Correio Braziliense
Crise entre Brasil e EUA se assemelha ao
enredo de comédia britânica. Brasil é grande demais para tentar fazer a guerra
e perder, a única alternativa restante é aguardar, com a calma necessária de
bom jogador
O rato que ruge é uma comédia britânica, de 1959, simples e direta. Um país que depende da exportação de vinho para os Estados Unidos subitamente encontra poderoso concorrente. Na Califórnia, surge um produto com nome semelhante e preço mais baixo. Para evitar a falência, este pequeno país declara guerra aos Estados Unidos, com objetivo de ser derrotado e conseguir expressivos ganhos com sua derrota, como ocorreu com o Plano Marshall na Europa ocidental. Ou, com outro exemplo mais recente, o Vietnã.
A crítica é muito inteligente e atual no
filme dirigido por Jack Arnold, baseado no livro homônimo de 1955 do escritor
irlandês Leonard Wibberley. A história cria um país fictício na Europa, na
fronteira entre França e Suíça, chamado Grão Ducado de Fenwick. O ator
principal é o formidável Peter Sellers, que faz três papéis no filme. A atriz é
Jean Seberg. A invasão dos Estados Unidos, por intermédio de um exército de 22
soldados, armados com arcos e flechas, é hilariante. O comandante é míope.
Naturalmente, tudo resulta em equívoco monumental.
Mas, o pior acontece. O pequeno reino, por
uma série de circunstâncias, vence a guerra e o governo dos Estados Unidos
oferece a paz e o pagamento de um milhão de dólares. A história é uma grande
ironia com a política externa dos EUA, o que a torna muito atual. Antes de
declarar guerra, o pequeno ducado tentou negociar com Washington, mas não
obteve qualquer resposta. Só restou a guerra como alternativa. O fato é que o
filme se parece muito com a situação brasileira em sua atual relação com o
governo de Washington.
O presidente Donald Trump fez 31 reuniões na
Casa Branca para tratar da questão das tarifas externas. Ele recebeu mais de 20
chefes de Estado. Lula nunca foi lembrado para participar das reuniões. Não
enviou nenhuma sinalização para o Brasil. Sequer respondeu à carta enviada em
maio passado. Trump não é imprevisível, como afirmam os comentaristas. Ele
estica a corda como jogador de pôquer, faz o primeiro lance alucinado e obriga
o competidor a entrar no jogo. Não há como ignorá-lo. Como o Brasil é grande demais
para tentar fazer a guerra e perder, a única alternativa restante é aguardar,
com a calma necessária de bom jogador, o momento de apresentar suas cartas e
argumentos. Segundo os melhores analistas norte-americanos, Trump vai negociar,
no seu tempo.
A política norte-americana em relação às
Américas nunca foi muito sutil. A América para os americanos, dizia a doutrina
Monroe. O então presidente norte-americano queria impedir que as potências
europeias recolonizassem suas posses no Novo Mundo. Na América Central, a
política de Washington invadiu à vontade. Baixou o cacete. O melhor exemplo vem
da Guatemala, em 1954. Um golpe militar de Carlos Castillo Armas, apoiado pela
CIA, derrubou o governo progressista de Jacobo Árbenz. O argumento para o golpe
foi de que o presidente deposto planejava facilitar a entrada do comunismo
soviético no continente. Na verdade, o presidente deposto pretendia cobrar
impostos da empresa bananeira, que operava no país.
No Brasil, no Chile, no Uruguai, na
Argentina, na Colômbia (criação do Panamá), os norte-americanos se divertiram
derrubando governos democraticamente eleitos. Sempre houve a preocupação de
manter o quintal de Washington sob controle. Agora ocorre a novidade da
presença muito forte dos chineses na região e da relativa diversificação dos
mercados. Hoje o momento é diferente daquela época em que predominava o
maniqueísmo. Moscou comunista não há mais. E Cuba vive em racionamento de
energia e alimentos. Mas, a existência de Trump, com suas ideias mercantilistas
do século 19, é um retrocesso de bom tamanho.
Do ponto de vista da política interna, Lula
recebeu um inesperado presente de Trump. Ele pode esticar a corda da
negociação, uma vez que o prejuízo já está precificado pelos empresários. Todos
sabem que o país vai perder, haverá desemprego e o agronegócio, principal
atividade econômica do país, será fortemente atacado. Esse grupo, curiosamente,
reúne o maior bloco de apoio a Bolsonaro no país. Trump deu prestígio a Lula,
que voltou a ser o líder nacionalista de outros tempos, e prejudicou a
oposição, que passou a ser percebido como o grupo de traidores da pátria e
criadores de uma enorme onda desemprego.
Trump anuncia acordos com Japão, Filipinas e
Indonésia. Já havia avançado negociações com a comunidade britânica. Mas,
Canadá, México e Brasil estão na lista de espera. Pode causar alguma angústia,
mas os brasileiros vão procurar novos parceiros e amadurecer na política
externa. Discursar no Palácio de La Moneda, em Santiago do Chile, como Lula fez
semana passada, ofereceu a chance de revisitar o local da morte de Salvador
Allende, em setembro de 1973. Mas o momento atual é de falar menos e agir mais.
Dica: O rato que ruge está
disponível no Youtube. Vale a pena.
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