sábado, 26 de julho de 2025

Tarifaço pede menos bravata e mais negociação – Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Lula não está interessado em negociar com a Casa Branca. Seu objetivo atual é tirar proveito político-eleitoral

Não, não é um joguinho de truco. Trata-se de uma situação perigosa que ameaça milhares de empresas exportadoras brasileiras, das gigantes às pequenas cooperativas. Quando Lula tentou divertir a plateia amiga (“Se o Trump estiver trucando, vai levar um 6”), ele não atrapalhou a negociação simplesmente porque não há negociação alguma.

De todo modo, o presidente brasileiro não está interessado em negociar com a Casa Branca. Seu objetivo atual é tirar proveito político-eleitoral do enorme erro cometido pelo bolsonarismo com a ajuda do muy amigo Trump.

Reportagem do GLOBO revelou que autoridades do governo americano manifestaram interesse nos minerais estratégicos brasileiros. Isso poderia sugerir um começo de conversa, mas Lula respondeu no modo patriota:

— Ninguém põe a mão (nas nossas riquezas).

O petróleo é uma riqueza brasileira, da qual Lula tem muito orgulho. E o Brasil exporta algo como US$ 7 bilhões/ano de óleo e derivados para os Estados Unidos.

O nióbio é outra riqueza nacional, mineral raro e estratégico para as indústrias espacial, automobilística, nuclear e de construção civil. O Brasil é o maior produtor mundial, exporta para o mundo inteiro, inclusive para os Estados Unidos, o maior comprador individual.

Isso é negócio. E sendo assim, pode ser objeto de negociações internacionais.

A China é exportadora de minerais estratégicos, e boa parte vai para os Estados Unidos. A China é o principal alvo de Trump, mas o presidente Xi Jinping está negociando direto com a Casa Branca. De maneira esperta. Num dado momento, o governo chinês, sem fazer alarde, segurou as exportações de minérios para os Estados Unidos.

Trump roeu a corda. Aliviou tarifas para diversos produtos chineses e, em troca dos minerais, permitiu que companhias americanas voltassem a vender chips de alta tecnologia para empresas chinesas.

Essa atuação dos chineses pode dar alguma pista de como lidar com Trump.

Não tem família Bolsonaro em Pequim, mas o governo é uma ditadura que esmaga as liberdades civis.

Se os Estados Unidos negociam com a China, é sinal óbvio de que Trump não dá a mínima para isso de democracia. O tarifaço de 50% para as exportações brasileiras, em troca da anistia a Bolsonaro, é o que parece: uma intervenção estrangeira, a maior desde a época da Guerra Fria, na definição da revista Economist.

O que o Brasil pode fazer?

Rugir ou negociar. Só especulando: será que umas toneladas de nióbio valem um Bolsonaro?

Trump já disse que não é propriamente amigo de Bolsonaro. Que é apenas um cara que ele conhece.

Vai quê?

O fato é que todos os países relevantes, e todos a contragosto, estão negociando com a Casa Branca. Todos sabem que vão perder algo em relação à situação comercial pré-Trump.

Também é verdade que a maioria dos governantes tratou de abrir canais com a Casa Branca. Ninguém foi mais ofendido por Trump do que os imigrantes mexicanos, tratados como bandidos e traficantes.

Mas em nenhum momento a presidente Claudia Sheinbaum deixou de conversar pessoalmente com Trump. Já fez concessões, mas tem conseguido reduzir as tarifas postas como ameaça.

O que há de comum em todas essas disputas? Cada governo trata de descobrir onde estão interesses estratégicos dos Estados Unidos. E buscar algum modo de atingi-los — como a China, quando segurou a exportação de minérios.

O Brasil está numa situação mais frágil. Das importações americanas, uma parte mínima tem origem no Brasil. Algo como 1%. Já o México é responsável por 15% das compras americanas.

No agregado, a economia dos Estados Unidos perde pouco se fechar totalmente o comércio com o Brasil. O café fica um pouco mais caro, falta manga, uva, suco de laranja, pescados, por aí. Ninguém morre por isso.

Por outro lado, há interesses específicos — empresas e setores americanos que podem sofrer dificuldades importantes, como os importadores de minérios e aços.

São pontos de negociação.

A China não precisa deixar de ser comunista para negociar. O Brasil não precisaria deixar o Brics. Mas, para os negócios, menos bravatas ajudariam.

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