão de dólares. A história é uma grande ironia com a política externa dos EUA, o que a torna muito atual. Antes de declarar guerra, o pequeno ducado tentou negociar com Washington, mas não obteve qualquer resposta. Só restou a guerra como alternativa. O fato é que o filme se parece muito com a situação brasileira em sua atual relação com o governo de Washington.

O presidente Donald Trump fez 31 reuniões na Casa Branca para tratar da questão das tarifas externas. Ele recebeu mais de 20 chefes de Estado. Lula nunca foi lembrado para participar das reuniões. Não enviou nenhuma sinalização para o Brasil. Sequer respondeu à carta enviada em maio passado. Trump não é imprevisível, como afirmam os comentaristas. Ele estica a corda como jogador de pôquer, faz o primeiro lance alucinado e obriga o competidor a entrar no jogo. Não há como ignorá-lo. Como o Brasil é grande demais para tentar fazer a guerra e perder, a única alternativa restante é aguardar, com a calma necessária de bom jogador, o momento de apresentar suas cartas e argumentos. Segundo os melhores analistas norte-americanos, Trump vai negociar, no seu tempo.

A política norte-americana em relação às Américas nunca foi muito sutil. A América para os americanos, dizia a doutrina Monroe. O então presidente norte-americano queria impedir que as potências europeias recolonizassem suas posses no Novo Mundo. Na América Central, a política de Washington invadiu à vontade. Baixou o cacete. O melhor exemplo vem da Guatemala, em 1954. Um golpe militar de Carlos Castillo Armas, apoiado pela CIA, derrubou o governo progressista de Jacobo Árbenz. O argumento para o golpe foi de que o presidente deposto planejava facilitar a entrada do comunismo soviético no continente. Na verdade, o presidente deposto pretendia cobrar impostos da empresa bananeira, que operava no país.

No Brasil, no Chile, no Uruguai, na Argentina, na Colômbia (criação do Panamá), os norte-americanos se divertiram derrubando governos democraticamente eleitos. Sempre houve a preocupação de manter o quintal de Washington sob controle. Agora ocorre a novidade da presença muito forte dos chineses na região e da relativa diversificação dos mercados. Hoje o momento é diferente daquela época em que predominava o maniqueísmo. Moscou comunista não há mais. E Cuba vive em racionamento de energia e alimentos. Mas, a existência de Trump, com suas ideias mercantilistas do século 19, é um retrocesso de bom tamanho.

Do ponto de vista da política interna, Lula recebeu um inesperado presente de Trump. Ele pode esticar a corda da negociação, uma vez que o prejuízo já está precificado pelos empresários. Todos sabem que o país vai perder, haverá desemprego e o agronegócio, principal atividade econômica do país, será fortemente atacado. Esse grupo, curiosamente, reúne o maior bloco de apoio a Bolsonaro no país. Trump deu prestígio a Lula, que voltou a ser o líder nacionalista de outros tempos, e prejudicou a oposição, que passou a ser percebido como o grupo de traidores da pátria e criadores de uma enorme onda desemprego.

Trump anuncia acordos com Japão, Filipinas e Indonésia. Já havia avançado negociações com a comunidade britânica. Mas, Canadá, México e Brasil estão na lista de espera. Pode causar alguma angústia, mas os brasileiros vão procurar novos parceiros e amadurecer na política externa. Discursar no Palácio de La Moneda, em Santiago do Chile, como Lula fez semana passada, ofereceu a chance de revisitar o local da morte de Salvador Allende, em setembro de 1973. Mas o momento atual é de falar menos e agir mais. 

Dica: O rato que ruge está disponível no Youtube. Vale a pena.

 

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