Folha de S. Paulo
Diagnóstico preciso veio de um bioquímico,
não de um sociólogo ou historiador: Thomas Sudhof
"A meta do governo Trump é destruir e,
no fim, substituir a elite nos EUA." O diagnóstico emanou de um
bioquímico, não de um sociólogo ou historiador: Thomas Sudhof, de Stanford,
Nobel de Medicina em 2013. A frase, precisa, surgiu como resposta a uma
pergunta sobre os ataques da Casa Branca às universidades, em entrevista a Der Spiegel.
Sudhof avalia que, no horizonte mais extenso, o resultado do conflito dependerá da sobrevivência do Estado de Direito nos EUA. "Se o império da lei for permanentemente afetado, a ciência será profundamente enfraquecida a longo prazo."
Tais conclusões representam quase um consenso
na elite acadêmica. Originais, porém, são as duas pistas que ele oferece sobre
as raízes político-culturais do retorno de Trump ao
poder. Suspeito que suas hipóteses estendam-se para além dos EUA, iluminando
também a potência da extrema direita na Europa e na América Latina.
A primeira: os equívocos dos governos na
reação à pandemia de Covid propiciaram a escalada da desconfiança na ciência.
Os cientistas têm culpa nesse cartório –e Sudhof inclui-se no time.
"Alguns cientistas caíram numa espécie de pânico. O medo da morte de
milhões conduziu a medidas nem sempre bem fundamentadas, do ponto de vista
científico. Eis porque as camadas sociais vulneráveis, que sofreram mais,
tornaram-se crescentemente céticas."
A radical restrição das liberdades públicas
nutriu os ressentimentos contra as autoridades e as elites em geral. Trancadas
em casa, as pessoas sucumbiram às redes sociais, ou seja, aos discursos
conspiratórios, anticiência, do extremismo político. Os partidos democráticos
emergiram mais fracos dos dois anos de trauma mundial.
A segunda: a difusão das políticas
identitárias produziu uma implacável reação social. "Os democratas promoveram
a DEI ['diversidade, equidade e inclusão'] nas universidades. Aparentemente,
não era evidente para eles a dimensão da rejeição a esses programas na
população em geral."
Os sinais aparecem à luz do dia. Trump perde
popularidade quando viola direitos civis, persegue ferozmente imigrantes ou
engaja-se em guerras tarifárias, mas ganha pontos ao cortar e ao penalizar as
universidades que simbolizam os programas de DEI. O ritual de responsabilizar
"brancos" ou "ricos" não funciona: a reação espraia-se
igualmente entre latinos e negros.
A Universidade Columbia acaba de humilhar-se
perante a Casa Branca, firmando uma rendição judicial. A capitulação abrange a
renúncia a admissões e contratações em bases raciais, ao lado de medidas
abjetas como o fornecimento de informações sobre estudantes estrangeiros à
agência de imigração. Eliminando os critérios de raça, a instituição faz o
certo, mas apenas sob a pressão de Trump, o que equivale a uma confissão de
delinquência ideológica.
Sudhof concorda em "distribuir de modo
mais justo" as oportunidades, mas pondera que a ênfase precisa recair no
"componente econômico" das desigualdades. "Acho muito
problemático dividir as pessoas de acordo com raças alegadas." Na sua
análise, a sensação de discriminação associada às políticas identitárias
provocou "repulsa" popular: "Penso que essa foi a mais
importante razão pela qual as pessoas votaram em Trump".
O bioquímico Sudhof é uma figura rara. Trump
tem a sorte de que, nas ciências humanas, quase ninguém aceita ouvi-lo.
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